segunda-feira, 6 de maio de 2013

Discurso pronunciado por sua Excelência o Presidente da República, na Abertura do Fórum Cidadania Democrática e Cultura da Paz - Universidade Africana da Juventude 06 de Maio de 2013 – Mindelo, São Vicente




Caros amigos e caras amigas,

É para mim uma grande satisfação partilhar deste espaço onde jovens inquietos, e porque não dizê-lo (?), idealistas, procuram produzir e reforçar uma base colectiva de acção.

Agradeço, por isso, imensamente o convite e quero cumprimentar, afectuosamente, os promotores desta iniciativa – o Centro Norte Sul do Conselho de Europa, o Conselho Nacional da Juventude de Portugal, a Federação Cabo-verdiana da Juventude, a Rede Unida de Jovens Pacificadores, o Fórum de Juventude da CPLP e a Rede de jovens na diáspora africana (ADYNE), e agradecer o importante apoio das Nações Unidas e da Direcção da Juventude para a sua realização.


Uma saudação, também muito especial, dirige a todos os jovens oriundos de países diferentes, de continentes diferentes: os representantes das 22 Ligas juvenis cabo-verdianas, os participantes internacionais da CEDEAO e da CPLP, a União pan-africana da Juventude (UPJ) e da Rede de Organizações Internacionais em África (NIYOA).

Vocês congregam-se aqui, em torno de um programa muito ambicioso, para reflectir temas de interesse comum, como a cidadania, a democracia e a cultura da paz. Já dizia Vinícius de Morais, compositor brasileiro, que a vida é a arte do encontro e num mundo profundamente interligado, como é o nosso, a partilha de espaços é, ademais, um imperativo.

Caros amigos,

A importância do tema deste Fórum reside precisamente no facto de, para além da partilha de um mundo que é cada vez mais “uno”, ser primordial, e, cada vez mais urgente, que se edifique, também, um piso de valores comuns baseado na importância da liberdade, da democracia e da amizade entre os povos.

Acredito que vocês jovens que estão aqui, alguns vindos de tão longe, partilham o mesmo desejo de poder viver num mundo mais livre, mais justo e mais unido, - humanamente unido -, pois, é verdade que a realidade contemporânea, não obstante os desenvolvimentos havidos, tem sido caracterizada por uma profunda divisão e fragmentação sociais que, reiteradamente, fazem emergir comportamentos antidemocráticos, inclusive, separatistas e xenófobos.

Não obstante o aprofundamento das relações económicas e financeiras entre os países, não obstante o crescimento económico mundial, sobretudo antes da actual crise, e o potencial económico e de desenvolvimento que se apresenta para alguns países, mormente os africanos, e não obstante, ainda, os meritórios esforços para o estreitamento/fortalecimento da cooperação Juvenil Africa-Europa que fóruns como este vêm preconizando, são muitas as incertezas e as dúvidas que pairam sobre o caminho, sobretudo, para os jovens.

Caros jovens,

A etapa da vida que vivem neste momento é, talvez, a que melhor caracteriza a combinação entre a realidade e o sonho, o concreto e a expectativa; não será por acaso que vocês, os jovens, são vistos como os melhores actores, os protagonistas por excelência, das lutas sociais, da ideia da construção de um mundo melhor.

Os anos 60 terão sido os anos mais emblemáticos desta força da mudança da juventude que, principalmente a partir da sua Diáspora, foi protagonista de grandes movimentos e correntes de pensamento, como o pan-africanismo, responsáveis por mudar o curso da história.

A partir de movimentos mais ou menos sectorializados – feministas, dos negros, movimentos da contracultura, das libertações nacionais, de contestação à ordem capitalista – os jovens denunciaram a realidade da época e alcançaram importantes conquistas, diríamos, para a humanidade.

