segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, Dr. Jorge Carlos de Almeida Fonseca, Por ocasião do 35º Aniversário da UNTCCS Praia, 23 de Setembro de 2013



Exmo. Sr. Secretário-geral da UNTC-CS
Exmos. Senhores Representantes Central Única dos Trabalhadores do Brasil e da União Geral dos Trabalhadores de Portugal,
Exmos. Srs. Líderes Sindicais Nacionais
Prezadas Trabalhadoras
Caros Trabalhadores
Meus Amigos




As comemorações do trigésimo quinto aniversário da UNTC-CS ocorrem num contexto particularmente complexo para a economia do país, com inevitáveis reflexos na vida dos trabalhadores e na dinâmica do movimento sindical.




Assim, faz todo o sentido a orientação geral desta Central Sindical de assinalar a importante data com uma jornada de reflexão que deverá permitir uma compreensão mais global da situação das economias internacional e cabo-verdiana e identificar o quadro adequado de intervenção do movimento sindical.

Na qualidade de Presidente da República é com muito prazer que me associo a estas comemorações e aproveito para agradecer ao Sr. Secretário Geral da UNTC-CS pelo convite que me formulou e que, creio, vem na sequência dos contactos que temos mantido, a par de outras entidades sindicais, com alguma regularidade. 

Prezadas trabalhadoras, Caros trabalhadores

A estruturação do movimento sindical pouco tempo depois da independência, a sua consolidação e posterior democratização são, sem dúvida, um dos ganhos relevantes da independência nacional e da democratização da sociedade cabo-verdiana.

Progressivamente o movimento sindical, do qual a UNTC-CS é um dos esteios mais importantes, vem permitindo ao trabalhador cabo-verdiano a assumpção plena da sua consciência enquanto ser social e elemento fundamental ao desenvolvimento do país, não apenas em razão da sua capacidade de gerar riqueza, mas também pelo facto de ter condições de contribuir de forma autónoma para enfrentar os mais diversos e complexos problemas da nossa sociedade.

Isto é, se as preocupações dos trabalhadores não se resumem às questões do mundo laboral, a centralidade que o trabalho assume em nossas vidas faz com que as preocupações que dele emanam extrapolem essa mesma esfera e abranjam quase todos os aspectos da vida social.

Minhas senhoras e meus senhores,

É com base neste reconhecimento, ainda que com questionamentos próprios à dinâmica do mundo contemporâneo e às especificidades da nossa sociedade, que hoje através das suas organizações sindicais os trabalhadores cabo-verdianos encontram-se representados no Conselho de Concertação Social, podendo, com o Governo e os representantes do patronato, discutir importantes questões para vida dos trabalhadores, das empresas e da sociedade, sem olvidar a circunstância de ser obrigatória a audição das entidades sindicais representativas na edição de legislação atinente aos seus interesses.

Para além desse reconhecimento ao nível formal e institucional, o movimento sindical tem estado presente na organização e liderança de acções e movimentos reivindicativos, na denúncia de omissões das autoridades encarregadas de zelar pelo cumprimento das leis laborais ou do incumprimento de obrigações por parte das entidades patronais.

Pelo que temos acompanhado, a formação dos trabalhadores, incluindo o intercâmbio com organizações de outros países,   de modo a capacitá-los para melhor compreenderemos seus direitos e deveres e a poderem enfrentar, com êxito, os desafios que se lhes colocam  tem constituído preocupação permanente das organizações sindicais.

De um modo geral a UNTC-CS tem procurado socorrer-se da Organização Internacional do Trabalho com vista a contar com o seu apoio nas acções de capacitação, na realização de estudos e em disputas em que considera que os direitos dos trabalhadores não são respeitados.    
  
Quando as vias institucionais não se mostram capazes de responder a determinadas demandas, o recurso à greve, a manifestações de rua e outras formas de pressão, legalmente reconhecidas, têm sido também utilizadas.

Nas sociedades democráticas como a nossa as pressões legítimas são essenciais, pois permitem ao decisor politico conhecer o verdadeiro sentimento das pessoas, seus anseios genuínos, elementos que os canais formais muitas vezes não conseguem detectar ou transmitir.  

