quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, aquando da Visita Oficial ao Município de São Vicente, 03 de Novembro de 2011

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Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente,
Exmo Senhor Ministro das Infra-estruturas e Economia Marinha,
Exmo Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Exmos Senhores Deputados,
Exmos Senhores Eleitos municipais,
Excelentíssimas Autoridades civis, religiosas e militares,
Excelentíssimos Senhores Chefe da Casa Civil e Chefe da Casa Militar e colaboradores da Presidência da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Prezadas Amigas e Caros Amigos,
População de S. Vicente, 
É sempre um grande prazer pisar o chão desta que é uma das mais emblemáticas ilhas do nosso arquipélago. O contagiante ambiente humano e natural que se respira nestas paragens é simultaneamente um convite ao ilimitado usufruto dessas qualidades e um desafio à reflexão, no sentido da sua preservação, da sua utilização ao serviço da sua gente e das pessoas de todo o nosso país.





 Não será por acaso que S. Vicente é um dos cantos mais cantados e acolhedores de Cabo Verde, terra que absolutiza o sentido de pertença ao mesmo tempo que relativiza a ideia de origem.”M`nim de Sancent” não é necessariamente quem tem aqui o seu umbigo enterrado mas quem adoptou a terra que o acolheu, quem assume o modo de ser e de estar, o espírito desta ilha. 

Agradeço profundamente o convite formulado pelos senhores Presidentes da Câmara e da Assembleia municipais para esta visita à terra de Cesária Évora a quem aproveito para augurar um pronto restabelecimento. 

Agradeço igualmente as amáveis e generosas palavras que me foram dirigidas pelos Ilustres Oradores que me precederam.  

Minhas e meus senhores, 

Os grandes desafios a que temos de fazer face obrigam-nos a lançar mãos de todos os instrumentos ao nosso alcance, para a compreensão e transformação da realidade, numa perspectiva solidária. Exercício que não pode esgotar-se na reflexão científica e no aturado e imprescindível trabalho dos especialistas das diferentes áreas, mas que, bem pelo contrário, deve sistematicamente ser aferido por um elemento que muitas vezes nos escapa, qual seja a sabedoria política popular. 

Nas últimas eleições essa sabedoria, pela primeira vez na nossa história democrática, indicou sem quaisquer equívocos ou ambiguidades que os destinos de Cabo Verde nos próximos anos, devem ser conduzidos através de uma articulação entre um Governo e um Presidente da República oriundos de áreas políticas diferentes mas que, para além da comum, clara e democrática legitimidade das urnas, devem ter o inabalável compromisso de colocar as suas energias ao serviço do país e do povo. 

Se o exercício da presidência, nestes primeiros tempos, implica uma aprendizagem constante balizada, sobretudo, pelo compromisso com as pessoas, a chamada coabitação acaba por fazer relevar um elemento simultaneamente novo e aliciante que, de forma significativa, tem feito emergir, no que nos diz respeito, uma inegável tendência para valorizar o interesse colectivo relativamente a inevitáveis e salutares diferenças de perspectiva.  

Ainda é muito cedo para se extraírem ilações definitivas mas o caminho apontado por aquela sabedoria política popular mostra-se muito rico em potencialidades que entendemos dever explorar ao máximo. 

Minhas senhoras e meus senhores, 

Neste momento, dirige-se o meu pensamento à figura de Antero Barros, grado filho desta ilha. Lamento mais uma vez o seu desaparecimento físico e renovo os meus sentidos  pêsames aos familiares  e à ilha que o viu nascer e que tão bem conheceu Antero de Fula. Determinados aspectos da sua vida seguramente se mostram referências importantes na procura de caminhos para o devir desta ilha. 

Destacaria em primeiro lugar o facto de, apesar de ser oriundo de uma família sem grandes posses, Antero de Barros ter sido um lutador e um vencedor que, na esfera da educação, trabalhou em diversos níveis, ensinando que a grande ambição das pessoas, das sociedades e dos países tem de ser a de fazer a cada momento o máximo com os recursos disponíveis e de acordo com as circunstâncias.   

