quarta-feira, 25 de julho de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, por ocasião da Cerimónia de Abertura da “Conferência Sobre o Contencioso, Justiça & Conflito Eleitoral Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor Leste”, Assembleia Nacional, 25 de Julho de 2012

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Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhor Presidente do Tribunal de Recurso de Timor Leste,
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional de São Tomé e Príncipe,
Senhora Presidente do Conselho Superior de Magistratura Judicial,
Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional de Angola,
Senhores Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional Moçambique,
Senhoras e Senhores Deputados da Nação,
Senhoras e Senhores Magistrados Judiciais e do Ministério Público,
Senhoras e Senhores conferencistas, moderadores, relatores e facilitadores,
Senhoras e Senhores Representantes e Membros das CNE,
Senhoras e Senhores Membros do corpo diplomático,
Senhora Encarregada de Negócios da União Europeia,
Senhor Presidente da Fundação Direito e Justiça,
Senhor Presidente do Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais,
Senhoras e Senhores Professores,
Senhoras e Senhores profissionais da comunicação social,
Ilustres convidados,
Minhas senhoras e meus senhores,

As minhas primeiras palavras são de felicitação aos promotores desta importante Conferência sobre o Contencioso, Justiça e Conflito Eleitoral nos PALOP e Timor – Leste, e de agradecimento por terem associado o meu nome a este evento que reúne personalidades tão ilustres quanto competentes e que se inscreve num projecto mais amplo que tem por objectivo o reforço da governação democrática, através do aproveitamento das sinergias proporcionadas pela cooperação sul-sul.

Permitam-me, minhas senhoras e meus senhores, destacar aqui e agora a figura do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde, Dr. Arlindo Almeida, que, com denodo, desenvolveu todos os esforços para que este evento, subordinado a um tema de pertinência vital para todo o sistema democrático, e muito especialmente para os nossos países que ensaiam os primeiros passos nos trilhos da democracia, fosse, de facto, realizado. 

Antes de prosseguir queria, ainda, destacar a feliz coincidência que consiste no facto de, poucos dias depois de ter sido eleito para presidir a comunidade de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, em processo de revigoramento, estar a presidir a abertura de um importante acontecimento que envolve os PALOP e Timor Leste.

Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhores Diplomatas,
Minhas senhoras e meus senhores,

Numa outra ocasião referi o facto de algumas ideias traduzirem com uma abrangência tão grande determinadas épocas, certas circunstâncias, momentos particulares da história dos povos ou mesmo do mundo, que praticamente consubstanciam de modo quase totalizante esses espaços e esses tempos.

A Democracia, ao lado de outras como globalização e crise, inscreve-se nesse grupo de ideias, com a particularidade de ser praticamente permanente. Ao longo de décadas esta expressão tornou-se obrigatória, mesmo nas circunstâncias em que a realidade colidia de forma dramática com os elementos básicos que enformam o conceito.

Porém, nos tempos mais recentes assiste-se a uma mudança importante. Já não basta uma declaração de princípio, um voto piedoso nas virtudes da democracia, para que os regimes se sintam legitimados.

Actualmente existe uma grande pressão para que um determinado número de requisitos seja cumprido, certas normas observadas e determinadas condutas comprovadas para que um regime seja considerado verdadeiramente democrático e, por causa disso, beneficie de certos tipos de reconhecimento.

O que explicaria tal mudança? Porque antes se convivia mais ou menos pacificamente com regimes ditatoriais, profundamente desumanos, como o do apartheid ou o colonial, sem essa grande pressão, sem a preocupação de pôr a questão da democracia ou dos direitos humanos na ordem do dia?

Entre outras razões, nomeadamente económicas, poderemos referir – nos às grandes transformações por que passa o mundo, entre as quais as quase infinitas possibilidades comunicacionais que permitem a milhões de pessoas verem-se, sentirem-se, comunicarem entre si e, sobretudo, fazerem comparações.

Hoje a informação circula com uma rapidez inimaginável há poucas décadas e as fronteiras físicas, culturais, económicas e políticas esbatem-se, permitindo que o modo como as sociedades estão ou podem ser organizadas seja do conhecimento de todos.

Já não basta dizer que o regime é democrático, com ou sem adjectivação. Os cidadãos, no dia-a-dia, verificam que as coisas podem ser diferentes. O contágio é inevitável, como atesta a Primavera árabe. As forças democráticas ganham terreno e os decisores procuram adaptar-se às transformações em curso, às exigências crescentes.

Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Minhas senhoras e meus senhores,

O mundo democratizou-se? A democracia implantou-se definitivamente? A máxima “um homem um voto” universalizou-se de forma irreversível?
Não. A realidade é bem mais complexa e a democracia é um processo que, partindo de alguns elementos fundamentais, irredutíveis, diria, vai-se aprimorando, vai-se adaptando.

Hoje o sistema democrático conhece, mesmo nos países de democracia consolidada, alguns impasses, suscita dúvidas e interrogações. Um número crescente de cidadãos não se reconhece no sistema representativo em vigor, o que leva a que segmentos crescentes de cidadãos se distanciem dos pleitos eleitorais, conduzindo a situações em que os principais órgãos de direcção do país são, amiúde, escolhidos por um número relativamente reduzido de cidadãos. É a democracia privando-se do seu elemento fundante que é a participação das pessoas.

Nestas circunstâncias, as manipulações, motivadas por solidariedades regional, cultural ou étnica são reais, e distorções de questões essenciais uma possibilidade concreta, particularmente quando, para além da limitação acima referida, as condições de vida de boa parte dos eleitores, em termos de educação, emprego, nutrição e saúde, são muito precárias, tornando-os vulneráveis. Sabemos disso até por experiência própria.

As limitações inerentes às experiências democráticas têm, inclusivamente, revigorado o debate em torno da relação entre democracia e desenvolvimento económico equitativo, propondo reflectir a relação entre democracia, cidadania e justiça social.

 Como consolidar democracias ainda frágeis, num quadro de contínua e funda pobreza, e consideráveis níveis de desigualdades e de exclusão social?

Minhas senhoras e meus senhores,

Nestas circunstâncias a disputa eleitoral pode assumir o aspecto de mero ritual que tem por objectivo legitimar o poder dos que sempre dele se serviram e não de uma ferramenta ao serviço dos eleitores para melhor e livremente escolherem os seus representantes.

Fica claro que a democratização muitas vezes é quase exclusivamente formal, não passando de alterações na Constituição, elaboração de leis específicas para lidar com as diferentes etapas, a criação de estruturas para gerir todo o sistema, sem qualquer impacto real na vida das pessoas.

Deve-se, então, concluir que, com tantas limitações, a democratização recente de muitos países não tem sentido? Deve-se concluir que, em razão de um sem número de conflitos a que não-aceitação dos resultados eleitorais conduz, as eleições provocam mais mal do que bem em vários países?

Como facilmente se compreende, a resposta para um processo tão complexo não pode ser fácil, pois ele não é linear, sendo condicionado por um grande número de factores. Como se referiu a democracia não é um processo acabado e muito menos estático.

Como se afirmou, as possibilidades de manipulação são reais, os riscos de legitimação de regimes opressores são concretos, bem como as hipóteses de desencanto com o próprio sistema democrático.

Por todas essas razões não se pode considerar que o processo de democratização em curso em várias regiões, nomeadamente no continente africano, não tem razão de ser ou que não seja positivo.

Pensamos que deve prosseguir, pois até agora não se descobriu sistema político melhor do que o democrático, posição que não deve ser entendida como acrítica de modelos que foram testados em contextos políticos, culturais e históricos bem diferentes. Pelo contrário, entendemos que um exercício permanente de recriação da democracia nos contextos específicos deve ser constante preocupação. Não se trata da absolutização de determinadas características, em busca de uma originalidade paralisante, como pretendem alguns, mas da procura de equilíbrios entre princípios universais e realidades particulares.

No quadro destes complexos problemas que papel cabe aos que, como nós nos nossos países, têm responsabilidades directas ou indirectas na consolidação da democracia? Entendemos que, antes de mais, temos de assumir o grande compromisso de proceder ao aprimoramento permanente do sistema, ao nível do seu aperfeiçoamento legal e institucional.
É neste âmbito que as actividades preconizadas no quadro do projecto, de reforço da governação democrática nos PALOP e Timor Leste, apoiado pela União Europeia, geram e justificam a grande expectativa no sentido de que os seus resultados serão uma importante mais-valia para as nossas democracias.

Aliás, a metodologia adoptada na preparação das actividades e a proposta para a sua realização vão de encontro à preocupação de equacionar problemas prioritários realmente existentes num quadro mais amplo de reforço do sistema eleitoral.

