quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, aquando da Visita Oficial ao Concelho de Paul, Ilha de Santo Antão, 29 de Fevereiro de 2012

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Senhora Presidente da Câmara Municipal do Paul,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Senhores eleitos municipais,
Minhas senhoras e meus Senhores,
Caros Munícipes,
Caros amigos,

De cada vez que venho a Paul sinto que a visita a este belo e majestoso recanto devia constituir-se em uma obrigação para todos os cabo-verdianos.

Conheci Paul muito cedo através de uma morna e outras composições interpretadas pelo saudoso Mário de Mello. Águas cantantes na bananeira, crioulas morenas de olhos doces como mel, a Vila de Santo António das Pombas, a faina, sempre prenhe de riscos, dos pescadores, a Passagem, ícones deste pequeno, mas muito aprazível, concelho, que devia ser destino de peregrinação de todos os cabo-verdianos.

Mas tenho por hábito pensar Santo Antão, a ilha das montanhas, como uma unidade. O bom e o bonito de cada um dos três municípios da ilha constituem a representação mental que tenho de Santo Antão.

A experiência de integração, ensaiada com o Gabinete Técnico inter-municipal, os esforços de concertação levados a cabo desde a emergência do poder local e a complementaridade que se vislumbra entre os três municípios, podem ser os responsáveis por esta minha maneira de ver e representar Santo Antão.

Onde irá procurar trabalho um paulense que não encontre trabalho no seu município? Qual será o destino preferencial de um quadro da Vila das Pombas que não puder se enquadrar no Paul? Hoje, nos tempos que correm, a cidade de origem, a cidade de residência e a cidade de trabalho já não são coincidentes. Mora-se em São Domingos e trabalha-se na Praia ou em Santa Catarina; mora-se no Paul e trabalha-se em Ponta do Sol; nasce-se na Praia, mora-se em Espargos e trabalha-se em Santa Maria; etc.

Isso leva a que os postos de trabalho que surgirem em Porto Novo estejam abertos a quantos, na ilha, tenham as necessárias habilidades para a função; os desempregados do Paul são candidatos a quantas vagas ocorram no Porto Novo e na Ribeira Grande, no Mindelo, em Santa Maria ou na Praia. Os novos tempos exigem de todos esta plasticidade.

Mas, internamente, em Santo Antão, há margem para se incrementar ainda mais o espaço de actuação comum. A integração dos três municípios, exercitada pelo Gabinete Técnico Intermunicipal pode, perfeitamente, vir a desembocar em algo mais consistente e útil aos munícipes dos três concelhos. Uma autarquia supra-municipal, uma Região Administrativa, por exemplo, associando a complementaridade e as sinergias dos três municípios da ilha, poderia alargar o universo dos munícipes de cada um dos concelhos, ao mesmo tempo que faria emergir uma unidade de planeamento que, sem perder de vista a individualidade de cada município, pensaria a ilha como um todo.

Paul, Porto Novo, Ribeira Grande e Santo Antão vão ter que enfrentar o debate nacional que vem aí sobre a descentralização; uma descentralização que pode conduzir à ocorrência de autarquias supra-municipais, mas que, certamente, conduzirá à consolidação das freguesias. Em espaços com a orografia de Santo Antão, a descentralização de poder em favor de autarquias infra-municipais é um desígnio que não poderá ser adiado por muito mais tempo.

O debate sobre a descentralização que, ao cabo e ao resto, deve ser entendida como a opção por um modelo de distribuição de poder e de deslocação das competências decisivas para lá onde estas possam ser mais céleres e, sobretudo, mais eficientes, é um debate que se impõe e no qual todos devem participar.

Acreditamos que esta ilha, pioneira na perspectiva integradora do desenvolvimento local ao criar a primeira associação intermunicipal do país, é cenário muito adequado para se encetar uma reflexão, séria e realista, sobre o poder local, cuja experiência tem demonstrado que tem sido uma importante alavanca no processo de desenvolvimento e de resolução dos problemas das pessoas e das comunidades e que, possivelmente, o seu aprofundamento e extensão poderão constituir um importante factor de equilíbrio no desenvolvimento das várias realidades que compõem o todo nacional.

Exma. Sra. Presidente,
Senhores eleitos municipais,
Caros munícipes,

Se é preciso que se reflicta a integração dos municípios, assim como o reforço do poder local, a finalidade é, como já me referi, permitir que, sem perder a visão do todo, seja possível a cada município desenvolver as suas capacidades e vocações singulares.

