Excelências,
Senhor Ministro
das Assuntos Parlamentares,
Senhores
Embaixadores,
Senhora
Secretária Executiva da UNESCO,
Senhor Chefe
da Casa Civil,
Senhor
Director Geral da Comunicação Social,
Senhoras e
senhores Jornalistas,
Senhoras e
Senhores Professores,
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Prezados
Amigos,
A
comunicação é o paradigma cultural do nosso século, pois que a nossa
civilização tem vindo a edificar-se sobre as facilidades da comunicação,
utilizando meios que nos levam para muito longe e a uma velocidade cada vez
mais surpreendente.
E o facto de
a comunicação se ter convertido no paradigma da nossa cultura deve-se, pois, à
incrível inovação técnica, mas também a uma série de descobertas teóricas a
nível das ciências humanas e sociais.
Creio que é
certo dizer que hoje comunicamos mais e com muito maior rapidez, dispomos de
mais e melhores equipamentos, existe uma maior apetência para a informação e
dispomos de uma multiplicidade de instrumentos que facilitam o acesso à
informação.
Vivemos
hoje, sem sombra de dúvidas, na sociedade da comunicação, cada vez mais aberta
e veloz, pois que um cidadão hoje, num ponto distante do globo, pode fazer
circular uma notícia pelo mundo inteiro, no minuto seguinte ao acontecimento.
Nessa medida, o próprio indivíduo ganhou uma outra dimensão.
A
possibilidade de comunicar com os outros, de fazer saber aos amigos, conhecidos
e mesmo ao mundo as nossas ideais, a nossa opinião e os nossos propósitos,
ganhou uma dimensão quase épica ou heróica, impondo-se como um autêntico poder,
que, para além, da influencia significativa que pode assumir no curso dos
eventos, condiciona o exercício do poder público e influencia, determina, sobremaneira, a vida de
todos nós.
Prezados
amigos,
Essa esfera
de poder individual, - com impacto quase universal, de circulação da palavra,
da imagem e do pensamento -, exige de todos um esforço de compreensão e até de
regulação, na procura de um equilíbrio permanente entre a liberdade individual,
de pensamento e de expressão, e os direitos, liberdades e interesses legítimos
de outros.
Mas, um
crescimento exponencial de quantidade de informação nem sempre representa uma
melhor comunicação.
É certo que
a comunicação assente na inovação tecnológica permite-nos ter acesso a uma
quantidade maior de conhecimentos, mas não é tão certo que a comunicação entre
os indivíduos tenha melhorado qualitativamente pelo facto de as comunicações
serem mais rápidas e mais fáceis.
Os
protagonistas das sociedades contemporâneas mostram grandes dificuldades, por
exemplo, na comunicação interpessoal, pois se estamos unidos pela linguagem, é
também um facto que a cultura da comunicação é uma cultura da imagem; o que tem
valor é ver e fazer-se ver.
A pouco e
pouco perdemos a oportunidade de sentir, tocar e cheirar a presença do outro,
factores fundamentais no desenvolvimento de uma sociedade humanista e no
equilíbrio emocional dos cidadãos. O distanciamento físico do mensageiro, o
formato artificial, a esquematização da imagem, o culto de certos rituais são,
muitas vezes, expedientes técnicos para a venda da mensagem sem qualquer outra
preocupação.
Prezados
presentes,
Hoje, mais
do que nunca, pela globalização do mundo e da informação, faz todo o sentido
conferir uma especial relevância à problemática da liberdade de expressão
versus direitos fundamentais com protecção constitucional.
As
Constituição da República são ricas, em matéria da comunicação social, na
consagração de elementos estruturantes do sistema, com afirmação clara e
inequívoca da liberdade de expressão e de divulgação de ideias, do direito de
informar e de ser informado, da independência dos meios de comunicação social
em relação ao poder político e económico, da proibição da censura, da
independência dos jornalistas perante o Governo e os demais poderes públicos,
da liberdade de criação de órgãos de imprensa.
É curioso
verificar que a nossa Constituição da República, nesse particular, foi mais
longe do que outras constituições, de ordenamentos jurídicos similares ao
nosso, afirmando a «independência dos jornalistas» do sector público «perante o
Governo, a Administração e os demais poderes públicos», assegurando ainda a
independência de todos os órgãos de comunicação social, sejam eles públicos ou
privados, face aos poderes políticos e aos poderes económicos.
Sem sombra
de dúvidas, a informação isenta e livre é um bem público, reconhecida por nós,
fundamental à afirmação da «cidadania democrática». Constitui-se como um
direito fundamental dos cidadãos e um elemento estruturante da sociedade
democrática.
