terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, aquando da Visita Oficial ao Concelho de Porto Novo, Ilha de Santo Antão, 28 de Fevereiro de 2012

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Excelentíssimo Senhor Presidente da CM de Porto Novo,
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Excelentíssimos Senhores Eleitos Municipais,
Caros Munícipes,
Minhas senhoras e meus Senhores,
Caros Amigos,

Esta visita ao Concelho do Porto Novo encerra algumas particularidades que gostaria de destacar. A primeira é que ela começa fora da ilha de Santo Antão, pois o primeiro contacto com o Sr. Presidente da Câmara neste âmbito não teve lugar em solo santatonense, mas sim na vizinha ilha de S. Vicente.

Este facto, se faz ressaltar de forma muito clara as grandes dificuldades de acesso a uma das regiões do Concelho, ilustra, simultaneamente, a estreitíssima relação que existe entre as duas ilhas mais ao norte de Cabo Verde.

Na realidade, não existe no nosso país duas ilhas com uma relação tão próxima e tão intensa como a que se verifica entre Santo Antão e S. Vicente, mantida e ampliada por um intercâmbio diário de milhares de pessoas que parecem, na azáfama do dia-a-dia, apostadas em aproximar ainda mais essas duas ilhas que a geografia, a história e a composição humana fizeram uma unidade quase perfeita na sua rica diversidade.

Essas duas parcelas da realidade nacional impõem uma profunda reflexão sobre as grandes vantagens que a concepção do desenvolvimento numa perspectiva ampliada e integrada pode ter. De facto, as pessoas, de forma espontânea, mas permanente, procuram aproveitar as possibilidades de integração entre essas duas realidades. Tem sido sempre assim ao longo da história e, ao que tudo indica, essa tendência não deixará de se acentuar.

Minhas senhoras e meus senhores,

Não é possível falar do desenvolvimento das ilhas de Santo Antão e S. Vicente sem que a problemática da regionalização se imponha, ao menos como exercício teórico obrigatório. Há que responder com clareza em que medida essa estreitíssima relação não poderia ser ampliada com resultados muito positivos se a essa intensíssima e espontânea relação entre as gentes das margens do Canal se acrescentasse uma vertente de planificação integrada com os consequentes instrumentos políticos e administrativos.

Nesse processo seria importante ter em conta uma certa cultura de planificação de São Antão que se iniciou nos finais dos anos setenta do século passado, conheceu os seus dois primeiros Planos de Desenvolvimento na década de 1990 e agora, onze anos depois, aprova o terceiro Plano que vigorará até 2016.

No entanto, e não obstante a tradição da existência de plano na ilha, seria importante uma reflexão crítica sobre os modelos, os impactos desses planos, bem como as consequências de um interregno de onze anos para o desenvolvimento da ilha.

Este exercício poderia trazer importantes benefícios para novos esforços de planificação, que poderiam ir para além da ilha das montanhas. Pensamos que o aprofundamento da experiencia de Santo Antão deve ser referenciada no âmbito do debate sobre a regionalização e a descentralização, que como tenho defendido e parecem constituir consenso, devem ser encarados nas perspectivas supra e inframunicipal.

Minhas senhores e meus senhores,

Um outro aspecto que penso merecer destaque é o facto de, contrariamente às visitas que tenho efectuado, esta não se iniciar por uma sessão solene nos Paços do Concelho, mas numa região bem periférica, com sérios problemas de acesso.

Ao nos propor que o nosso contacto com Porto Novo se iniciasse por Monte Trigo e por Tarrafal, o Presidente Amadeu Cruz quis mostrar, de forma cabal, que, não obstante, as grandes dificuldades de acesso e os inúmeros problemas que as populações dessas localidades enfrentam, elas fazem parte do todo do Concelho e da ilha e integram o espaço nacional. Com a minha presença, para além de me inteirar dos problemas das pessoas, quis significar que, onde quer que exista um cabo-verdiano, a Nação que represento está presente.

Acreditamos que dificilmente se poderia encontrar forma mais eloquente de concretizar essa visão do que me associar a um acontecimento que poderá ter efeitos extraordinários para Monte Trigo.