Espaços territoriais aprazíveis como o município do Paul fazem-nos sempre pensar na necessidade de trabalhar, aqui, a questão ambiental e na absoluta obrigação de passá-los às gerações vindouras intactos e, se possível, ainda mais aprazíveis. Fazem-nos sentir a necessidade de um casamento entre o desenvolvimento e a preservação do ambiente.

É preciso pensar o crescimento e o desenvolvimento do Paul de forma sustentável. Nem sei se se poderia falar de desenvolvimento se, para isso, se tivesse que sacrificar a passagem, por exemplo. Ou qualquer das inúmeras belezas naturais do município.

O desenvolvimento do Turismo, de um turismo de qualidade, pressupõe também investimentos conducentes à manutenção dos necessários equilíbrios ambientais. O turismo rural, o turismo de montanhas, o convívio de turistas com a população, no seu habitat e na sua casa de moradia, só sobreviverão se mantivermos Paul, e redondezas, intactas e aprazíveis.

Sei que todos os munícipes ficariam satisfeitos se pudessem realizar o sonho de um cais de desembarque, flutuante. Pode-se trabalhar para a realização do sonho, sem, de forma alguma, deixar de ter em conta os impactos ambientais e a obrigatória necessidade de minimizá-los.

O incremento da produção do bom grogue de Santo Antão e do melaço, do café e dos maravilhosos queijos e doces, o incremento da fruticultura, certamente exigirão intervenções que alterarão o dia-a-dia do município e terão impactos sobre a natureza. É aí, portanto, que a vossa atenção terá de ser redobrada. Estudos de impacto ambiental não são modas, nem manias. São, importantes instrumentos porquanto nos ajudam a tomar decisões económicas sem ameaçar o equilíbrio ambiental das nossas regiões. E, pelo que me foi dado ver e ler, Paul tem uma biodiversidade que convida ao estudo e, certamente, à preservação.

Igualmente, a melhoria da produção agrícola em ambientes como este deve ser potenciada por um serviço de extensão rural, com técnicos experimentados, e por um sistema de protecção vegetal amparado por um laboratório de referência. É que não se leva o camponês a mudar hábitos arraigados sem que se lhe demonstrem a eficácia e o rendimento das novas formas de trabalhar a terra ou de novas culturas. E serviria de nada, ou de muito pouco, investir em novas técnicas, novas culturas, se não se estiver protegido contra as pragas, o que faz relevar a necessidade de investimentos em recursos humanos e tecnológicos ao serviço da protecção vegetal e do ambiente no seu todo.

O equacionamento da problemática da distribuição revela-se também urgente para que as potencialidades agrícolas da ilha sejam adequadamente favorecidas e, neste sentido, mais uma vez manifestar a nossa satisfação ao receber, algum tempo atrás, a informação de que a quarentena a que estão sujeitos os produtos agrícolas desta ilha estaria em vias de ser significativamente alterada de modo a permitir a exportação para as outras ilhas do país.

Senhora Presidente,
Caros presentes,

Uma palavra especial quero dirigir à juventude do Paul. Em um ambiente rural confinado, como se devem sentir os jovens da Vila das Pombas e redondezas, é absolutamente necessário que se organizem e lancem mão da tradicional irreverência da vossa faixa etária para sacudir a letargia. Os poderes, central e local, têm boas intenções a vosso respeito, mas os problemas são tantos que será preciso fazerem-se úteis para verem realizados os vossos direitos. Eu, ao contrário de muita gente, acho que o momento da Juventude é hoje e não um incerto futuro. Até porque, pelo menos em Cabo Verde, o futuro começa HOJE.

Pensando em vocês, continuo a defender a operacionalização de um Fundo de Garantia de acesso ao crédito para financiamento de iniciativas de formação superior; um Fundo vocacionado para a prestação de garantias, pela via da avalização, para acesso ao crédito para financiamento da formação universitária. Defendo um Fundo que caucionará o crédito às famílias que não têm negócios com o banco, em um nível que lhes permita acesso ao crédito, para financiar os estudos superiores dos seus membros. Falo, portanto de um Fundo que não se esgota, antes se renova permanentemente.

E aproveito o ensejo para, a partir do Paul, lançar as bases para um debate sério sobre o enquadramento dos jovens que saem do sistema de ensino antes de completar seu ciclo de formação. Que alternativas para um jovem que aos 16 anos seja forçado a deixar o sistema público, tradicional, de ensino? Que alternativas para adolescentes que, ainda antes de terem idade para entrar no mercado de trabalho, deixem o sistema de ensino? As causas serão muitas: insucesso escolar, fraqueza económica da família, limite de idade para o ciclo em que se encontram. As consequências todos nós estamos vendo. E a solução? Aqui não há espaço para receitas prontas. É preciso encarar o fenómeno, suas causas, próximas e remotas, suas consequências, e começar a buscar soluções. A nossa Juventude merece-nos essa atenção.