Igualmente o facto de, apesar de se reconhecer a existência de importantes pontos de convergência entre os diferentes sistemas e, simultaneamente, levar-se em conta as especificidades locais, nomeadamente através do estudo de casos, permitirá aos participantes compreender a sua realidade e, eventualmente, encontrar ou rejeitar soluções já testadas em outros cenários.

Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Minhas senhoras e meus senhores,

Todas as reformas que os nossos países vêm fazendo no âmbito eleitoral têm sido na busca da melhor solução possível para os respectivos processos eleitorais e isso deve ser devidamente valorizado. É que não devemos nunca perder de vista que as decisões que cada um dos nossos países toma, nesse e em outros âmbitos, vão sempre no sentido do aperfeiçoamento dos nossos sistemas. Um sistema eleitoral perfeito é o sonho de qualquer democracia, mas infelizmente não existem sistemas eleitorais perfeitos.

Muitas vezes ouvimos, até com alguma surpresa, críticas contundentes a sistema eleitorais de países com longa tradição democrática, pondo em causa regras e soluções com séculos de existência, numa procura constante de fazer corresponder de forma perfeita os resultados à vontade dos eleitores. Deve ser essa a preocupação essencial, sem descurarmos, naturalmente, que o sistema eleitoral também alberga outros valores que, no limite, geram zonas de conflitualidade com esse valor primacial, o da vontade popular expressa nas urnas.

Efectivamente, a estabilidade governativa é um valor do nosso mundo moderno, reflectido em vários sistemas eleitorais que, algumas vezes, consente alguns sacrifícios na representação proporcional pura, corolário lógico da expressão perfeita da vontade popular. Mas a segurança eleitoral também é um outro valor, alguma vez conflituante, no limite, com a própria verdade eleitoral dada pela expressão aritmética dos votos nas urnas.

Na verdade, sem deixar de acentuar o valor cimeiro da verdade eleitoral, pois que ela é a expressão típica da vontade popular, não podemos deixar de reconhecer que a procura da verdade eleitoral como um valor absoluto pode conduzir a posições extremadas que podem pôr em causa os princípios de segurança, de estabilidade e de aquisição eleitorais. São também valores importantes do sistema que não podem ser negligenciados. 

Buscamos, todos nós pois, um sistema que possa corresponder com a maior fidelidade possível a vontade dos cidadãos eleitores.

É justa e pertinente a profunda preocupação que os nossos países têm manifestado em relação ao sistema eleitoral. Estamos, pois, a tratar de questões nucleares da democracia, do tal «expediente técnico», no dizer de uma famoso politólogo, que permite mudar de governo sem derramamento de sangue. Estamos a lidar, deste modo, com a alternância política, com os mecanismos institucionais de exercício da soberania popular, de acesso ao poder, dando corpo a representação da vontade maioritária do povo.

A estabilidade política depende muito, particularmente no nosso continente, da justeza do sistema eleitoral, sistema no qual os principais actores políticos se revejam e que assegure, para além de qualquer dúvida razoável, que os resultados eleitorais têm a máxima correspondência possível com a vontade da maioria, livremente expressa nas urnas. Sistema que procure tendencialmente rejeitar os fenómenos que perturbam a comunicação eleitoral livre, entre os candidatos e os eleitores, que fazem ressaltar o espectáculo em detrimento do projecto, o folclore em vez da substância, o consumismo fácil em vez do debate de ideias.

Percorremos já um caminho e introduzimos melhorias significativas no nosso sistema eleitoral. Os actores políticos estão de parabéns, pois hoje a nossa lei eleitoral é inquestionavelmente melhor e tem respondido com um grau razoável de eficácia aos desafios que vamos enfrentando.

Na verdade, Cabo Verde encetou reformas significativas no seu sistema eleitoral, desde o desfasamento entre as eleições legislativas e presidenciais, evitando a chamada contaminação destas últimas, o alargamento dos círculos eleitorais com a consagração da coincidência entre a ilha e o círculo eleitoral, com uma única excepção, a proibição de espectáculos e de distribuição de materiais com fins utilitários durante a campanha eleitoral, com a proibição de cerimónias de inauguração e de lançamento de primeiras pedras no período eleitoral, o reforço da autonomia dos órgãos de administração eleitoral e do princípio de isenção e imparcialidade das agentes e órgãos de poder público.

