sábado, 17 de março de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, na Abertura do Forum de Cooperativa – FENACOOP, Praia, 17 de Março de 2012

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Minhas senhoras,
Meus senhores,
Caros amigos,

Sinto-me particularmente satisfeito e honrado em participar desta magna reunião, no ano que a Organização das Nações Unidas, na sua sexagésima quarta sessão, proclamou como Ano Internacional das Cooperativas sob o lema «As cooperativas constroem um mundo melhor»

Num contexto de grandes dificuldades económicas e financeiras a nível mundial, poderia causar alguma estranheza o facto de a ONU dedicar pela primeira vez um ano a um movimento nascido no ano de 1844 na Inglaterra e que se estriba nos princípios de igualdade, solidariedade, democracia, participação, dando primazia à união das pessoas em relação ao capital.

Mas se se levar em conta que actualmente esse movimento se espalha por mais de cem países, envolve mais de um bilião de cooperativistas e gera mais de 100 milhões de empregos, compreender-se-á que esse movimento- que já foi classificado de “socialimo utópico”- pode constituir-se numa importante ferramenta para enfrentar tais grandes dificuldades e o porquê de as Nações Unidas entenderem que esse movimento pode ajudar a construir um mundo melhor.  

Minhas senhoras e meus senhores,

A ideia de que os princípios que enformam o movimento cooperativista só servem para combater a pobreza e assegurar a sobrevivência dos mais pobres há muito tempo que é considerada bastante redutora. É verdade que, pelo seu potencial de solidariedade, participação e defesa do bem comum, o cooperativismo possui valor inestimável na luta contra a pobreza e a exclusão.

Mas a abrangência do movimento há muito que ultrapassou essa ambição que entretanto continua a ser actual e muito importante. Se atentarmos para o facto de nos países mais desenvolvidos esse movimento ter uma participação decisiva em vários sectores económicos e financeiros poderemos ter uma ideia aproximada das suas potencialidades.

O movimento cooperativo é tão pujante nos países desenvolvidos que nos Estados Unidos da América englobam nada menos do que 60% da população, na Alemanha 80% dos camponeses e 75% dos comerciantes e na Bélgica as cooperativas farmacêuticas respondem por mais de 19% do mercado.

Se o peso das cooperativas é significativo nos países do norte, ele também é  importante em países do Sul como a Coreia do Sul, onde 90% dos produtores  rurais estão organizados em cooperativas ou como o Brasil onde responde por 72% da produção de trigo, 38% do algodão e 43% da de soja.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Seria muito interessante uma reflexão sobre os contornos que o movimento cooperativo tem tido entre nós para, no nosso meio, descobrirmos os caminhos a serem percorridos de modo a nos servirmos das suas virtualidades no combate à exclusão e na criação de riqueza.

Detenhamo-nos em alguns aspectos da história do nosso movimento cooperativo que teve momentos áureos e que, por razões que merecem ser aprofundadas, conheceu acentuado declínio.  

Caros Amigos,

Longe vão os tempos em que os sectores de actividade se resumiam à dicotomia público ou privado.

Com a queda do colonialismo, logo surgiu em Cabo Verde um forte movimento cooperativo virado, em essencial, para o combate ao alto custo de vida superveniente e ao açambarcamento de bens essenciais por parte de alguns operadores económicos individuais, e para evitar roturas na cadeia de abastecimento de víveres.

Era a época das cooperativas de consumo. Surgiram várias iniciativas, um pouco por todo o país.

Mais tarde, apareceram cidadãos que se organizaram para produzir e para adquirir propriedades. Pedreiros, carpinteiros, marceneiros, engenheiros, agricultores e quadros se organizaram para produzir, para investir. Aqui na Praia, quem não se lembra da Cooperativa de Construção Civil (CCC); da Cooperativa de Carpintaria e Marcenaria do Meio da Achada? Quem, nesta ilha de Santiago, não se lembra da Cooperativa de Marcenaria Leibnitz de Achada Fátima, ou da Cooperativa Várzea de Sant’Ana, na região de Pico da Antónia? Quem, na ilha do Sal, e um pouco por todo o Cabo Verde, não se lembrará das iniciativas de jovens quadros que, reunindo lotes de terreno e recursos financeiros, formaram cooperativas para construção de casa própria?

