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Senhor Presidente do STJ
Senhor Ministro da Justiça
Senhora Presidente do Conselho Superior de
Magistratura
Senhoras e Senhores Ministros
Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados de
Cabo Verde
Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados de
São Tomé e Príncipe
Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados de
Portugal
Senhor Ex. Presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil
Senhor Representante da Ordem dos Advogados
de Angola
Senhores Embaixadores e Representantes de
Organizações internacionais,
Senhoras e Senhores Advogados,
Senhoras e Senhores Magistrados
Senhores Conferencistas
Senhoras e Senhores Advogados
Caros amigos
É para mim uma honra estar aqui entre vós
para presidir a Cerimónia de Abertura desta conferência, subordinada ao tema
“Advogados, Liberdade e Democracia”. Agradeço, pois, o amável convite que me
foi dirigido pela Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados de Cabo Verde,
augurando que este seja um espaço de debate de ideias e trocas de experiência,
de onde sairão, certamente, conclusões que ajudarão a fortalecer a actuação dos
profissionais da Justiça de cada um dos Estados aqui representados.
Aos que saíram dos seus países
e deixaram os seus afazeres para connosco debater tão importantes temas,
formulo votos de uma agradável estada entre nós.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
A Constituição da República de
Cabo Verde, cujos 20 anos foram celebrados entre nós durante o ano passado, deu
letra e vida aos valores nos quais o Povo cabo-verdiano se quer ver
reconhecido. Valores esses que se encontram declarados desde logo no preâmbulo
da lei constitucional e que partem da «concepção da dignidade da pessoa
humana como valor absoluto e sobrepondo-se ao próprio Estado», mas que
atravessam todo o ”território” constitucional.
Em tal decorrência, a
Constituição consagra um conjunto de direitos, liberdades e garantias
individuais que se apresentam como núcleo essencial de protecção da dignidade
da pessoa humana. E desse núcleo essencial, cabe-nos aqui, neste âmbito,
realçar o acesso à Justiça.
É, pois, em matéria de acesso
à Justiça que a figura do Advogado ganha clara dignidade constitucional e mais
se destaca. Efectivamente, se a todos é garantido o direito de acesso à justiça
e de obter, em tempo razoável, a tutela dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, este direito materializa-se, também, na garantia do
direito à defesa e no acesso à informação jurídica mas, sobretudo, no direito
ao patrocínio judiciário e no direito, que cabe a todos e a qualquer um, de se
fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
O advogado assume,
constitucionalmente, um papel central na realização da justiça. É um
colaborador indispensável da administração da Justiça, com a função primordial
de representar e defender os interesses do seu constituinte, mas também de
zelar pela legalidade do processo e dos procedimentos.
Assim, o exercício da
advocacia é, em si mesmo, mais do que o exercício de uma profissão, uma
garantia de efectivação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Garantir a todos e a cada um que, sempre que seja confrontado com questões de
justiça, pode recorrer a uma figura autónoma, que não representa o Estado nem o
poder punitivo deste, a quem confia a sua defesa e com quem acaba, na grande
maioria das vezes, por partilhar a sua história de Vida.
Provavelmente o advogado será
um dos elementos mais sensíveis às insuficiências legais, uma vez que,
aparentemente, ele apresenta uma situação que poderíamos chamar de alguma
fragilidade, comparativamente a outros agentes do sistema judicial, já que
todos os outros componentes do sistema fazem parte do aparelho de Estado, o que
lhes pode conferir alguma vantagem.
Mas, eventualmente, nessa
“fragilidade” reside a força do Advogado, ou pelo menos uma especificidade
importante. Ao ter de, abnegadamente, trabalhar em prol da defesa dos
interesses do seu constituinte, no quadro do ordenamento jurídico existente,
muitas vezes o Advogado, que, por ser profissional liberal, não tem uma máquina
institucional de suporte, tem de se posicionar contra os interesses do próprio
Estado e de lidar com insuficiências legais que condicionam a realização da
Justiça.