A sua trajectória remete-nos igualmente para a necessidade de os contextos também poderem ser criados ou favorecidos. Para leccionar em níveis cada vez mais elevados, teve de construir as ferramentas adequadas, estabelecendo as necessárias alianças, buscando os inevitáveis apoios, conjugando esforços para que objectivos definidos e considerados superiores pudessem ser atingidos. 

Um homem com profundas raízes populares que procurou fazer o melhor que pôde nas esferas em que actuou, que absorveu o que o desporto tem de melhor para o devolver, com valor acrescentado, ao desporto e para singrar na vida. 

Esses ensinamentos são essenciais nos dias de hoje. Os tempos actuais exigem que todas as sinergias sejam aproveitadas e potenciadas. Não apenas porque existe uma crise que a todos apoquenta e cujo fim não está à vista, mas porque a globalização que caracteriza os tempos actuais não se esgota nas componentes económica e financeira. Ela exige uma nova perspectiva na abordagem dos diferentes fenómenos e processos. O conhecimento e a intervenção seja em que domínio for já não se compadecem com perspectivas segmentadas, atomizadoras. A interdependência dos diferentes processos é cada vez mais evidente. A grande especialização em quase todas as áreas do conhecimento e da acção impõe a integração sintetizadora que pode assegurar a apreensão da realidade ou coerência da intervenção transformadora. 

Uma perspectiva que esquarteja a realidade e encara a acção como uma sucessão de acontecimentos que se vão adicionando, pode atingir algum sucesso mas ela será necessariamente efémera e condena os actores a um perpétuo recomeço, ritmado ou não por interesses eleitorais.
 A assunção desta verdade aparentemente evidente e consensual ao nível do discurso mas, com muita frequência, negada na prática é fundamental em tempos de crise. 

Esta deve exigir uma permanente racionalidade na utilização dos meios, com a conjugação de esforços e o evitar duplicações e desperdícios. Posições apenas possíveis quando os diferentes agentes têm consciência clara dos caminhos a serem percorridos e das metas a serem alcançadas. 

O que não tem de implicar a negação de singularidades políticas ou de outra natureza dos diferentes agentes, pois a diversidade de perspectivas, quando balizada pela busca real do bem comum, pode ser enriquecedora. (A crise e a não crise num país com as características de Cabo Verde não se compadece com a estreiteza de perspectiva que coloca a sempre medíocre aritmética eleitoral como critério maior, senão único na avaliação das políticas propostas. Esta postura chega a ser quase desrespeitosa.) 

Minhas senhoras e meus senhores, 

As potencialidades desta ilha de Nho Roque são por demais conhecidas e reais, a começar pelo grande dinamismo da sua gente, passando pelos seus patrimónios histórico, cultural e paisagístico. 

Nunca é bom esquecer que s. Vicente alberga uma das mais belas baías do mundo, tão enaltecida pelo seus poetas e trovadores. S. Vicente apresenta a vários níveis indicadores desenvolvimento humano dos mais elevados do país. Porém, paradoxalmente, a nível do emprego os indicadores têm evoluído em sentido inverso.

Há que indagar por que é que existindo grandes potencialidades, a actividade económica não se apresenta com o dinamismo de outros tempos. Provavelmente durante estes dois dias de convívio com os diferentes sectores de actividade as respostas surjam com mais clareza. 

Mas de todo o modo ouso pensar que, para além das consequências inevitáveis da crise, nem sempre o esforço de articulação entre os diferentes intervenientes tem sido tão real ou intenso como seria de desejar.  

É facto que articulação pressupõe antes de tudo vontade, mas também clarificação e explicitação de ideias e posições. Não basta anunciar a necessidade ou o desejo de articulação. É fundamental que o discurso seja clarificador e que os mecanismos que o viabilizarão, bem como os diferentes parceiros e papéis, sejam identificados. 

Admito que em S.Vicente e possivelmente em outras paragens tal perspectiva não esteja a ser levada a cabo em toda a sua plenitude. Ainda que as causas possam ser diversas, seria interessante que a crise fosse um pretexto. Para o aprofundamento de uma reflexão a esse respeito. 