O movimento teve tamanha implantação que logo surgiram estruturas para o seu enquadramento, apoio e governo. Surgiriam então a Central de Cooperativas e a Federação Nacional das Cooperativas. Jovens como o Estêvão, o Jacinto Santos, o Eugénio Barros, o Aquiles Fontes, o Emídio Lima, o Ângelo Gonçalves, o Eurico Monteiro, o Zeca de Cooperativa e muitos outros deram muito de si para o sucesso do movimento

O movimento cooperativo, no quadro do regime de partido único, foi por ele estimulado enquanto estrutura de participação na distribuição de bens e de mobilização política, sendo naturalmente por ele controlado.

Mas como sempre acontece em movimentos dessa natureza o controlo não era e nem podia ser absoluto. É interessante referir que boa parte dos activistas do movimento cooperativo teve participação activa nas movimentações que conduziram às alterações políticas da década de 1990.

Aliás, esse aspecto contraditório pode ser surpreendido nas primeiras Bases Gerais das Cooperativas. Ali, o movimento cooperativo que é definido como “um meio privilegiado para o nosso povo se libertar da dominação e da exploração e se libertar a si próprio, combatendo os efeitos e as tendências contrárias ao progresso, no sentido de ser ele mesmo o motor do desenvolvimento da nossa terra” (Decreto-Lei nº80 de 25/08/1979).

Minhas senhoras e meus senhores,

Não obstante a importância assumida, entre nós, por este sistema, as cooperativas de consumo cedo desapareceram; a propriedade cooperativa não chegou longe.

Quando os recursos disponíveis no mercado se mostraram manifestamente insuficientes para as necessidades de financiamento do sector público e do sector privado, o movimento cooperativo começou a declinar. Deixou-se de ouvir falar das grandes Cooperativas; a Cooperativa de Construção Civil abriu falência; a própria Central de Cooperativas entrou em declínio. Os magos do nosso modelo cooperativo, os líderes do movimento cooperativo, buscaram novos horizontes para se afirmarem. Parecia que o movimento já dera tudo o que tinha a dar.

A legislação nacional continuou a consagrar o sector cooperativo, a par dos sectores público e privado, mas sob novas bases. Às mudanças económicas e políticas ocorridas no país corresponderam, oficialmente, novos entendimentos sobre as cooperativas, com reflexo na reformulação das suas bases gerais, e com progressivo afastamento do papel do Estado e maior responsabilização dos cooperados.
Esta nova realidade enfraqueceu o movimento cooperativo

Minhas senhoras e meus senhores,

A tendência de deitar fora o bebé com a água do banho fez perigar o futuro do movimento, mas não ditou o seu fim. Pode ter havido coisas menos boas, mas não há dúvidas de que o cooperativismo tinha, e tem, os seus méritos. A reforma do sistema cooperativo não poderia nunca passar pelo seu esvaziamento, mas antes por uma sua melhor afinação.

As cooperativas assumem, como sabemos, além de funções económicas, funções sociais e culturais de suma importância, funcionando como um sistema capaz de gerar respostas às necessidades concretas das populações, em especial as mais vulneráveis: além de permitir o acesso a produtos de primeira necessidade, seja pela produção, seja pela aquisição a preços mais adequados às capacidades das pessoas, as cooperativas também adquiriram características outras, funcionando como espaço de convívio e de discussão política, espaço de “socialização” de determinados equipamentos (como TV, telefone) lugar para realizar actividades culturais, etc.

