Caros
amigos e caras amigas,
É
para mim uma grande satisfação partilhar deste espaço onde jovens inquietos, e
porque não dizê-lo (?), idealistas, procuram produzir e reforçar uma base
colectiva de acção.
Agradeço,
por isso, imensamente o convite e quero cumprimentar, afectuosamente, os
promotores desta iniciativa – o Centro Norte Sul do Conselho de Europa, o Conselho
Nacional da Juventude de Portugal, a Federação Cabo-verdiana da Juventude, a
Rede Unida de Jovens Pacificadores, o Fórum de Juventude da CPLP e a Rede de
jovens na diáspora africana (ADYNE), e agradecer o importante apoio das Nações
Unidas e da Direcção da Juventude para a sua realização.
Uma
saudação, também muito especial, dirige a todos os jovens oriundos de países
diferentes, de continentes diferentes: os representantes das 22 Ligas juvenis
cabo-verdianas, os participantes internacionais da CEDEAO e da CPLP, a União
pan-africana da Juventude (UPJ) e da Rede de Organizações Internacionais em
África (NIYOA).
Vocês
congregam-se aqui, em torno de um programa muito ambicioso, para reflectir temas de interesse comum, como a cidadania, a democracia e a
cultura da paz. Já dizia Vinícius de Morais, compositor brasileiro, que
a vida é a arte do encontro e num mundo profundamente interligado, como é o
nosso, a partilha de espaços é, ademais, um imperativo.
Caros
amigos,
A
importância do tema deste Fórum reside precisamente no facto de, para além da
partilha de um mundo que é cada vez mais “uno”, ser primordial, e, cada vez
mais urgente, que se edifique, também, um piso de valores comuns baseado na
importância da liberdade, da democracia e da amizade entre os povos.
Acredito
que vocês jovens que estão aqui, alguns vindos de tão longe, partilham o mesmo
desejo de poder viver num mundo mais livre, mais justo e mais unido, -
humanamente unido -, pois, é verdade que a realidade contemporânea, não
obstante os desenvolvimentos havidos, tem sido caracterizada por uma profunda
divisão e fragmentação sociais que, reiteradamente, fazem emergir
comportamentos antidemocráticos, inclusive, separatistas e xenófobos.
Não obstante
o aprofundamento das relações económicas e financeiras entre os países, não
obstante o crescimento económico mundial, sobretudo antes da actual crise, e o
potencial económico e de desenvolvimento que se apresenta para alguns países, mormente
os africanos, e não obstante, ainda, os meritórios esforços para o
estreitamento/fortalecimento da cooperação Juvenil Africa-Europa que fóruns
como este vêm preconizando, são muitas as incertezas e as dúvidas que pairam
sobre o caminho, sobretudo, para os jovens.
Caros jovens,
A
etapa da vida que vivem neste momento é, talvez, a que melhor caracteriza a
combinação entre a realidade e o sonho, o concreto e a expectativa; não será
por acaso que vocês, os jovens, são vistos como os melhores actores, os
protagonistas por excelência, das lutas sociais, da ideia da construção de um
mundo melhor.
Os
anos 60 terão sido os anos mais emblemáticos desta força da mudança da juventude
que, principalmente a partir da sua Diáspora, foi protagonista de grandes
movimentos e correntes de pensamento, como o pan-africanismo, responsáveis por
mudar o curso da história.
A
partir de movimentos mais ou menos sectorializados – feministas, dos negros, movimentos
da contracultura, das libertações nacionais, de contestação à ordem capitalista
– os jovens denunciaram a realidade da época e alcançaram importantes
conquistas, diríamos, para a humanidade.