Em todo o caso, podemos ainda fazer mais e melhor. Na verdade, em cada grande decisão que se toma não pesam apenas a qualidade das soluções disponíveis no momento: assumir uma decisão é, no mais das vezes, ter de optar não pela solução ideal ou perfeita, mas pela solução exequível, tendo em conta a nossa realidade: o nosso estádio de desenvolvimento, os recursos humanos, financeiros e tecnológicos instalados, os elementos de cultura prevalecentes, a abertura constitucional, e outros elementos.

Prezados amigos,

Todos os presentes têm ideia do que funciona bem e do que não funciona da melhor forma nos respectivos países. Todos já terão dado um olhar ao que se faz no país vizinho. Um estudo comparado dos quadros normativos que regem o sistema eleitoral nos países amigos terá sido, em algum momento, ensaiado. E é bom que isso tudo seja assim. É assim que consolidamos o conhecimento de onde nos encontramos e para onde queremos ir. E seria óptimo que este fórum pudesse ajudar-nos a identificar os caminhos para irmos de onde estamos para onde queremos ir. E que abrisse um espaço de troca permanente de ideias, para que os contactos aqui estabelecidos se mantenham. Afinal, vivemos na era das Tecnologias de Informação e Comunicação.
Neste domínio, aliás, é ingente buscar conhecer o que, em termos de plataformas informáticas, existe e seja compatível com as demais plataformas instaladas nos nossos respectivos países e que possa contribuir para melhorar as respostas às questões postas pela necessidade de inovação.

É imaginável o que se poupa em energia e em tempo com um sistema eleitoral onde as coisas fluem, porque foram feitos os investimentos que se impunham. O acontecido nas nossas últimas eleições locais ilustra a necessidade de inovação nos sistemas de captação de votos e de apuramento dos resultados das eleições.

Mas, mais do que isso, os últimos episódios também serviram para, uma vez mais, reconhecermos a urgente necessidade de se libertar o nosso Supremo Tribunal de Justiça – órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, administrativos, fiscais e aduaneiros – da responsabilidade de dirimir conflitos eleitorais e de se criarem as condições para a instalação de uma jurisdição autónoma encarregada de lidar com questões dessa natureza, o Tribunal Constitucional, tal como desenhado desde 1999 na Constituição da República. A instalação do Tribunal Constitucional constitui uma exigência e um objectivo em relação ao qual temos de trabalhar com determinação, considerando ser este um instrumento central para a garantia da eficácia da Lei Fundamental da nossa República e para a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, entre os quais o próprio direito de acesso aos órgãos e meios processuais eleitorais, e sobremaneira, no contexto concreto do nosso estádio de desenvolvimento político, para a afirmação crescente de uma cultura constitucional.

É muito salutar ter um sistema baseado nos princípios mais avançados mas se eles não tiverem uma tradução prática adequada, ele fica comprometido. É por isso que aos responsáveis compete tudo fazer para que, na medida do possível, a prática traduza as opções formais e procedimentais e seja eficiente. O cidadão tem que ter a percepção de que o sistema respeita, defende e assume os princípios que o enformam. Esse desiderato só pode ser atingido se existir uma articulação forte e coerente entre os pressupostos legais e organizacionais e a intervenção concreta.

Se nas disputas eleitorais, o que aparentemente conta, no final, é a contagem dos votos, um dos grandes riscos que se tem corrido em processos eleitorais, muitas vezes com consequências nefastas, é o não reconhecimento por parte dos derrotados dos resultados eleitorais, muitas vezes na base da falta de credibilidade, justificada ou não, de órgãos responsáveis pela gestão de tais situações.

É evidente que o processo não se resume a esse aspecto, mas sendo um dos mais sensíveis e em relação ao qual se diagnosticaram limitações, nada mais avisado do que lhe conceder a importância de que se reveste no quadro do sistema eleitoral, levando em devida conta, igualmente, a necessidade de se estar atento perante certas tentações, frequentes em circunstâncias de confrontação ou de descrença, de se ensaiar “fugas em frente” em matéria legislativa, ou mesmo de uma certa disposição à adopção de soluções “ad hoc” ou de «moda», atraentes, que careceriam de maior e melhor ponderação, senão mesmo de soluções «mágicas», legislativas ou outras, que poderão até redundar em efeitos completamente contraproducentes.