O facto de essa população poder passar a dispor de energia durante 24 horas, e de esse bem de primeira necessidade resultar de uma interacção quase perfeita do homem com a natureza, tem um fundo significado. Para além dos ganhos imediatos em matéria de bem-estar e do desenvolvimento de actividades geradoras de rendimento, a verificação de que os homens podem extrair da natureza, sem a agredir, um bem tão precioso como a energia, deverá contribuir para mudar as mentalidades e as atitudes em relação a um meio ambiente que deve ser sempre tratado com extremo cuidado sob pena de, a prazo, estiolarem os seus recursos.

Se, num esforço muito meritório, a Câmara Municipal conseguiu com o apoio de parceiros, esta importante realização, nem todos os problemas desta região estão solucionados. A questão do acesso continua a ser de muita importância, podendo assumir, em caso de emergência, contornos dramáticos.

Igualmente o apoio ao desenvolvimento da actividade piscatória, surge como muito relevante para as populações locais, devendo merecer atenção particular a criação de condições para a conservação do pescado.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Acreditamos que numa localidade como o Tarrafal, para além da crucial questão dos acessos terrestre e marítimo, o apoio à pesca, à actividade agrícola e ao turismo poderão ser fundamentais para a qualidade de vida das pessoas. Atrevo-me a sugerir que uma reflexão séria sobre tais temas possa ter lugar entre os habitantes desta região, isento de extremismos político-partidários que sejam susceptíveis de cercear um adequado aproveitamento das potencialidades deste espaço. Uma intervenção pedagógica dos responsáveis políticos no sentido de ajudar as pessoas a entender e assumir que em democracia a divergência é salutar e que ela deve conduzir às melhores soluções e não à paralisação, pode ser determinante nessa, como em outras regiões onde se verifica a tendência para a legítima paixão política se transformar em fanatismo imobilizador.

Minhas senhoras e meus senhores,

Este Concelho, que se estende por dois terços da ilha, alberga mais de dezoito mil habitantes, número praticamente igual ao da Ribeira Grande, Concelho mais populoso, apresenta uma densidade populacional extremamente fraca de 32 habitantes / km2, muito abaixo dos Concelhos do Paul (129 habitante /Km2) e Ribeira Grande (114 habitante/km2).

Porto Novo é o único Concelho da ilha que tem apresentado evolução positiva da população, mas, ainda assim, a sua taxa de crescimento de 0,5 fica muito abaixo da nacional que é de 1,24.

Ainda que a evolução populacional negativa da ilha nos últimos anos esteja mais relacionada com a redução da taxa de natalidade, ela se deve também às limitações do seu processo de desenvolvimento que, não obstante os importantes avanços verificados, não tem estado à altura de satisfazer as necessidades da sua gente, obrigando parcela importante a deixar a ilha.

Minhas senhoras e meus senhores,

Se a cidade de Porto Novo constituiu-se no maior centro urbano de Santo Antão, abrigando mais de metade da população do Concelho, ela dispõe de uma população rural muito dispersa, o que levanta sérios problemas em termos do fornecimento dos serviços essenciais como o abastecimento de água, o fornecimento de energia eléctrica a prestação de cuidados de saúde, de educação entre outros.
Temos conhecimento do esforço realizado para se garantir o abastecimento de água às populações do meio rural, especialmente, das regiões onde não existem fontes aquíferas.
Acreditamos, assim, que é fundamental uma profunda reflexão em torno da problemática do ordenamento do território que permita articular os legítimos interesses das pessoas com a capacidade e a racionalização da oferta de equipamentos e serviços colectivos.

Minhas senhoras e meus senhores,

Não se pode ignorar a extrema importância de que se reveste a problemática da água no Concelho e do esforço consentido pela Câmara Municipal no sentido de abastecer a população com esse bem indispensável.

Cerca de 98 por cento da população urbana é coberta pela rede pública domiciliária, percentagem que se reduz para cerca de 47 por cento no meio rural, sendo o acesso à água potável para a população restante assegurado por fontenário (25%) e auto-tanques (18%) que recebem quantidades muito menores, e nem sempre de forma regular.  

Convém ressaltar que esta apreciável cobertura tem exigido um esforço gigantesco da Câmara Municipal que deve ser prosseguido com muita perseverança até que soluções definitivas sejam encontradas.