Caras
amigas e caros amigos,
Porque
não queremos ficar pelas atitudes saudosistas do tipo “a juventude era na minha
época”, mas porque nos interessa, em essencial, pensar o presente e o futuro, é
interessante notar que, ao contrário do que dizem alguns, os jovens continuam a
manter o espírito de luta e a conservar a utopia de um mundo melhor;
Poderíamos,
como exemplo, nos deter sobre vários géneros de práticas juvenis presentes hoje
pelo mundo. Mas, talvez, das várias manifestações juvenis a favor de novos
patamares de cidadania e democracia, protagonizadas hoje pelos jovens, um deva
ser retido: o hip-hop; em muitas das nossas sociedades, a defesa de relações
sociais mais justas, tem levado os jovens a protagonizarem movimentos urbanos, como
a chamada cultura “hipo-hop”, sobretudo o “rap”, mas, também, a dança urbana, os
Grafitis, as Artes plásticas, entre outras formas de expressão na web, como,
por exemplo, os blogs e os sites com forte componente reivindicativo e
educativo.
Refiro-me a estes tipos de manifestações
juvenis, dentre muitos outros, não só porque ganham visibilidade na nossa época
e em várias das nossas sociedades, mas, sobretudo, porque serão característicos
de um novo modo de organização juvenil, essencialmente descentralizado. Parece-nos,
também, que quando usados a favor de valores positivos, tais manifestações transmitem,
muito claramente, mensagens sobre a discriminação (contra ela), referem-se à
exclusão e à violência nos bairros periféricos das nossas cidades e apontam
para factos de um mundo político e social que não atende às suas expectativas
legítimas.
Um outro aspecto que parece-nos
digno de realce é que esta construção de um “novo mundo” ou de um novo patamar
de cidadania, os jovens de hoje querem-no para hoje. A velocidade e a
efemeridade do nosso universo produzem uma cultura em que os projectos são para
serem iniciados já, agora.
O que podemos
questionar nós de uma geração diferente, com um percurso e uma experiência
diferentes é: até que ponto a população juvenil actual, muitas vezes descrente
dos modelos tradicionais de “fazer política” e de actuar no espaço público, tem
conseguido mobilizar e articular os diferentes sectores sociais para os
objectivos comuns?
Parece-nos
que reivindicar mudanças imediatas requer determinada organização e implica,
sobretudo, ter ideais, pensar em “projectos” a serem concretizados.
Hoje
estará o trabalho da organização muito mais facilitado, certamente, pelos
avanços na comunicação, pela internet, em especial, que faz com que, por um clik, pessoas em diferentes partes do
mundo possam se ligar à luta pelos mesmos ideais.
Creio
que os jovens de hoje podem e devem conseguir pôr todos esses avanços
tecnológicos ao serviço das novas e velhas lutas e dos desafios do tempo
presente: a melhor distribuição da riqueza mundial, a defesa do ambiente, a
promoção de uma democracia participativa, o combate às assimetrias regionais
irrazoáveis, a igualde de oportunidades, enfim, o aprofundamento da cidadania
democrática, cívica, cultural, política. Continua, pois, a ser grande a responsabilidade
que se atribui a vós jovens, nos respectivos países ou da diáspora.
Neste
sentido, é que entendemos que a criação da Universidade Africana de Juventude e
Desenvolvimento é uma grande conquista, sobretudo pela sua vertente de cooperação
juvenil Europa-África.
Prezadas
amigas e prezados amigos,
Temos a
consciência de que os tempos são de alguma dificuldade e de incertezas, mas,
também, serão de desafio e de possibilidades.
As
crises económicas e financeiras, a problemática do desemprego juvenil à escala mundial,
amiúde, fazem emergir comportamentos antidemocráticos e xenófobos e a
importância do intercâmbio e da cooperação juvenis entre países e continentes,
entre culturas, reside, justamente, na habilidade de agregar e representar os
jovens, colocando-os como parte das soluções destes problemas.
Se
olharmos para trás, compreenderemos que muita coisa já foi feita, muito caminho
já foi andado até aqui.
Segundo a Freedom House, em 2011, de um total de 195 países, 117 se
constituíam em regimes democráticos, três vezes mais do que nos anos 70 (quando
o número de democracias era aproximadamente 45).
