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Eminências,
Excelências,
Minhas Senhoras e meus senhores,
Um dos elementos de que o homem lança mão para se emancipar das contingências da natureza é a sua capacidade de abstracção, de transcender a si próprio e à própria natureza, criando uma nova dimensão da vida, através da edificação da Cultura ou assumindo-se, enquanto religioso, como instrumento de uma Entidade Criadora que, em última análise, comandaria os destinos do mundo, os destinos dos homens o devir da natureza.
A Religião e a Cultura, que se influenciam mutuamente, serão, pois, talvez, a expressão mais acabada da desmaterialização do Homem, os pilares da sua própria humanidade. É através delas que a capacidade humana de simbolização atinge dimensões inimagináveis e caminha, ainda que nem sempre de forma linear, em direcção à universalização.
É facto que a Cultura também assume o particular que o Universal contém, conferindo-lhe a riqueza de originalidades que lhe permitem ser, a um tempo, geral e específica.
Porém, é igualmente verdade que, com alguma frequência, o exacerbar de determinadas especificidades, a sua absolutização, conduz à negação do Universal.
Por vezes, também, interpretações religiosas particularistas ou mesmo deturpadas, conduzem a situações tais, que práticas que negam os princípios religiosos são assumidas em nome da Religião. Esta é negada, vilipendiada, destruída. A comunhão do homem com o divino fica irremediavelmente comprometida, em nome dessa mesma comunhão.
Esses movimentos centrífugos, nos domínios religioso e cultural, sempre acompanharam o homem, sendo muitas vezes a roupagem de que são vestidas tensões de outra natureza ou constituem pura manipulação.
É verdade que a evolução recente das relações internacionais se tem feito acompanhar pela relativização, senão mesmo pela abolição da diferença cultural, linguística e identitária, entre as nações e os povos. Com elas cresce, igualmente, o perigo da imposição, pela força, de critérios, valores e medidas de toda a ordem, num ambiente de fermentação de uma cultura de violência, de intolerância e de uniformização do ideário civilizacional, o que constituiria, certamente, a perda de uma das maiores riquezas da humanidade, inseparável do respeito pela dignidade da pessoa humana, fundamento de toda a comunidade de justiça e de paz: a sua pluralidade linguística, cultural e socio-histórica
Porém, exacerbação de particularismos religiosos e ou culturais traduz uma perigosa reacção a essa realidade.
Com alguma frequência tais especificidades são utilizadas na defesa de interesses obscuros atentatórios aos princípios religiosos e ou culturais.
A pretexto da preservação e defesa desses aspectos, interesses económicos políticos são defendidos sob tais bandeiras, por vezes com uma brutalidade chocante.
Grande parte dos conflitos actuais encontram nas diferenças religiosas ou culturais um dos seus elementos chave.
Para esta realidade, convém realçar, que também contribui a incapacidade de diversos estados de acomodar no seu seio minorias étnicas e culturais, o que por vezes favorece o entrelaçar de interesses políticos, económicos, étnico e regionais.
Não constitui novidade para ninguém que em razão de factores diversos em várias partes do mundo verifica-se algum descrédito na classe politica, entretanto fundamental no regime democrático.
Mas as pessoas necessitam de espaços, de instâncias para onde canalizar as tensões, equacionar os conflitos, aspirar à PAZ.
E é muito bom que surjam espaços, organizações e pessoas que se preocupam com a ausência da Paz, esse elemento fundamental para a felicidade dos povos e para o desenvolvimento das Nações. THE COURAGE OF HOPE, e suas iniciativas, podem fazer a diferença.
Na verdade, as tensões, os conflitos, as dissensões, os choques de interesse fazem parte do dia-a-dia das pessoas e dos Estados. Aliás, estes surgem historicamente como instância que tem por função o equacionamento dos conflitos para que as condições mínimas de convivência social sejam preservadas.
O estado assim, dispõe dos meios de educação, persuasão, negociação, julgamento e repressão, necessários à preservação da ordem e ao bom funcionamento da sociedade.
Mas quando, em decorrência da complexidade dos processos ou da fragilidade do Estado e outros órgãos vocacionados para dirimir conflitos (que são inerentes á própria vida), não conseguem assumir tal função é inevitável que se lance mão de outras estruturas, de outros instrumentos que permitam o equacionamento de tais conflitos para não degenerarem em confrontação violenta ou para que estes tenham a menor duração possível.
Em tais situações as organizações religiosas são chamadas a desempenhar papel de relevo, nomeadamente, quando os cidadãos se sentem desprotegidos ou mesmo perseguidos pelo próprio Estado.
Em situações diversas essas organizações surgem como último refúgio, como amparo seguro de gente que, em razão de conflitos de diversa ordem, sente a dignidade ultrajada, os seus direitos amesquinhados ou mesmo a sua vida em perigo.