Excelências,
Nos tempos actuais, a
conjugação Advogado, Liberdade e Democracia é tão essencial quanto complexa na
sua concretização.
Também ela deve ser um dos
pilares da própria Democracia, um dos ingredientes fundamentais da Liberdade. A
Democracia tem na Justiça um dos seus elementos básicos, talvez dos mais
marcantes. É através da Justiça que o princípio da igualdade entre as pessoas e
da supremacia do cidadão em relação a todo o resto se materializa, pelo menos
ao nível dos princípios e dos pressupostos.
De facto, a Justiça é um dos
elementos através dos quais quase todos os aspectos da vida dos cidadãos e das
comunidades são regulados. Ela baliza quase todos os tipos de relações entre as
pessoas- às vezes penetrando no seu íntimo- entre elas e as diferentes
instituições e entre instâncias de diversa natureza.
As actividades pessoais,
económicas, sociais, religiosas politicas, eleitorais, praticamente tudo o que
se relaciona com as pessoas, antes do nascimento e até depois da morte é
regulado pela Justiça.
É por isso que ela é
considerada um dos pilares do regime democrático. Por seu intermédio pode-se
aferir do grau e tipo de organização em que se alicerça a sociedade nos seus
aspectos fundamentais.
A apreciação da Justiça
permite aferir o grau de democraticidade de uma sociedade, saber em que medida
ela está estruturada de acordo com princípios democráticos e até que ponto
estes são exercidos no dia-a-dia.
De entre esses aspectos
destacam-se, sem dúvidas, as questões relacionadas com a Liberdade, que hoje é
quase sinónimo de Democracia. De certa forma pode-se afirmar que a Justiça é um
dos instrumentos que asseguram o exercício da Liberdade.
“Todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência,
devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.Postula o artigo
primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O exercício dessa liberdade
depende de um conjunto de factores que podem facilitá-lo ou restringi-lo. Esses
factores são de ordem social, cultural, histórico e reflectem o percurso das
diferentes comunidades.
Ao regular praticamente todos
os aspectos da vida, a Justiça alarga ou aprofunda as liberdades e a Democracia
ou actua em sentido inverso.
Assim, para além de ser um
indicador do grau de exercício da liberdade, a Justiça é um dos seus
instrumentos mais importantes, pois ela garante o exercício desse valor
fundamental bem como sanciona os atropelos a esse bem essencial.
A Liberdade, nas suas mais
diversas manifestações, é um dos aspectos definidores do homem na sua essência.
Ela é um dos traços identitários da própria humanidade. É ela que a eleva acima
da natureza e de certo modo a leva a transcender-se.
Mas para que os princípios,
filosofia, pressupostos, opções de Justiça e de Liberdade se concretizem,
necessitam do envolvimento de toda a sociedade, mas muito especialmente de
estruturas que têm por objectivo específico assegurar a mediação entre essas
ideias, muito importantes, mas necessariamente abstractas e as pessoas, as
situações concretas.
Essas ideias só se transformam
em acções concretas quando chegam aos cidadãos de carne e osso, que as seguem
escrupulosamente, as utilizam no dia-a-dia, as infringem ou são vítimas de quem
as atropela.
Por isso o Estado organiza
todo um sector que tem por objectivo proceder à administração da Justiça, assegurar
que os seus diferentes dispositivos sejam, de facto, utilizados de forma
adequada, que os princípios enformadores sejam traduzidos na prática, que a
Justiça cumpra a sua importante função social e que a liberdade seja exercida
nos termos legalmente estabelecidos.
Como se pode verificar, essa
mediação é de importância crucial, pois, no limite, é ela que assegura o
processo dinâmico de adequação da teoria à prática. Ela pode assim, potenciar,
limitar ou mesmo distorcer aspectos decisivos desse processo.