Minhas Senhoras e meus Senhores, 

Afiramar que o turismo, a cultura, o mar são as áreas a partir das quais o desenvolvimento de S. Vicente poderá alicerçar-se é quase um lugar-comum. 

Mas talvez não seja evidente que estes e outros domingos esteja a ser encarados por todos na óptica integradora que se referiu acima. Penso que uma das razões dessas dificuldades residirá na ênfase excessiva que se coloca a nos recursos financeiros. 

É claro que são muito importantes, por vozes determinantes num país, como o nosso que não tem poupança interna para investir. Mas devem ser vistos como um elemento fundamental, como um instrumento, que deve ser enquadrado num todo mais amplo, que visa objectivos claros a serem perseguidos através de metodologias claramente explicitadas. 

Apenas esta visão evitará que recursos sejam investidos de modo inadequado e por vezes contrários  a determinados objectivos e assegura que os investimentos maiores ou menores obedeçam  à mesma lógica. 

Em S. Vicente o desenvolvimento do turismo exige investimentos, mas também a explicitação dos contornos dos produtos a serem oferecidos para que os diferentes agentes possam adequar-se ao modelo proposto e canalizar os esforços e investimentos na direcção adequada. A crise da imobiliária turística não deve paralisar o sector. 

A formação e a organização são aspectos essenciais mas estão mais relacionados com os conceitos e as opções do que com recursos financeiros, apesar de estes serem muito importantes para um seu cabal aproveitamento.  

Por exemplo, se o carnaval mindelense deve ser promovido enquanto produto turístico, esta definição deve ter implicações que devem abranger os decisores e os agentes a diferentes níveis. Não se pretende fazer do folião um funcionário turístico mas imprimir aos aspectos de planificação e organização uma perspectiva de menor improvisação. Ao fim e ao cabo trata-se de criar condições que impeçam que a excessiva improvisação, geradora de insegurança, iniba ou condicione a criatividade.  

Tanto para o carnaval como para outras áreas culturais – pensamos na música, nas artes plásticas ou no teatro - as perspectivas devem ser claras. Elas não devem e nem podem ser instrumentalizadas e adulteradas para serem servidos como produto turístico. Devem ser desenvolvidas e apoiadas enquanto expressões da cultura local que poderão ter interesse turístico, pelo seu valor intrínseco.  

Minhas senhoras e meus senhores, 

A vocação marítima, bem como as condições naturais de S. Vicente são características marcantes da ilha. Esta realidade tem de ser aproveitada ao máximo nos domínios da actividade portuária, da pesca, do turismo, da formação técnica e profissional, da educação, da investigação entre outros. O aproveitamento deste potencial parece estar nas preocupações dos decisores políticos, o que é muito positivo. Contudo, o sector das pescas reclama um impulso bem maior, pela difícil situação em que se encontra e pelo grande impacto que pode ter na economia. 

Os problemas sociais em S. Vicente têm mostrado uma certa tendência para o agravamento, principalmente em decorrência do desemprego que é expressivo na ilha. Ao mesmo tempo que incentivos ao emprego, especialmente da camada jovem, devem ser efectivados, deve-se encarar a possibilidade de alargar a protecção social, ainda que temporariamente, às famílias mais desprotegidas e muito vulneráveis.  

Excelentíssimo Senhor PCM, Excelentíssimo Senhor MIEM, Ilustres Convidados,
Prezados Amigos, 

É preciso desenvolver, no país, uma economia de serviços. Isso já foi dito e redito. Mas essa intenção não passará disso mesmo, mera intenção, enquanto não soubermos mudar a nossa forma de conceber a prestação de serviços. Temos que desenvolver uma atitude diferente perante os utentes dos nossos serviços. É forçoso reconhecer que estamos longe, muito longe do que deve ser e podemos fazer. A começar pelos serviços públicos, passando pelas empresas e instituições privadas, temos que revolucionar a nossa atitude perante os utentes, sejam eles nacionais ou turistas estrangeiros.  

Nada disso se fará sem ou contra a classe empresarial nacional e o poder local. Estas duas instituições nacionais são parte da solução e não parte do problema. Devem, por isso, ser plenamente envolvidas no desígnio nacional que pode ter um nome: exportar para ganhar autonomia externa e salvaguardar a estabilidade económica e social do país. 