Até que se equacione e se resolva, de vez, a questão, senhora Presidente, uma aposta da Câmara, que mui dignamente dirige, poderia ser no sentido do reforço do que tem feito em matéria de desporto e de ocupação dos tempos livres dos jovens. Apelo, aliás, que, daqui do Paul e pelas antenas dos órgãos de comunicação aqui presentes, faço a todos os responsáveis, locais e central. Enquanto se trabalha para fazer crescer a economia, para que esta gere postos de trabalho para os jovens, aposte-se na disponibilização de oportunidades para que os jovens ocupem, de forma saudável e criativa, os seus tempos livres. Assim, pensamos que se estará também a contribuir para a resolução de problemas sérios vividos neste concelho como são a gravidez precoce e o consumo abusivo do álcool, este que, como já fiz referência em outra ocasião, deve ser considerado, pela extensão e gravidade com que atinge as nossas populações, uma questão de urgência nacional.

Senhora Presidente,
Senhores Eleitos,
Minhas Senhoras e Meus senhores,

A Juventude, mas igualmente a mulher, a Terceira Idade e os mais carenciados estão sempre presentes nas minhas intervenções, públicas e privadas. As razões são por demais evidentes, e, num município com graves problemas de pobreza, como Paul, não poderia deixar de registar minha preocupação em relação às necessidades da população mais vulnerável.

Apercebemo-nos, sobretudo após a visita a várias localidades de diversos municípios do país, que as respostas no domínio da protecção social das nossas gentes são claramente insuficientes e que, rapidamente, devemos, pois, avançar no aperfeiçoamento da função pública da política de “assistência social”, destinada a todos que em algum momento e por alguma razão dela necessitarem.

Populações sem acesso à habitação de qualidade, sem trabalho e sem rendimento, são, talvez, dos mais graves problemas que assistimos, e que estão presentes não só aqui no concelho do Paúl como no resto de Cabo Verde. Como responder a esse desafio? Como operacionalizar uma política pública de assistência social capaz de provocar a extensão do acesso aos direitos e o reconhecimento da cidadania aos grupos de cabo-verdianos que não têm tido a possibilidade de usufruir do desenvolvimento alcançado pelo país? Como fazer para que o sistema de protecção social nacional tenha uma ligação mais forte com aqueles que são alvo, ou potencial alvo, da sua acção aqui em Paul, mas também nas diversas localidades dos municípios do país? 

Estas são algumas questões, complexas, que devem merecer de todos nós e, sobretudo, do governo, as respostas possíveis e também mais adequadas a estimular a conquista da cidadania pelas populações.

Temos conhecimento dos Centros de Desenvolvimento Social que estão a ser instalados nos diversos municípios e que deverão facilitar a proximidade entre os serviços sociais disponibilizados pelo Estado e os cidadãos que deles necessitam ou venham a necessitar. Aproveitamos esta oportunidade para alertar para a importância de dotá-los dos recursos, financeiros e humanos, que os tornem capazes de responder, em tempo adequado, às demandas de provisões às populações.

Ademais, a nova vaga de descentralização que aí vem – e que já não será uma DESCENTRALIZAÇÃO DE OFERTA (do pode central), como a da década de 1990, sendo agora uma DESCENTRALIZAÇÃO DE PROCURA (das populações e do poder local instalado) – deverá, em nosso entender, incluir o aprofundamento da análise e reflexão acerca dos mecanismos da DESCENTRALIZAÇÃO DO SISTEMA DE PROTECÇÃO SOCIAL. Pelo incremento de eficácia que pode injectar ao sistema é mais uma questão para um debate que necessita ir mais a fundo.

 Mas, além do primordial papel das instituições da protecção e promoção sociais, no âmbito central e local, entendemos, igualmente, de primordial importância o estímulo a uma proveitosa e adequada articulação entre estas instituições e delas com as organizações da sociedade civil; todas, nos espaços de cada uma, devem se implicar e ser mais implicadas neste processo, podendo ser assim capazes de complementar experiências umas das outras e reforçar os recursos disponíveis, sempre limitados em relação às necessidades.

A própria Presidência da República, dentro das suas competências constitucionais, oferece-se como parceira. Paul e os demais municípios, suas organizações governamentais e Não-Governamentais, podem contar com o PR e seus colaboradores para ajudar a identificar os problemas e a buscar as soluções.

Termino aqui, fazendo votos de sucessos para os munícipes e para os seus eleitos, nos grandes desafios que têm pela frente, neste período muito difícil e complexo para a economia da maioria das nações do Planeta.

Muito obrigado.

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