Assim, no
plano constitucional, todas as condições estão criadas para o exercício do
direito de informar e de ser informado em liberdade, dando maior substância ao
Estado de Direito Democrático. Ninguém duvida que a existência de uma
comunicação livre, isenta e plural é um pilar da democracia, tão importante
como a realização de eleições livres e o funcionamento de um poder judicial
forte e independente.
Efectivamente,
a existência de um Estado de Direito Democrático, ou, se se quiser, da
democracia pluralista, implica necessária e inquestionavelmente a existência da
liberdade de imprensa no seu sentido lato. A participação dos cidadãos na vida
política estaria seriamente comprometida e a «democracia» não passaria de forma
sem qualquer substância. Como diz um conhecido autor (Rodrigues da Costa) «a
liberdade de expressão do pensamento pela imprensa é tida como verdadeiramente
imprescindível à formação social, cultural e económica dos cidadãos, no quadro
fundamental de uma democracia pluralista, de convivência e fortalecimento de
diversas correntes de opinião, em que, portanto, a verdade, a objectividade, o
rigor informativo, a critica das instituições políticas e culturais, enquanto
formadora da opinião pública, são valores determinantes e princípios essenciais
do próprio regime democrático».
Minhas
senhoras e meus Senhores,
Permitam-me
que hoje chame uma especial atenção para um elemento que considero essencial
para que se possa falar de liberdade de imprensa: trata-se do acesso à
informação. Só podemos falar em verdade, objectividade, só podemos exigir rigor
informativo se o acesso à informação for garantido aos jornalistas.
O rigor
jornalístico está ligado ao acesso que profissionais da imprensa têm a
informações públicas. Na prática, o direito de acesso de jornalistas a
documentos e dados das autoridades não difere em nada do direito de qualquer
outro cidadão – a principal diferença é o facto de um profissional dos media
ter mais facilidade para divulgar uma informação pública, sempre que
necessário, contextualizando-a e explicitando seus pormenores à colectividade.
Isso permite multiplicar e potencializar o efeito que esta informação pode ter
na sociedade. Nos idos de 1605, o filósofo inglês Francis Bacon afirmou que
“Conhecimento é poder”, significando esta máxima o reconhecimento de que o
acesso ao poder está directamente relacionado ao acesso a informações. Difundir
o conhecimento significa compartilhar e democratizar o poder, enquanto
restringi-lo, resulta na concentração do poder nas mãos daqueles que detêm o
acesso a informações.
Assim, o
exercício prático do princípio constitucional de que “todo o poder emana do
povo” está condicionado ao acesso da população ao conhecimento e à informação.
A noção de democracia, estampada na nossa Constituição está vinculada à
capacidade de os indivíduos de participarem efectivamente do processo de tomada
de decisões que afectam suas vidas. Não existe democracia plena se a informação
está concentrada nas mãos de poucos.
De facto, as
instituições provedoras de conhecimento e de informação sempre caminharam lado
a lado com a ideia de democracia. A escola, a imprensa e as bibliotecas foram
sustentáculos das democracias nascentes, e a ampliação de seu acesso à
população resultou sempre na consolidação e no aprofundamento da democracia.
“Quanto maior o acesso à informação pública, menor o risco de o jornalista se tornar dependente daquilo que é
conhecido como ‘fontismo’ nas redações”. A afirmação é de Gustavo
Krieger, repórter do jornal Correio Braziliense, de Brasília.
Institucionalizar
instrumentos para o acesso a informações é a forma encontrada pelas democracias
para impedir que os chamados “porteiros da informação”, em um claro abuso de
poder, desrespeitem um direito fundamental de todos os indivíduos, reconhecido
e consagrado por diversos instrumentos internacionais de direitos humanos: a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, a Carta
Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos e a Convenção Europeia sobre
Direitos Humanos. Cada um deles reconhece o acesso a informações públicas como
direito humano fundamental.
Caros
amigos,
Embora a
nossa Constituição da República proteja a liberdade de informação, e garanta
aos jornalistas o acesso às fontes de informação, o exercício deste direito no
País é dificultado pela ausência de uma lei que regulamente obrigações,
procedimentos e prazos para a divulgação de informações pelas instituições
públicas.
O acesso às
fontes de informação públicas, ou seja, informações em poder do Estado ou que
sejam de interesse público, conduzirá necessariamente a um jornalismo mais objectivo,
mais sério, menos assente no «disse que disse».
Para além
disso, é também minha convicção de que a efectivação da garantia de acesso à
informação deixará o jornalista mais seguro: mais livre na sua expressão (pois
a mesma será suportada em informações reais).