Senhor Ministro,
Senhoras e senhores Bastonários
Senhor Ex. Presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil
Senhor Representante da Ordem
dos Advogados de Angola
O aguçado sentido de Justiça
dos cabo-verdianos e uma confiança muito grande em eminentes Advogados do país
que, no período colonial, eram vistos como verdadeiros representantes da
Justiça justa, e por isso muito prestigiados, valeu-lhes, em algumas ilhas, o
epíteto de “ Dr. de Lei”.
Igualmente, nos períodos da
nossa história em que a actividade política foi confiscada e a Liberdade muito
condicionada, Advogados houve que não se deixaram inibir e, fugindo dos limites
atrofiadores impostos, encarnaram a defesa das liberdades.
Com a instauração da
democracia, os muros do medo e da subserviência foram caindo e diferentes
conflitos antes contidos, viram, naturalmente, a luz do dia, levando apressados
“ analistas” a atribuí-los à Democracia.
O sistema de administração da
justiça tornou-se complexo, sem que, contudo, limitações anteriores tivessem
sido ultrapassadas cabalmente o que também tem condicionado a sua capacidade de
lidar com alterações muito significativas da realidade cabo-verdiana.
Assim, ao mesmo tempo que o
sistema tem de fazer face às referidas limitações, ele é obrigado a lidar com
uma realidade completamente nova, decorrente dos impactos comportamentais que o
acelerado processo de globalização tem na sociedade cabo-verdiana e com
fenómenos relativamente novos nas esferas, económica, financeira, social,
politica, criminal.
A Advocacia cabo-verdiana
sofreu alterações de monta, convindo destacar dois aspectos. A sua organização
em Ordem profissional e o apreciável aumento de profissionais, na linha do
crescimento numérico de outros profissionais da Justiça. Como em outras áreas,
assistiu-se no sector da Justiça, Advogados incluídos, a um apreciável aumento
de quadros o que nem sempre terá sido acompanhado de um adequado aprimoramento
técnico.
É evidente que nas condições
históricas actuais o papel do Advogado, enquanto pedra basilar do sistema de
Justiça, de defensor da Liberdade, esteio da Democracia, assume dimensão quase
incomensurável.
Curiosa e sintomaticamente,
entre os Agentes da Justiça, os cabo-verdianos têm reservado aos advogados uma
posição de destaque. Foi assim que no Estudo sobre o Estado da Justiça, cujos
trabalhos tive o privilégio de dirigir, em 2000-2001, entre os Agentes da
Justiça, os Advogados surgiam na primeira posição em termos de percentagem de
indicações positivas, seja ao olhar dos juristas, seja ao de personalidades não
juristas.
Volvidos mais de dez anos, um
estudo muito recente levado a cabo por instituição de investigação portuguesa –
CIGEST – ao investigar o grau de confianças nas instituições, coloca em posição
relevante os advogados (62 porcento dos cabo-verdianos confiam nos advogados),
à frente ligeiramente dos juízes e bem à frente da polícia, de líderes
políticos e sindicais.
Prezados Amigos
Numa altura em que o papel do
Advogado, enquanto servidor da Justiça e do Direito é, não raras vezes, posto
em causa, confundindo-se a pessoa do advogado com as funções que desempenha e,
por vezes, com a própria causa, é importante lembrar que o advogado (o defensor) constitui peça
central no nosso sistema de garantias criminais, balizado pelo princípio de
presunção de inocência do arguido até o trânsito de decisão judicial de
condenação.
O nosso processo penal, o
nosso sistema processual penal é um sistema fundado em tal princípio, não sendo
por acaso que a nossa Lei Fundamental coloca o princípio como o primeiro entre
as garantias de defesa, do qual parece decorrer as demais. Não pode, pois, o
processo penal de um estado de direito democrático sustentar-se sem a
preservação do núcleo essencial e irredutível da presunção de inocência;
Este princípio da presunção de
inocência vincula todos os sujeitos processuais, incluindo o MP e demais órgãos
de investigação criminal, que, na investigação, devem obrigatoriamente carrear
para o processo dados que apontem para a condenação como aqueles que sustentam
a inocência. Cabe, porém, ao defensor, pela sua especial posição
processual, ser o garante de uma permanente vigilância do
cumprimento deste dever
Ideias que devem ser
integradas numa pedagogia de extensão e alargamento, a toda a sociedade,
de uma «cultura constitucional», de aprofundamento de uma «vontade de
constituição», mas que, reconhecidamente, entre nós e não só, constituem o
segmento do ideário do estado de direito mais difícil de «contaminação» na
opinião pública.