Caras amigas e caros amigos,

Porque não queremos ficar pelas atitudes saudosistas do tipo “a juventude era na minha época”, mas porque nos interessa, em essencial, pensar o presente e o futuro, é interessante notar que, ao contrário do que dizem alguns, os jovens continuam a manter o espírito de luta e a conservar a utopia de um mundo melhor;

Poderíamos, como exemplo, nos deter sobre vários géneros de práticas juvenis presentes hoje pelo mundo. Mas, talvez, das várias manifestações juvenis a favor de novos patamares de cidadania e democracia, protagonizadas hoje pelos jovens, um deva ser retido: o hip-hop; em muitas das nossas sociedades, a defesa de relações sociais mais justas, tem levado os jovens a protagonizarem movimentos urbanos, como a chamada cultura “hipo-hop”, sobretudo o “rap”, mas, também, a dança urbana, os Grafitis, as Artes plásticas, entre outras formas de expressão na web, como, por exemplo, os blogs e os sites com forte componente reivindicativo e educativo.

Refiro-me a estes tipos de manifestações juvenis, dentre muitos outros, não só porque ganham visibilidade na nossa época e em várias das nossas sociedades, mas, sobretudo, porque serão característicos de um novo modo de organização juvenil, essencialmente descentralizado. Parece-nos, também, que quando usados a favor de valores positivos, tais manifestações transmitem, muito claramente, mensagens sobre a discriminação (contra ela), referem-se à exclusão e à violência nos bairros periféricos das nossas cidades e apontam para factos de um mundo político e social que não atende às suas expectativas legítimas.

Um outro aspecto que parece-nos digno de realce é que esta construção de um “novo mundo” ou de um novo patamar de cidadania, os jovens de hoje querem-no para hoje. A velocidade e a efemeridade do nosso universo produzem uma cultura em que os projectos são para serem iniciados já, agora.

O que podemos questionar nós de uma geração diferente, com um percurso e uma experiência diferentes é: até que ponto a população juvenil actual, muitas vezes descrente dos modelos tradicionais de “fazer política” e de actuar no espaço público, tem conseguido mobilizar e articular os diferentes sectores sociais para os objectivos comuns?

Parece-nos que reivindicar mudanças imediatas requer determinada organização e implica, sobretudo, ter ideais, pensar em “projectos” a serem concretizados.

Hoje estará o trabalho da organização muito mais facilitado, certamente, pelos avanços na comunicação, pela internet, em especial, que faz com que, por um clik, pessoas em diferentes partes do mundo possam se ligar à luta pelos mesmos ideais.

Creio que os jovens de hoje podem e devem conseguir pôr todos esses avanços tecnológicos ao serviço das novas e velhas lutas e dos desafios do tempo presente: a melhor distribuição da riqueza mundial, a defesa do ambiente, a promoção de uma democracia participativa, o combate às assimetrias regionais irrazoáveis, a igualde de oportunidades, enfim, o aprofundamento da cidadania democrática, cívica, cultural, política. Continua, pois, a ser grande a responsabilidade que se atribui a vós jovens, nos respectivos países ou da diáspora.

Neste sentido, é que entendemos que a criação da Universidade Africana de Juventude e Desenvolvimento é uma grande conquista, sobretudo pela sua vertente de cooperação juvenil Europa-África.

Prezadas amigas e prezados amigos,

Temos a consciência de que os tempos são de alguma dificuldade e de incertezas, mas, também, serão de desafio e de possibilidades.

As crises económicas e financeiras, a problemática do desemprego juvenil à escala mundial, amiúde, fazem emergir comportamentos antidemocráticos e xenófobos e a importância do intercâmbio e da cooperação juvenis entre países e continentes, entre culturas, reside, justamente, na habilidade de agregar e representar os jovens, colocando-os como parte das soluções destes problemas.

Se olharmos para trás, compreenderemos que muita coisa já foi feita, muito caminho já foi andado até aqui.
Segundo a Freedom House, em 2011, de um total de 195 países, 117 se constituíam em regimes democráticos, três vezes mais do que nos anos 70 (quando o número de democracias era aproximadamente 45).