Excelências,
Mas se isso
é verdade, não podemos deixar de chamar a atenção para outro elemento que é
intrínseco a cada um dos agentes da comunicação social e que não muda só com um
bom quadro legislativo, mas que é, digamos, cultural? Típico dos tempos que
correm de alguma impunidade?
Na verdade,
não se pode deixar de reconhecer que a comunicação social moderna,
particularmente a forma como é exercida, pode encerrar alguns efeitos perversos
sobre a sociedade. A esse respeito é extraordinariamente significativa a
seguinte passagem, bem que um pouco longa, de um texto de E. Fromm, Fuga
para a Liberdade:
«uma outra maneira de paralisar a
capacidade de pensar criticamente é a destruição de qualquer tipo de imagem
estruturada do mundo. Os factos perdem a qualidade específica que só podem ter
como partes de um todo estruturado e retêm apenas um significado abstracto e
quantitativo; cada facto é apenas outro facto e o que importa é se sabemos mais
ou menos. Neste campo, a rádio, o cinema, os jornais têm um efeito devastador.
A notícia do bombardeamento de uma cidade, ou a morte de centenas de milhares
de pessoas são impudentemente acompanhadas ou interrompidas por um anúncio de
um sabonete ou de um vinho. O mesmo locutor, com a mesma voz sugestiva que
acabou de usar para fazer sentir a seriedade de uma situação, dá a conhecer os
méritos de uma certa marca. Os documentários apresentam imagens de barcos
torpedeados seguidas por passagens de modelos. Os jornais revelam-nos
pensamentos corriqueiros, ou cenas de pequeno-almoço, com a mesma seriedade
usada nos acontecimentos de importância científica ou artística. Por tudo isto
deixamos de estar verdadeiramente relacionados com o que ouvimos. Deixamos de
ser excitados, as nossas emoções e os nossos juízos críticos embaraçam-se, por
vezes a nossa atitude perante acontecimentos no mundo assume um carácter de
indiferença e lassidão. Em nome da «liberdade» a vida perde toda a estrutura e
compõe-se de muitas peças pequeninas, todas separadas umas das outras e sem
qualquer sentido global. O indivíduo é abandonado com essas peças como a
criança com um puzzle. Fica aturdido, confundido, cheio de medo e continua a
olhar espantado para as pequenas peças sem significado».
Boas leis
não bastam para assegurar o desenvolvimento do país e para consolidar a
democracia. O desenvolvimento e a democracia dependem em larga medida da
cultura, da socialização de valores e das práticas sociais, a todos os níveis,
na escola, no trabalho, na família e no lazer. As instituições, por si só, não
são suficientes, necessitam ser complementadas pela tradição.
Não temos
ainda uma grande tradição democrática, daí a relativa fragilidade das nossas
instituições. Não desenvolvemos uma cultura assente no pluralismo e confronto
de ideias, na tolerância e no respeito pela diferença. Bem pelo contrário, a
sociedade cabo-verdiana nasceu e viveu sob o signo da obediência ao poder.
Essa cultura
dos governados é a contra-face da cultura do poder político em geral: a
acusação frontal por parte dos cidadãos é quase sempre entendida como
desrespeito; a diversidade de ideias e opiniões muitas vezes é encarada como um
sinal de degenerescência do Estado.
O que em
países com uma grande cultura democrática é encarado com normalidade, como
fazendo parte do jogo democrático e do livre exercício da liberdade crítica, é
considerado por vezes em Cabo Verde como ofensivo e injurioso.
No fundo, é
como se existisse uma crítica positiva e outra crítica negativa. A crítica
positiva, ou seja, aquela que é feita em tom respeitoso, quase receoso,
desculpando-se a cada passo pelo atrevimento da opinião expendida, é tolerada,
às vezes até aplaudida; aquela outra, que é feita de forma mais frontal, sem
receio e sem tibieza, essa deve ser objecto de recusa ou qualquer outra sanção,
mais ou menos expressa.
Assim, pelos
sinais que emitimos, algumas vezes desestimulamos a crítica aberta e frontal,
assumida, fomentando-se ou autocensura, de conformismo ou na crítica anónima. O
que tem efeitos perversos sobre a sociedade. Deste modo, criamos sociedades
apáticas, amorfas, passivas e conformistas. Uma sociedade civil que se
manifesta em conversa em voz baixa nos corredores e nas esquinas, não querendo
assumir plenamente a cidadania, corre sempre maiores riscos de atrofiamento da
democracia.
Ora, entendo
que é fundamental que a liberdade de imprensa, que decorre da liberdade mais
ampla de expressão do pensamento, seja assumida com carácter de um direito
individual de resistência face ao Poder e de direito de participação política.