Ao nível do saneamento básico a realidade é muito mais preocupante, pois cerca de 42 por cento da população urbana não dispõe de qualquer sistema de esgoto e a situação no meio rural é ainda mais periclitante.

Não podemos deixar de referir que, nestas áreas essenciais para a vida das populações e para o desenvolvimento sócio-económico do Concelho, a articulação entre a Câmara Municipal e o Governo não tem sido a mais desejável e exigível.

Em matéria de abastecimento de água às populações urbanas e de saneamento do meio, as relações entre esses órgãos de poder não são as mais adequadas, com claro prejuízo para as populações.

Um dos meus propósitos nesta visita é compreender melhor essa realidade para poder estudar a melhor forma de contribuir par uma solução que beneficie todos os portonovenses.

Minhas senhoras e meus senhores,

Quando o Concelho de Porto Novo se encontra na ilha com as maiores desigualdades sociais e com uma das maiores taxas de desemprego do país e se situa entre os Concelhos mais pobres, não obstante as suas grandes potencialidades, especialmente na pesca, no turismo e na indústria, é imperioso que todos os obstáculos sejam ultrapassados, que o Concelho seja mesmo alvo de uma discriminação positiva que o habilite, num período razoável, a ombrear com os outros municípios.

Minhas senhoras e meus senhores,

Essa perspectiva na óptica da racionalização e da coordenação de esforços, mormente no plano institucional, não deve ignorar as respostas possíveis que devem ser procuradas localmente, através da optimização dos recursos e capacidades locais.

As intervenções que a ONG Atelier Mar vem realizando na zona rural do Concelho, com o apoio da Câmara Municipal merecem ser tidas em linha de conta, quando se ponderam modelos de desenvolvimento a serem adoptados em determinadas áreas do meio rural.

De facto, o envolvimento das pessoas tem-lhes permitido diagnosticar e participar activamente em actividades fundamentais para a sua subsistência e para sua afirmação enquanto cidadãos. Em vinte e uma comunidades do meio rural de Porto Novo, tem sido possível desenvolver um processo educativo baseado no conceito de escola comunitária, introduzir novas tecnologias de cultivo, de prevenção de pragas, regadio, armazenamento de pasto e processamento agro-alimentar.

O turismo solidário em que há uma grande participação das pessoas é uma outra vertente dessa intervenção cujo grande mérito é o seu envolvimento num quadro de estrito respeito cultural e ambiental.

A revitalização do cooperativismo, nas vertentes produção e distribuição, é um outro elemento que tem dado resultados muito positivos e permitido aos seus membros enfrentar, com sucesso, grande parte das suas dificuldades.

Minhas senhoras e meus senhores,

Todo este processo que mais não é do que a materialização da filosofia da economia solidária, é servido por um sistema de comunicação que tem na rádio comunitária rural um dos seus pilares.

Acreditamos que temos todos a aprender com a experiência realizada neste Concelho, que, muito provavelmente, tem muito a ensinar a Cabo Verde em matéria de Economia Solidária que, segundo estudiosos, é, em larga escala, praticada espontaneamente no nosso país, cabendo aos responsáveis, estudá-la melhor, sistematizá-la e apoiar os seus produtores.

Caros amigos,

Faltaria à verdade se não reconhecesse que as palavras que me foram dirigidas, neste belíssimo edifício ao serviço dos munícipes, provocaram um sentimento que ultrapassa as circunstâncias protocolares. Foram pronunciadas com muita amizade e com sinceridade própria das gentes desta ilha majestosa. Por isso, as agradeço, reconhecidamente, e em troca, se é que posso expressar-me desta forma, reitero o compromisso de, no limite das minhas forças e no estrito respeito pelos poderes que me são conferidos, tudo fazer para que este concelho e suas gentes possam ter condições de vida adequadas, ultrapassar os constrangimentos e projectar novas realizações.

Estou seguro de que estes dias entre as suas gentes habilitar-me-ão a estar melhor preparado para contribuir para que esta linda e diversificada porção de Santo Antão e de um dos grandes nomes da nossa literatura, Manuel Lopes, encontre os caminhos decisivos do desenvolvimento social, económico e cultural.     

Muito obrigado.

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