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O
desaparecimento físico de Adriano Gonçalves representa, sem dúvida, uma perda
importante para a família e para os
amigos. A esposa, os filhos e demais familiares bem como as outras pessoas que
com ele conviviam, não mais poderão contar com as suas palavras, os seus
gestos, o seu afecto.
Da
relação de que se alimenta no dia-a-dia
das pessoas, especialmente das que têm uma proximidade maior, Bana já não
poderá participar. Os que lhe são próximos não poderão mais contar com a sua
presença física, com a sua convivência.
A saudade, este estranho e poderoso sentimento, que foi tão bem cantado por Bana, ao mesmo tempo que suaviza a dor,
alimentará o sofrimento que a morte sempre carrega.
Sim.
Para os próximos, a perda é irreversível.
Mas
para Cabo Verde, para a Cultura da qual ele foi um dos seus expoentes máximos,
poder-se-á falar em perda? Entendo que não. Mesmo que por hipótese todo o
registo de imagem e som do longo, rico e
diversificado percurso de Bana
desaparecesse, ainda que, por absurdo, fossem apagados da memória dos
cabo-verdianos, a figura, a arte, a emoção que ao longo de muitas décadas esse Homem carregou,
encarnou, recriou, a perda não se consumaria.
Porque
existiu arte, existiu, em essência, surpreendida
emotividade, existiu visível criatividade,
não apenas porque Bana as assumiu por
inteiro e de forma muito especial, não apenas por que ele as elevou a patamares
nunca antes tocados, não apenas porque, como disse Morgadinho, ele se
transformou num Monstro Sagrado, mas
porque havia gente que o ouvia, havia gente que se sentia mais gente
depois de o apreciar, ficando por vezes mais tristes e outras mais alegres.
Pessoas que, em certos momentos, poderiam sentir-se mais preocupadas ou mesmo
revoltadas. Às vezes desesperadas, mas que também experimentavam o romantismo,
o sabor de uma doce ilusão, a esperança a bordejar, latente, no oceano largo e
azul de nossos sonhos.
Isto
é, ao longo de décadas, esse homem fez milhares de pessoas sentirem-se gente,
gente muito especial de um lugar muito especial. Gente de Cabo Verde.
Costumo
dizer que a nossa gente, especialmente os jovens devem levantar a nossa terra e
elevá-la aos céus, roçar o infinito. Esse homem conseguiu isso. Esse homem enorme
não apenas entranhou e deleitou a nossa alma ao logo de décadas, ele participou
da sua edificação.
É
por isso que para Cultura não se pode falar em perda. A alma do cabo-verdiano
que também foi moldada pela sua arte, não fenece, não desaparece, não morre. Por
isso, ele é imortal.
Esse
homem, querendo ou não, é muito mais do que si mesmo. Quase se pode dizer que
ele é um instrumento que a Cultura utilizou para se afirmar, para construir e
percorrer a sua trilha. Despindo-o da circunstância de ser filho de pai de Ribeira
da Barca e de mãe da ilha do Maio, nascido
em S. Vicente e de todas as outras contingências, que simultaneamente
encarnava, a Cultura, ao utilizá-lo na construção da nossa alma, da nossa
cabo-verdianidade, abrindo-lhe caminhos para construi-la e penetrar nos seus
interstícios, desmaterializou-o, absolutizou-o, concedeu-lhe uma natureza que se
aproxima do transcendental.
Terá sido por acaso que Bana teve o percurso que se conhece? Terá sido obra do acaso o facto de ele, estivador que também cantava , ter “corrido” atrás de B.Leza, como se uma força imparável o impelisse em direcção ao mestre ? Terá sido por acaso que da genialidade de ambos, o sublime, pudesse dar pelo nome de “Eclipse” ou “ Lua nha Testemunha”?
Bana
foi criado à imagem e semelhança de uma Cultura que o elegeu como um dos seus
instrumentos privilegiados, que lhe indicou o caminho e lhe traçou o destino. Mas se isso é verdade,
Adriano Gonçalves pagou na mesma moeda. Imprimiu o seu cunho pessoal, o seu
génio, a sua criatividade, a esse processo. Enfim, ele retocou – e como retocou!
- um pedaço da nossa alma.
Essa
alma que se refaz em permanência, sem perder a essência. Essa alma que habita a
ilha do Maio, a Ribeira da Barca, sítios muitos de Lisboa e Rotterdam, e as sedutoras noites de Mindelo que Bana, igualmente, foi encontrar nas sete partidas do mundo por
onde passou essa alma crioula.
O
seu percurso assemelha-se à desmaterialização da Nação cabo-verdiana.
Nasceu e cresceu em Cabo Verde, mas viveu muitos anos fora do país, no seio da
emigração, dessa parcela da Nação que se constrói fora das ilhas.
A
minha presença nesta cerimónia assume
essa realidade. Se não se pode dizer que
me encontro em território cabo-verdiano, no que se refere à Nação não existem
dúvidas de que me encontro no seio dela, de uma sua importante parcela que, como a Nação
inteira chora Bana.
Em
nome do Povo cabo-verdiano, de toda a Nação cabo-verdiana, apresento à Sra Aquilina Nascimento Gonçalves, aos filhos e a todo os familiares as mais sentidas condolências.
Lamento profundamente a morte de Bana e exprimo o profundo reconhecimento por tudo o que fez pela nossa Cultura. O seu legado jamais desaparecerá, pois habita definitivamente o coração de todos os cabo-verdianos.
Estamos de luto. Invade-nos uma grande tristeza que na diáspora e nas ilhas nos une, nos dilacera ao mesmo tempo que nos engrandece e fortalece a cabo-verdianidade. Foi-se um homem que, com o seu canto, a sua voz, a sua arte, o seu talento tocou os céus. Com a sua voz enfeitou e perenizou o Belo que existe na nossa Cultura. Deu-lhe a cor que só os eleitos podem conceder. Sim houve uma perda. Mas a Cultura, a nossa alma, não poderá dar-se por ela.
Repito o que, atravessado pela notícia madrugada adentro,
escrevi em nota nesse início fatídico de sábado, dia 13: «Esse, sim, cujo nome
lembra de imediato o de Cabo Verde, a sua VOZ. Voz ímpar que não se vai. Voz
que faz ecoar «Eternidade», «Nossa Senhora de Fátima», «Lua nha testemunha»,
«Na caminhe de Maderalzim», «Traiçoeira de Dakar», «Lora»... BANA continua,
pois, entre nós, sempre. Sempre GRANDE, um dos GRANDES.
Há um ano, a meu lado, via-lhe e sentia-lhe as lágrimas
fartas de um homem e de uma alma plenos de autenticidade. Ainda cantou uma
morna. E continuou com as lágrimas. Foi-se o nosso BANA?! Não, fica eternamente
connosco.»
Muito
obrigado
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