Prezados amigos,

Mas ainda que seja possível observar essa trajectória qua avaliamos como muito positiva pode-se concluir que o movimento sindical não enfrenta problemas difíceis, relevantes ou de monta?
Para nós, a resposta é negativa. Acreditamos que um dos problemas principais que o movimento enfrenta se prende-se com resquícios culturais, ainda fortes, que levam a considerar o trabalhador como  simples peça de uma engrenagem que apenas deve executar tarefas de forma obediente e acrítica.

Neste quadro não é reconhecida a sua capacidade de pensar, de reflectir e de apontar caminhos que favoreçam a produtividade, a segurança a coerência da actividade produtiva e o seu próprio bem-estar, bem como de propor actividades e modelos que preservem o meio ambiente. Esta postura naturalmente, constitui um grande entrave à criatividade e capacidade do trabalhador, com claros prejuízos para a produção.

De algum modo relacionadas com a atitude atrás referida, as reivindicações dos trabalhadores não são vistas, por esses responsáveis, como algo normal a partir do qual negociações podem ser encetadas, o diálogo estabelecido e compromissos realizados, mas como uma afronta, uma falta de respeito, senão, em alguma medida, um caso de polícia.

Em suma, o trabalhador, especialmente o seu representante, não é visto como um parceiro mas como um adversário.
Esta realidade que, felizmente, não se estende a todas as empresas e serviços, tende a dificultar o pleno exercício da actividade sindical.

Uma outra limitação que prejudica os trabalhadores prende-se com as limitações das estruturas que devem zelar pelo cumprimento da legislação laboral.

Minhas senhoras e meus senhores,

Uma situação de grande injustiça e que penaliza de forma brutal os trabalhadores tem a ver com o facto de, em alguns casos, depois de mensalmente terem procedido a descontos para a Previdência Social, verem negada a prestação de serviços a que têm direito, particularmente a assistência médico-medicamentosa, pelo facto de os respectivos descontos não terem sido canalizados para o INPS.

Não duvidamos que esta situação, para a maior parte das empresas envolvidas, se deve a dificuldades que as mesmas enfrentam e temos consciência de que uma solução adequada e mais justa poderá ser potenciada no quadro de uma reforma do sistema  que deverá ter incidência particular nas pequenas e médias empresas, as grandes empregadoras.

Mas naturalmente não consideramos aceitável e justo que sejam os trabalhadores penalizados por uma disfunção que não lhes pode ser imputada., que, assim, se vêm na estranha situação de terem de pagar por um serviço que já teria, pelo menos em parte, sido pago através parcela do seu salário.

Urge pois, encontrar uma solução, ainda que transitória, para esta situação absolutamente inaceitável.
Caro Amigos

Se as limitações referidas condicionam negativamente a vida dos trabalhadores, há que reconhecer avanços importantes no mundo laboral.

Gostaria de sublinhar uma tendência, limitada ainda, mas extremamente positiva, que é o início, em determinados sectores, de processos conducentes à celebração de acordos colectivos de trabalho. Tais acordos, que representam um importante avanço, costumam contemplar aspectos fundamentais para o sector como um todo, definir o enquadramento das diversas categorias profissionais, o que contribui para sua estabilidade.

Não se pode deixar, também, de referir o facto de, em grande parte devido à tenacidade dos trabalhadores, nomeadamente às manifestações unitárias realizadas no ano passado, nos principais centros urbanos, se ter chegado a acordo quanto à instituição de um salário mínimo nacional.

Esta decisão representa sem dúvida um marco importante para o movimento sindical e para a sociedade cabo-verdiana.

Contudo, é provável que empresas de dimensões muito reduzidas mas que no conjunto empregam muita gente, enfrentem alguma dificuldades no cumprimento desse preceito, pelo que seria, como acontece em outras paragens, de ponderar o estabelecimento de algum tipo de compensação, ainda que transitória. Por esta via poder-se-á evitar algum desemprego e informalização das relações de trabalho.

O desbloqueamento de aspectos importantes relativos ao novo PCCS e a participação dos trabalhadores na gestão do INPS foram ganhos significativos que, também, tiveram na sua luta unitária um importante estímulo.


Minhas Senhoras e meus Senhores

A crise internacional que tem abalado as grandes economias mundiais, com destaque para a Europa, tem também tido impacto negativo ao nível dos trabalhadores e suas famílias.