Se olharmos para o nosso continente africano perceberemos grandes avanços em termos democráticos, não obstante sombreada por retrocessos que também têm ocorrido neste processo em numerosos países do continente.

Mas, como tenho mencionado sempre, a democracia nunca é um processo acabado; ela é um processo permanente, e quer para as democracias mais frágeis ou mais consolidadas.

Mas, diríamos que acima de tudo é necessário perceber que a democratização dependente da afirmação da sociedade civil e de uma dimensão de poder pluralista no seu seio, onde permanentemente possam se (re) produzir tendências democratizadoras da estrutura política.

Para que as nossas sociedades civis se afirmem; para que cheguemos à existência de uma opinião pública que funcione também como instância informal de controlo social do exercício do poder político, é preciso que os cidadãos, não só, mas também os jovens, se organizem, criem as suas associações cívicas, políticas, profissionais, se habituem a cultivar a crítica construtiva e a favorecer o debate de ideias; que se batam pela defesa de um desenvolvimento económico e social inclusivo e divulguem e promovam os valores da tolerância, do diálogo, através de regras consensualmente aceites, do respeito pelas diferenças e pelas minorias.

Por isso, julgo que torna-se urgente que se comece a encarar a importância do associativismo juvenil em outros moldes.

Entendo que uma democracia que se quer moderna terá todo o interesse em que as organizações juvenis se assentem sobre estruturas autónomas fortes, capazes de constituir-se em valiosos instrumentos de sugestão de políticas consistentes, de influenciação de atitudes positivas, e de fiscalização permanente dos critérios de definição das políticas públicas, especialmente as juvenis.

Somente organizações juvenis institucionalmente bem capacitadas, com lideranças fortes e independentes poderão ser fiéis aos compromissos que lhes dão origem, que são os genuínos interesses da juventude. Apenas plataformas juvenis bem apetrechadas a nível técnico, material e humano poderão erigir-se em verdadeiros aliados do desenvolvimento. Aliás, penso, ser a direcção indicada pela Carta Africana da Juventude.

Minhas amigas e meus amigos,

Entendemos que a crise económica pela qual passa praticamente todo o mundo é algo mais do que uma crise económica, ela revela, ademais, uma crise ética que reflecte a não assunção de importantes valores universais e consequente debilidade do espírito cívico.

Nessa linha, temos assistido a uma grande intensificação das desigualdades regionais e sociais, a agressões ambientais permanentes, a uma cultura de desresponsabilização e de corrupção. O consumismo alienante e vorazmente individualista completa esse quadro que favorece a emergência de condutas anti-sociais e de violência gratuita.

Fortalecer os recursos morais que surgem das boas práticas e criar espaços de deliberação comum, ou seja, reforçar, senão criar, a consciência de cidadania mundial inclusiva e plural, neste contexto, é fundamental.
Precisamos ambicionar um crescimento económico com distribuição da riqueza e inventar novas formas de vida que sejam capazes de fortalecer cultural e espiritualmente o indivíduo e as sociedades com valores de solidariedade, cooperação, gosto pelo saber, o trabalho bem feito, o esforço, a justiça… enfim, para que uma sociedade funcione bem é necessário que a cidadania, porque não (?), mundial, construa valores positivos e rejeite as condutas consideradas inaceitáveis.

Estes deverão ser elementos enformadores do empreendedorismo jovem que desponta um pouco por todo lado e que vai assumindo uma importância cada vez maior.

A fragilidade da democracia põe-se a manifesto quando circula a corrupção, quando manda o clientelismo, quando se desviam fundos públicos para benefício privado, quando o sectarismo dos partidos políticos nos impede de tratar de assuntos importantes, quando o poder judicial nos surge como arbitrário e quando o cidadão não recebe informação sobre os assuntos que o afectam directamente no seu dia-a-dia… enfim, a lista poderia ser interminável.