 «Com a implementação das cooperativas em Cabo Verde, muitas pessoas passaram a estruturar suas vidas em torno das mesmas. A actividade desenvolvida como membro passou a ser uma importante fonte de recursos e a cooperativa um espaço de trocas e relações interpessoais. De um modo geral, a actividade desenvolvida transformou-se numa alternativa económica significativa num meio carente de soluções para os graves problemas de emprego e subsistência» (Iolanda Évora).

Salta à vista que mesmo nos dias de hoje, frente aos estruturais constrangimentos da nossa economia, um sistema cooperativo de produção pode ser a solução e a salvação de muitos pequenos agricultores e pequenos criadores de gado.

Fala-se muito de clusters. E pensa-se sempre grande quando se fala desse encadeamento de fornecedores e produtores. Mas isso é válido, também, para o cluster da carne, do leite e dos lacticínios: pequenos produtores de forragem e rações mais pequenos criadores de gado mais pequenos (ou grandes) abatedores e distribuidores de carne (em um segmento). Cooperativas reunindo os diversos intervenientes do cluster têm tudo para dar certo. E tudo quanto se diz em relação ao cluster da carne e dos lacticínios se pode dizer em relação à produção de Aguardente de classe A - AGT – A; vinhos; doces e compotas de frutas.

Minhas senhoras e meus senhores,

Com a redução drástica de lotes para construção da casa própria e a inevitável opção pelo desenvolvimento na vertical das construções daí adveniente, resulta evidente a necessidade de associação entre detentores de lotes para a promoção de cooperativas de produção de fogos para si e para venda; entre concidadãos com recursos financeiros para accionar cooperativas para aquisição originária ou para compra de blocos de apartamentos ou condomínios. Ao contrário do que se possa pensar, há vários nichos abertos ao movimento cooperativo. Precisam-se novos magos e novos líderes. Serão também bem-vindos a experiência e o savoir-faire das lideranças de então, para, em um pacto/parceria intergeracional, voltarem a pôr na estrada o movimento cooperativo.

E nesse regresso em força do movimento cooperativo, há um parceiro que pode assumir o papel de chefe de fila do movimento. Falo da Federação Nacional das Cooperativas - FENACOOP, uma instituição tão jovem e tão velha como a nossa República e depositária de toda a experiência de negócios cooperativos. Ademais, e não obstante sabermos ser esta uma ideia não consensual, algumas reflexões apontam no sentido de que a sociedade cabo-verdiana será, por razões históricas e culturais, um «terreno fértil» à prática do cooperativismo, considerando as diversas formas de ajuda mútua que aqui foram sendo desenvolvidas – djuda, djunta-mo, botu, etc.

Sabemos que os tempos são outros e que serão necessárias contínuas adequações do espírito que fundamenta o cooperativismo à realidade e necessidades actuais, mas das visitas que fiz à Ilha Brava, ao Fogo, a São Vicente, a Santo Antão e a vários municípios da Ilha de Santiago, não raras vezes vi-me confrontado com situações que, parece-me, com recurso ao movimento cooperativo, enquanto vertente da economia solidária, encontrariam saídas airosas, dignas e vantajosas. Para todos os envolvidos. Mesmo a pressão sobre o mercado de trabalho poderia ganhar algum afrouxamento.

Estamos, portanto, diante de uma boa oportunidade para resolver uma mão-cheia de situações, de aproveitar da melhor forma algumas vantagens competitivas, transformando-as em posições de competitividade e de estimular valores sociais democráticos, inerentes ao conceito de cooperativismo. Os jovens – e menos jovens – que, desta feita, abraçarem o movimento, têm a oportunidade ímpar de integrarem o campo da solução dos problemas do país. E ter o tino e o talento de saber escolher entre ser parte dos problemas e ser parte das soluções faz toda a diferença.

Caros amigos,

Aproveitemos este Ano Internacional das Cooperativas para uma profunda reflexão sobre tema tão candente e importante para a nossa gente e para o nosso país.

Desejo à FENACOOP, a seus promotores e às suas lideranças, os maiores sucessos nesta retoma do movimento cooperativo.

Muito obrigado.

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