Não cremos estar a exagerar ou a ser hiperbólicos se dissermos que toda a nossa acção deve ser conduzida de forma a criar uma estrutura económica que, a médio prazo, possa gerar os seus próprios fluxos financeiros externos, para que a ajuda externa se transforme num apport marginal para a nossa economia. 

De forma mais directa e simples, queremos com isso dizer que temos que acelerar o desenvolvimento da nossa capacidade exportadora. Exportar bens e sobretudo serviços, deve ser o nosso lema. Ao mesmo tempo que construímos um tecido económico interno que possa servir de suporte, e tirar partido, da nossa maior inserção no mercado externo.

Esta opção é válida para o país no seu conjunto, e para a ilha de S.Vicente igualmente e em particular. 

A ilha de S.Vicente compreende muito bem este desiderato. Ela reúne as condições sobre as quais se pode construir um centro de prestação de serviços baseado na pesca e nos serviços que lhe são associados. Dispõe de potencial na formação de quadros qualificados e uma mão-de obra que facilmente se adapta às exigências da produção industrial moderna. Tem potencial para integrar o circuito turístico nacional. Tem história e vocação para o transporte marítimo, dispõe de um rico potencial cultural e uma população capaz de se mobilizar, de se organizar disciplinadamente, de mostrar funda e rica inventiva, também em sectores «produtivos». 

A ilha carece de uma visão realista das suas potencialidades e do seu lugar no desenvolvimento do país, e só uma teia densa e responsável de relações entre os poderes públicos, central e local, e a sociedade civil mindelense poderá despoletar a energia latente e a vontade de vencer que sustenta qualquer processo de desenvolvimento. 

Minhas senhoras e meus senhores, 

Acredito firmemente que, depois de escutar os diferentes sectores deste importante concelho e de aprofundar os meus conhecimentos sobre a sua realidade, estarei em muito melhores condições para, juntamente com o Governo, as autoridades municipais e também com a sociedade sanvicentina contribuir efectivamente para que esta linda e aprazível ilha assuma no todo nacional o seu merecido lugar.  

Desculpem-nos repetir o que dissemos há já alguns anos, e num contexto e numa posição muito diferentes dos de hoje, mas que se nos revela ainda pertinente acautelar: Não se trata de reivindicar um estatuto marcado por um qualquer privilégio ou princípio desigual para uma ilha, qualquer que ela seja, mas, sim, favorecer o desenvolvimento das potencialidades de cada uma, num quadro atravessado todo ele por critérios de igualdade e de equilíbrio, vale dizer por critérios de igualdade de oportunidades. 

A aplicação de critérios de igualdade e de equilíbrio não pode significar, de modo algum, que se reparem injustiças… com outras injustiças. A ilha do Porto Grande não pode ficar à espera que eventuais injustiças históricas a outros e a outrem sejam totalmente sanadas para retomar os caminhos do desenvolvimento e de sua afirmação singular no âmbito nacional. A ilha (cada uma das ilhas) é, inquestionavelmente, no nosso pequeno mundo arquipelágico, uma unidade própria, igual na sua dimensão cultural e até mítica. Não é por acaso que somos ilhas. Cada uma delas uma unidade, igual, sim, mas nas suas singular identidade e vocação de futuro. (O princípio da igualdade implica rejeitar – e isto é uma banalidade de base do discurso juspolítico ou filosófico – que se trate de maneira igual o que é desigual.) S. Vicente tem indubitavelmente uma identidade própria, específica, ditada por especiais condições do seu processo de afirmação histórica, social e cultural. Requer, pois, respostas adequadas ao seu figurino. Nada de novo que todos ou quase todos não reconheçam de há muito.

Vamos, pois, todos tentar fazer de novo o S. Vicente que Sergio Fruzoni tão bem soube cantar. Esta ilha que aprece ter estado adormecida, ao longo dos tempos, à espera de poder ser apenas e sempre CABO VERDE. 

Muito obrigado pela vossa atenção!

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