Se
olharmos para o nosso continente africano perceberemos grandes avanços em
termos democráticos, não obstante sombreada por retrocessos que também têm ocorrido
neste processo em numerosos países do continente.
Mas, como tenho mencionado sempre, a democracia nunca é um processo acabado;
ela é um processo permanente, e quer para as democracias mais frágeis ou mais
consolidadas.
Mas,
diríamos que acima de tudo é necessário perceber que a democratização
dependente da afirmação da sociedade civil e de uma dimensão de poder
pluralista no seu seio, onde permanentemente possam se (re) produzir tendências
democratizadoras da estrutura política.
Para
que as nossas sociedades civis se afirmem; para que cheguemos à existência de
uma opinião pública que funcione também como instância informal de controlo
social do exercício do poder político, é preciso que os cidadãos, não só, mas
também os jovens, se organizem, criem as suas associações cívicas, políticas,
profissionais, se habituem a cultivar a crítica construtiva e a favorecer o
debate de ideias; que se batam pela defesa de um
desenvolvimento económico e social inclusivo e divulguem e promovam os
valores da tolerância, do diálogo, através de regras consensualmente aceites,
do respeito pelas diferenças e pelas minorias.
Por
isso, julgo que torna-se urgente que se comece a encarar a importância do
associativismo juvenil em outros moldes.
Entendo
que uma democracia que se quer moderna terá todo o interesse em que as
organizações juvenis se assentem sobre estruturas autónomas fortes, capazes de
constituir-se em valiosos instrumentos de sugestão de políticas consistentes,
de influenciação de atitudes positivas, e de fiscalização permanente dos
critérios de definição das políticas públicas, especialmente as juvenis.
Somente
organizações juvenis institucionalmente bem capacitadas, com lideranças fortes
e independentes poderão ser fiéis aos compromissos que lhes dão origem, que são
os genuínos interesses da juventude. Apenas plataformas juvenis bem
apetrechadas a nível técnico, material e humano poderão erigir-se em verdadeiros
aliados do desenvolvimento. Aliás, penso, ser a direcção indicada pela Carta
Africana da Juventude.
Minhas
amigas e meus amigos,
Entendemos
que a crise económica pela qual passa praticamente todo o mundo é algo mais do
que uma crise económica, ela revela, ademais, uma crise ética que reflecte a
não assunção de importantes valores universais e consequente debilidade do
espírito cívico.
Nessa
linha, temos assistido a uma grande intensificação das desigualdades regionais
e sociais, a agressões ambientais permanentes, a uma cultura de desresponsabilização
e de corrupção. O consumismo alienante e vorazmente individualista completa
esse quadro que favorece a emergência de condutas anti-sociais e de violência
gratuita.
Fortalecer
os recursos morais que surgem das boas práticas e criar espaços de deliberação
comum, ou seja, reforçar, senão criar, a consciência de cidadania mundial
inclusiva e plural, neste contexto, é fundamental.
Precisamos
ambicionar um crescimento económico com distribuição da riqueza e inventar
novas formas de vida que sejam capazes de fortalecer cultural e espiritualmente
o indivíduo e as sociedades com valores de solidariedade, cooperação, gosto
pelo saber, o trabalho bem feito, o esforço, a justiça… enfim, para que uma
sociedade funcione bem é necessário que a cidadania, porque não (?), mundial,
construa valores positivos e rejeite as condutas consideradas inaceitáveis.
Estes
deverão ser elementos enformadores do empreendedorismo jovem que desponta um
pouco por todo lado e que vai assumindo uma importância cada vez maior.
A
fragilidade da democracia põe-se a manifesto quando circula a corrupção, quando
manda o clientelismo, quando se desviam fundos públicos para benefício privado,
quando o sectarismo dos partidos políticos nos impede de tratar de assuntos
importantes, quando o poder judicial nos surge como arbitrário e quando o
cidadão não recebe informação sobre os assuntos que o afectam directamente no
seu dia-a-dia… enfim, a lista poderia ser interminável.