Basta ver como é fácil e
recorrente a tentação para cercear garantias e direitos, para se fazer apelo a
«excessos de garantias» ou à fuga para o direito penal, perante quaisquer
dificuldades mais visíveis de um ponto de vista social. Basta ver como já
também entre nós vale a subversão do corolário «trial by court e não trial by
newspaper», ligado à exigência de
um due process of law, um
processo adequado no sentido daquele que assegure a igualdade essencial de
armas, o contraditório e a ampla defesa, e que pretende evitar que se chegue,
como é cada vez mais frequente hoje em dia chegar-se, a um sistema de «justiça
penal sem julgamento».
Como tenho dito e defendido
nas mais variadas instâncias um
direito penal ad hoc ou de excepção, no âmbito da
criminalidade organizada, da corrupção ou do tráfico de estupefacientes apenas,
que faça preterição do respeito dos direitos, liberdades e garantias
individuais, constituídos como limite do exercício do poder estatal; um sistema
de direito penal que assuma a primazia da razão de Estado sobre
a razão jurídica como
critério informador do Direito e do processo penal, é não só inaceitável,
porque abala o princípio irrenunciável da dignidade da pessoa humana, sem a
qual não se pode falar sequer de Estado de Direito, e faz perder a legitimidade
do Estado democrático enquanto garante de «um projecto de convivência fundado
nos direitos humanos», como acaba por se mostrar ineficaz a prazo.
É inaceitável ainda que um
tal direito penal de inimigos (Feindstrafrecht) -
hoje, também e sobretudo um processo penal de inimigos -para usarmos esta
expressão polémica, mas plástica e substancialmente ancorada numa perspectiva
de confronto valorativo (direito penal de cidadãos/direito penal de inimigos;
Estado de liberdades/estado totalitário) - , marginal, excepcional, de
emergência, fique acantonado na sua «apresentação externa». Convicção que
assumimos mesmo do raso (e inaceitável) ponto de vista da acalmia dos
receios e insegurança das populações ou certos segmentos seus mais rápida e
facilmente atraídos por políticas criminais de cariz populista.
Não me canso de citar o que
fiz, pela primeira vez, num estudo nos anos ’80, a máxima de Frederico Stella
(in: “La tutela penale della societá”): “…
la democrazia si defende com la democrazia, senza renegare se stessa”.
Excelências,
Senhor Presidente do STJ,
Senhoras e Senhores Advogados,
Senhores Bastonários,
Num contexto em que cada vez
são mais ténues as fronteiras entre interesses económico e
político-partidários, entre o nacional e o internacional, o privado e o
público, o lícito e o ilícito e em que, por isso, as pressões, legítimas umas e
ilegítimas ou mesmo criminosas outras, sobre os agentes do sistema de Justiça
são muito intensas, a figura do Advogado adquire apreciável relevância que o
obriga a reforçar cada vez mais a sua competência profissional, mas também o
seu compromisso ético, para que o exercício pleno das liberdades democráticas
seja cada vez mais uma realidade.
Na plena convicção de que esta
conferência será um espaço de debate e aprofundamento sobre o papel do Advogado
e o exercício da advocacia e que permitirá entre nós analisar com objectividade
o papel da nossa comunicação social e a sua interferência, ou não, na
realização da Justiça, desejando a todos um bom trabalho, declaro aberta a
conferência internacional «Democracia, Advogados e Liberdade».
Declaro aberta a
Conferência Internacional “Advogados, Liberdade e Democracia”
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