O crescimento económico baixou, o desemprego aumentou, as condições de vida e de trabalho deterioraram-se.

Em várias regiões do mundo a crise e as medidas preconizadas para a sua solução têm penalizado os trabalhadores, pois, para além do desemprego, com todas as suas consequências, verifica-se certa tendência para se restringir de forma irrazoável os direitos dos trabalhadores.

Normalmente é nos períodos de dificuldades económicas que as  conquistas  dos trabalhadores são mais atingidas. De um modo geral, os de mais idade, os que procuram o primeiro emprego, os imigrantes, os que não têm representação sindical ou que são menos organizados, são os mais afectados.

Costuma-se, em tais contextos, utilizar o grande número de desempregados para pressionar baixas salariais e para tentar introduzir alguma divisão entre os trabalhadores.
         
Caros Amigos


Em Cabo Verde os impactos da crise têm-se feito sentir de duas formas. Restringindo o investimento externo, com repercussões directas mais acentuadas na esfera da imobiliária turística e da construção civil,   e, também,  tornando mais evidentes as grandes limitações internas, que afectam a competitividade.

De entre essas limitações ressaltam os constrangimentos nos sectores de água energia e transportes, da qualificação da mão-de-obra, da excessiva burocratização dos procedimentos, das dificuldades de acesso ao crédito, das limitações e inadequação da política fiscal e da justiça, entre outros, que são anteriores e são independentes da crise que, naturalmente, as agudiza.

As consequências da situação actual fazem-se sentir claramente ao nível do desemprego que continua a situar-se em níveis muito elevados especialmente para os mais jovens, na deterioração das condições de vida dos trabalhadores e suas famílias, pois a elevação do custo de vida, em razão da elevação dos preços de produtos e serviços de primeira necessidade, é uma realidade que não se pode ignorar.

Minhas Senhoras e meus Senhores.

Actualmente não são poucas as barreiras que os trabalhadores cabo-verdianos têm pela frente e seria desejável que as enfrentassem numa perspectiva unitária e tendo em conta os interesse do país como um todo. O desemprego e a ameaça de desemprego serão provavelmente os maiores desafios, mas também aspectos ligados à aposentação e às relações e condições de trabalho são merecedores de muita atenção.
Na qualidade de Presidente da República, tenho, como não podia deixar de ser, acompanhado, a par e passo, a evolução da economia cabo-verdiana que enfrenta as dificuldades antes referidas.

Regularmente, discuto com o Governo, empresários e suas organizações representativas, com trabalhadores e seus sindicatos, com cidadãos anónimos espalhados pelos quatro cantos do país e pela emigração e com especialistas dos mais diversos quadrantes.

Poder-se-á afirmar que existe um certo consenso quanto à necessidade de reformas relativamente urgentes que deveriam permitir amortecer os efeitos da crise e corrigir distorções que dela não dependem.

Por vezes as reformas exigem sacrifícios. Mas se for o caso não seria razoável que fossem os mais fracos a pagar a factura maior. Neste contexto é fundamental não perder de vista que o trabalhador cabo-verdiano, quando desempregado, não possui qualquer amparo. Qualquer ajustamento que não leve essa realidade em conta poderá fazer frustrar  as metas preconizadas.
Neste sentido, poder-se-ia dizer que a questão não é apenas procurar acompanhar as mudanças e saber o que nos espera no futuro, mas, sobretudo, enquanto sociedade e enquanto Nação, deveremos pensar o que queremos do futuro, o que o futuro deverá esperar de nós.


Minhas Senhoras e meus Senhores

Enalteço mais uma vez a lúcida decisão de comemorar com uma profunda e alargada reflexão, reitero a minha convicção de que, no final desta jornada, que se propõe apropriar-se  de experiências de outras paragens, adaptando-as à nossa realidade, a UNTC-CS estará ainda melhor apetrechada e habilitada para defender os interesses dos seus associados e contribuir responsavelmente para a solução dos problemas do nosso país.
Agradeço mais uma vez a honra de poder ter estado convosco na celebração do 35º aniversário da UNTC-CS, a quem desejo os maiores sucessos na defesa dos trabalhadores cabo-verdianos.

Um feliz aniversário

Muito obrigado


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