Esta condição de porto seguro resulta exactamente da universalidade que é apanágio de praticamente todas as religiões. Não obstante diferenças, por vezes significativas, praticamente todas as religiões vêm nas pessoas o resultado de uma vontade divina que as iguala e as redime das faltas e falhas.
Ainda que diferenças significativas existam na abordagem dos textos considerados divinos ou na organização do culto em honra ao Ser Supremo, praticamente todas as religiões defendem a dignidade das pessoas e a adopção de condutas adequadas como condição para se aproximar e estar com o Criador.
É facto que determinados aspectos, alguns decorrentes das diferentes culturas, outros resultantes de circunstancialismos históricos, inscrevem diferenças importantes por vezes aparentemente insolúveis.
Mas partindo do princípio de que a vida humana é um valor transcendente e que tudo deve ser feito para a preservar, é possível construir uma base sobre a qual problemas que ameaçam os homens e fazem perigar a vida individual ou social possa ser construída.
Não se trata de um exercício que tem em vista demonstrar a supremacia de uma verdade sobre outra mas contribuir para que a violência, a intolerância, a injustiça, sejam debeladas, a vida humana preservada e protegida.
As organizações religiosas têm assim um papel de primeiro plano a desenvolver, constituindo-se em larga medida numa autêntica reserva moral num mundo em que as referências têm sofrido forte erosão.
Apenas o diálogo pode conduzir a uma aproximação entre diferentes. Aliás, o diferente existe porque a diversidade é a essência da vida que acaba sendo a síntese perfeita da diferença ou mesmo da contradição.
O diálogo intercultural pode ser (tem sido) um factor decisivo na promoção ou obtenção da Paz. A relação, a permuta de valores culturais diferentes é algo que ocorre de forma espontânea, sempre que culturas diferentes se encontrem, mesmo em cenários de confronto ou dominação.
Esse potencial, quando aproveitado de forma consciente, aberta, determinada, é altamente enriquecedor e proporciona uma perspectiva muito positiva da diversidade cultural, riqueza maior da humanidade.
Efectivamente, já em 1968 o poeta e presidente Senghor, numa conferência realizada em Frankfurt, Alemanha, dizia que “graças aos progressos da cultura, da ciência e da tecnologia, nós nos tornamos, no decurso do século XX, abertos uns para com os outros, apertados uns contra os outros, de corpo e alma. A única lição desta interdependência interplanetária é a de que temos de nos acomodar à escala universal: para e na paz”.
Num quadro cultural feito de permuta de valores e comunhão entre povos diversos, de procura permanente de relações, o diálogo de civilizações pode ser, efectivamente, o motor da paz.
O respeito pela diferença é uma atitude que deve ser promovida de forma perseverante. As diferentes línguas, os diferentes costumes, as diferentes formas de lidar com o divino devem ser entendidos como elementos estruturantes do grandioso mosaico que é a humanidade.
[As possibilidades que o diálogo entre culturas e religiões podem proporcionar num mundo em ebulição constante e que muitas vezes se serve desses elementos para alimentar a violência, ainda que nem sempre o diálogo seja fácil, são incomensuráveis.
A busca permanente dessa permuta é hoje quase um imperativo de sobrevivência.]
Venho de um país que no fundo é o resultado de um encontro de culturas, diversas, recriadas num ambiente próprio. Mais do que um seu resultado somos o próprio diálogo em termos culturais e até genéticos, pois estudos recentes revelaram que somos dos povos com maior miscigenação genética do mundo.
A comunidade de Santo Egídio tem sido portadora destes valores a partir de suas actividades e projectos realizados em países dos quatro continentes, sendo o nosso país um deles. Aliás, os prémios recebidos pela Comunidade são a mostra perfeita deste seu empenho e determinação pela paz. Acreditamos, pois, que trabalhos como os realizados por esta organização sempre poderão influenciar positivamente os Estados e os próprios cidadãos e contribuir para que, gradualmente, transformemos a paz, a democracia e a cidadania em costume, única forma para que elas adquiram o estatuto de irreversibilidade.
Estamos em condições de avaliar a importância particular de que se reveste a intervenção já proverbial da Comunidade Santo Egídio, uma grande referência no mundo, e que tem proporcionado o diálogo entre protagonistas de confrontos aparentemente insolúveis.
Ao promover este importante evento a Comunidade Santo Egídio dá mais um importantíssimo passo no campo do diálogo, na senda da Paz. Sinto-me particularmente honrado em participar de tão importante fórum e desejo do fundo do coração que os participantes se inspirem no exemplo de um grande homem que em condições particularmente difíceis fez do diálogo impossível, um instrumento de valor inestimável. Refiro-me ao venerável Nelson Mandela
Muito obrigado.
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