Evidentemente que não é um direito ilimitado, pois o seu exercício pode entrar
em conflito com outros direitos que até podem ter protecção constitucional.
Efectivamente decorre da própria Constituição da República que a «liberdade de
expressão e informação tem como limites o direito de todo o cidadão à honra e
ao bom nome, à imagem, e à intimidade da vida pessoal e familiar».
Mas, também
o princípio da presunção de inocência do arguido é também um outro limite, com protecção
constitucional, quiçá o mais fundamental de todos, já que ele consubstancia a
própria noção de um processo penal de um Estado de direito. O segredo de
justiça é também outro limite à liberdade imprensa; como são limites o direito
à saúde, à ordem e moralidade públicas, a divulgação de segredos do Estado e
segredos militares, a independência dos tribunais e a protecção dos símbolos
nacionais.
Nessa
matéria põe-se sempre o mesmo problema clássico, académico: permitir ao
trompetista a liberdade de criação artística e de expressão musical no seu
apartamento ou zelar pelo sono tranquilo do seu vizinho?
Todos
seguramente estarão de acordo que nem a imprensa deve ter os direitos
ilimitados que muitas vezes reclama, na sua missão informativa, nem a repressão
deve ser estendida a um ponto de aniquilação do seu núcleo essencial. E mais: a
actividade jornalística não pode ser transformada num exercício acrobático, de
grande risco, exigindo-se do jornalista uma profunda reflexão sobre cada
palavra, com a «espada da honra» sempre pendente sobre ele.
A liberdade
de informar pode e deve conviver com a responsabilidade, constituindo esta um
factor de ponderação e de equilíbrio na expressão, estabelecendo limites a
partir dos quais estar-se-á eventualmente a pôr em causa outros direitos que merecem
igual tutela judiciária.
O anonimato
na comunicação tem efeitos perversos na sociedade. A coberto do anonimato nos
órgão de comunicação social e nos meios virtuais cometem-se por vezes as
maiores atrocidades contra as pessoas, às vezes até de autêntico assassinato
moral, imputando a outrem factos fantasiosos ou juízos de valor simplesmente
destruidores, sendo preocupante a circunstância de se verificar que existe
sempre subjacente uma questão política ou partidária. Esta matéria precisa de
uma regulação urgente, exigindo-se maior responsabilização, sem pôr em causa naturalmente
o direito à palavra, à crítica forte, aberta e frontal, ainda que dura, mas sem
intuito exclusivamente vexatório ou ofensivo.
Os titulares
de cargos políticos naturalmente estão mais expostos e o grau de tolerância das
críticas duras deve ser maior, pois que a sua função deve submeter-se sempre ao
rigoroso escrutínio da opinião pública. Em todo o caso existe uma grande
diferença entre a crítica fundada, ainda que injusta, e a crítica gratuita com
intuito meramente ofensivo da honra e consideração devidas.
Excelências,
Senhor
Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Senhores
Embaixadores,
Caros
Amigos,
A
consideração de que o direito à informação constitui uma verdadeira «garantia
institucional», da qual depende a realização do Estado de Direito Democrático,-
pois não há democracia sem liberdade de expressão e sem liberdade de crítica -,
não pode conduzir à aceitação, sem mais, de qualquer conduta que se traduza
nesse exercício, ainda que com desvalorização total da reputação de outrem. É
que a honra, para além do valor constitucional, é um activo de relevante
importância para a afirmação da pessoa na sua individualidade, mas igualmente
na família, no trabalho e na sociedade.
Queria
terminar, deixando esta nota, na linha do que acima dissera: a realidade não é
ditada pelo direito e ela é bem mais vasta e bem mais rica e complexa do que as
leis que publicamos. O país é feito também de história, cultura, educação,
economia, etc. Pensar que a democracia e a liberdade são sustentadas por leis é
pura ingenuidade. Se leis justas, tribunais independentes e comunicação social
isenta são pilares do Estado de direito e da democracia, a verdade é que todos
eles estão condicionados sobremaneira pela cultura democrática da sociedade e
pelo grau de empenho de participação cívica dos indivíduos na defesa da
cidadania. Quando uma injustiça é tolerada pela sociedade, quando não é
contestada pela opinião pública e não merece protesto dos cidadãos, então, a
prazo não há lei que resista, tribunal que nos acuda ou comunicação social
isenta que aguente.
A aposta em
boas leis, sim, senhores. Mas aposta sobretudo numa atitude e num comportamento
que fomente uma cultura ao serviço do homem, da democracia e do
desenvolvimento.
Muito
Obrigado.
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