A nossa aposta deve, portanto, ser no sentido de um amplo conhecimento do que de melhor existe, se faz e se segue construindo no mundo e no nosso tempo, de modo a municiar da melhor forma possível os nossos processos de reforma, paralelamente ao estímulo ao que chamamos de uma cultura constitucional que possa envolver os cidadãos, individualmente ou como colectividade, os titulares dos cargos políticos e os próprios agentes da justiça. Mas mister se revela ter sempre presente uma atitude de lucidez, de serenidade e de avaliação crítica do que temos e do que nos é oferecido.

Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Minhas senhoras e meus senhores,

Nos nossos países, a nossa aprendizagem e experiência democrática têm sido diferenciadas. Ainda que todos tenhamos sido colónias portuguesas, iniciado os processos democráticos há relativamente pouco tempo e de os nossos sistemas terem uma matriz semelhante, as nossas realidades são diferentes.

Os nossos propósitos e objectivos são comuns e existem fortíssimas ligações históricas políticas e culturais entre nós, para além da circunstância de no pós independência terem sido implantados nos nossos países regimes de partido único, circunstância que condiciona necessariamente a prática política.
Contudo, há que ter em conta que as nossas realidades humanas são diferenciadas em termos numéricos e de composição e que os processos independentistas conheceram caminhos diferentes que, naturalmente, também influenciaram os processos pós independência.

Em relação a este aspecto há que destacar, antes do mais, o facto de quase todos os nossos países terem sido palco de luta armada que em alguns casos opôs movimentos independentistas a forças coloniais e em outros confrontos violentos também opuseram organizações autóctones. Apenas dois países, por sinal ilhéus e de pequenas dimensões, não conheceram, no seu solo, a luta armada.

Se é facto que a realidade da guerra, por vezes inevitável, particularmente quando relativamente longa, deixa marcas que apenas com o tempo se desvanecerão, quando ela envolve protagonistas locais a situação fica mais complexa, pois assiste-se a uma quase legitimação da violência enquanto instrumento de gestão de conflitos ou de acesso ao poder.
A interiorização dos princípios de tolerância, da resolução pacífica dos conflitos, da aceitação e respeito pelo diferente, que enformam a Cultura da Paz, representa uma autêntica revolução pois implica a substituição da arma pelo voto. O processo é complexo e não se pode esperar milagres a curto prazo.

Trata-se de uma aprendizagem que terá de levar o seu tempo. Mas aos responsáveis cabe tudo fazer para que este seja o mais curto possível e que a cada momento seja feito o máximo, como este evento está a demonstrá-lo. A experiência acumulada em outras paragens será sem dúvidas de grande valia na consolidação do processo democrático nos nossos países.

Prezados amigos,

A democracia cabo-verdiana tem conhecido sucesso efectivo mas, estamos cientes de que temos ainda um longo caminho a percorrer na perspectiva do aprofundamento da cultura democrática, pilar fundamental que assegurará a irreversibilidade do nosso sistema e do nosso regime. Mas também podemos assegurar que, felizmente, longe estamos do que poderíamos chamar «direito de necessidade de participação».
Acreditamos que este importante evento que nestes três dias decorrerá em Cabo Verde, dirigido e participado por eminentes e respeitados especialistas de nível internacional será de grande importância para nós todos.

A terminar, Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, gostaria de deixar um apelo no sentido de, sem deixarem de valorizar o que temos, sem partirmos todos à conquista do nosso sonho de sistema eleitoral, sem perder de vista que, em cada etapa, somos, não raras vezes, obrigados a assumir não a opção ideal, a perfeita, mas a possível, a exequível, em função de nossas limitações. Mas que isto não nos conduza nunca à frustração: o sonho deve manter-se intacto, renovável, à espera de uma situação melhor, por cuja emergência devemos trabalhar com afinco e denodo. E também que nunca, mas nunca, deveremos desbaratar os trunfos de que já dispomos, nem confundir o acessório com o essencial.

 Gostaria de saudar efusivamente os organizadores desta conferência, dar as boas vindas aos que vieram de fora e desejar-lhes uma boa e profícua estada entre nós.

A todos os participantes desejo votos de uma proveitosa troca de experiências num processo de intercâmbio que, não tenho dúvidas, será muito enriquecedor.

Declaro aberta a “Conferência Sobre o Contencioso, Justiça & Conflito Eleitoral Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor Leste”…

Muito obrigado.

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