Por isso, acredito que, para construirmos um mundo melhor, para fortalecermos a democracia e estimularmos a cidadania, não é só a economia que é importante, os valores também são fundamentais e, neste sentido, concordo com os jovens, as mudanças têm de começar agora.

Criar uma plataforma de valores que aponte para ideais democráticos e de justiça social e partilhar objectivos constitui um activo quenão deve ser desperdiçado, mas sim perseguido.

Num quadro cultural feito de permuta de valores e comunhão entre povos diversos, de procura permanente de relações, o diálogo ético, inter e intra-civilizações pode ser, efectivamente, o motor do desenvolvimento e da paz mundial.

Efectivamente, já em 1968o poeta e presidente Senhor, numa conferência realizada em Franckfurt, Alemanha, dizia que “graças aos progressos da cultura, da ciência e da tecnologia, nós nos tornamos, no decurso deste século (XX), abertos uns para com os outros, apertados uns contra os outros, de corpo e alma. A única lição desta interdependência planetária é a de que temos de nos acomodar à escala universal: para e na paz”.

Se essa é a perspectiva adequada, a realidade nem sempre se apresenta com esse contorno. O chamado choque de culturas ou de civilizações tem sido apontado, por alguns, como o grande motor dos conflitos reais ou potenciais actuais.

Os valores intrínsecos a diferentes culturas seriam tão excludentes que o choque seria inevitável, pois existiriam determinadas concepções do mundo e de vida impossíveis de se conciliarem. Por isso,a confrontação seria fatal e a prova dela seriam as “guerras santas” (e respectivas reacções) efectuadas em defesa de ideais religiosos e culturais.

Nestas circunstâncias, valores como patriotismo, defesa de valores culturais ou religiosos pretensamente ameaçados, bem como a exumação de preconceitos, reinterpretações convenientes de processos históricos ou religiosos, são brandidos até à exaustão.

Mas estes expedientes costumam funcionar porque, de certa forma, existe um ambiente favorável. Uma certa predisposição para a intolerância e para encarar a solução de conflitos, que podem ser naturais, como necessariamente violenta.

Meus Amigos,

Acredito, muito sinceramente, que os aspectos essenciais da interculturalidade são um elemento essencial para a promoção de uma Cultura de Paz, que deve ser o antidoto ao culto da intolerância e da predisposição para a violência.

Da mesma forma que estas atitudes são, directa ou indirectamente, cultivados no dia-a-dia, a promoção da cultura da paz, da predisposição para lidar, respeitar e aprender com o diferente, é talvez tão importante quanto a compreensão exacta dos contornos e interesses envolvidos nos diferentes conflitos.

A interculturalidade surge, assim, como uma ferramenta essencial à construção de um mundo muito melhor e plural e como instrumento insubstituível na edificação de uma autêntica cultura da paz.      

A juventude que não tem que se guiar por estafados paradigmas que muitas vezes nos têm conduzido ao impasse, tem, enquanto promotora da cultura da paz, um importante papel a desempenhar.

Caros amigos,

Ao sugerir, a partir deste longo trajecto feito aqui hoje, que vocês jovens, dos diferentes países e continentes, nos ajudem, no presente, a construir ou reconstruir valores, significa que contamos com a vossa capacidade organizacional e com a vossa vontade e prática para melhorar os procedimentos democráticos das nossas sociedades.

A humanidade dispõe já de um marco bastante, qual seja as Constituições políticas dos Estados de Direito; mas sabemos que elas necessitam de concretude, de terem seus valores interiorizados e legitimados pela experiência quotidiana, e, apenas por uma prática cidadã, protagonizada sobretudo por aqueles que contam com a irreverência e a força da vontade, poderemos gerar uma democracia, com o perdão da redundância, mais participativa, mais funda, mais alargada e mais incondicionada. 

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