Por
isso, acredito que, para construirmos um mundo melhor, para
fortalecermos a democracia e estimularmos a cidadania, não é só a economia que
é importante, os valores também são fundamentais e, neste sentido, concordo com
os jovens, as mudanças têm de começar agora.
Criar uma plataforma de valores que aponte para ideais democráticos e
de justiça social e partilhar objectivos constitui um activo quenão deve ser
desperdiçado, mas sim perseguido.
Num
quadro cultural feito de permuta de valores e comunhão entre povos diversos, de
procura permanente de relações, o diálogo ético, inter e intra-civilizações
pode ser, efectivamente, o motor do desenvolvimento e da paz mundial.
Efectivamente,
já em 1968o poeta e presidente Senhor, numa conferência realizada em
Franckfurt, Alemanha, dizia que “graças aos progressos da cultura, da ciência e
da tecnologia, nós nos tornamos, no decurso deste século (XX), abertos uns para
com os outros, apertados uns contra os outros, de corpo e alma. A única lição
desta interdependência planetária é a de que temos de nos acomodar à escala
universal: para e na paz”.
Se
essa é a perspectiva adequada, a realidade nem sempre se apresenta com esse
contorno. O chamado choque de culturas ou de civilizações tem sido apontado,
por alguns, como o grande motor dos conflitos reais ou potenciais actuais.
Os
valores intrínsecos a diferentes culturas seriam tão excludentes que o choque
seria inevitável, pois existiriam determinadas concepções do mundo e de vida impossíveis
de se conciliarem. Por isso,a confrontação seria fatal e a prova dela seriam as
“guerras santas” (e respectivas reacções) efectuadas em defesa de ideais
religiosos e culturais.
Nestas
circunstâncias, valores como patriotismo, defesa de valores culturais ou
religiosos pretensamente ameaçados, bem como a exumação de preconceitos,
reinterpretações convenientes de processos históricos ou religiosos, são
brandidos até à exaustão.
Mas
estes expedientes costumam funcionar porque, de certa forma, existe um ambiente
favorável. Uma certa predisposição para a intolerância e para encarar a solução
de conflitos, que podem ser naturais, como necessariamente violenta.
Meus
Amigos,
Acredito,
muito sinceramente, que os aspectos essenciais da interculturalidade são um elemento
essencial para a promoção de uma Cultura de Paz, que deve ser o antidoto ao
culto da intolerância e da predisposição para a violência.
Da
mesma forma que estas atitudes são, directa ou indirectamente, cultivados no
dia-a-dia, a promoção da cultura da paz, da predisposição para lidar, respeitar
e aprender com o diferente, é talvez tão importante quanto a compreensão exacta
dos contornos e interesses envolvidos nos diferentes conflitos.
A
interculturalidade surge, assim, como uma ferramenta essencial à construção de
um mundo muito melhor e plural e como instrumento insubstituível na edificação
de uma autêntica cultura da paz.
A
juventude que não tem que se guiar por estafados paradigmas que muitas vezes
nos têm conduzido ao impasse, tem, enquanto promotora da cultura da paz, um
importante papel a desempenhar.
Caros
amigos,
Ao sugerir, a partir deste longo trajecto
feito aqui hoje, que vocês jovens, dos diferentes países e continentes, nos
ajudem, no presente, a construir ou reconstruir valores, significa que contamos
com a vossa capacidade organizacional e com a vossa vontade e prática para
melhorar os procedimentos democráticos das nossas sociedades.
A
humanidade dispõe já de um marco bastante, qual seja as Constituições políticas
dos Estados de Direito; mas sabemos que elas necessitam de concretude, de terem
seus valores interiorizados e legitimados pela experiência quotidiana, e, apenas
por uma prática cidadã, protagonizada sobretudo por aqueles que contam com a
irreverência e a força da vontade, poderemos gerar uma democracia, com o perdão
da redundância, mais participativa, mais funda, mais alargada e mais
incondicionada.
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