“As línguas maternas têm
um papel fundamental em nossas vidas, pois são o meio pelo qual verbalizamos o mundo
pela primeira vez, sendo as lentes pelas quais começamos a entendê-lo.”
A língua materna não nos
ajuda apenas a ver o mundo mas também, e sobretudo, a construir o nosso mundo
interno, a nossa personalidade, a nossa relação connosco e com os outros.
Enquanto criação
colectiva, profundamente marcada por vicissitudes históricas, a língua materna
assume o papel ímpar de ser, simultaneamente, parte do ser individual e esteio
da cultura de todos.
É através dela que nos
iniciamos no alfabeto da afectividade, na aventura da comunicação, que cada um
aprende a ser eu ao mesmo tempo que se assume como Nós.
Talvez, sem ela jamais
pudéssemos sentir sodade, vivenciar morabeza e saber o que é um Kretxeu.
É bem verdade que foi na
nossa língua materna que nos foram contadas as primeiras estórias envolvendo
Lobo & Xibinho, Nha Tiaganga, os Gongons e demais figuras que preencheram o
nosso imaginário infantil.
É também na língua
materna que vieram expressas as primeiras mornas, coladeiras, funaná e cola
sanjôn que nos deleitaram.
Se outro valor não se
pudesse associar à Língua Materna, o facto de ser o meio pelo qual captamos o
mundo, verbalizamos as nossas sensações e percepções e encomendamos a nossa
primeira refeição seria o suficiente para a colocar no cimo das prendas que recebemos
quando começamos a interagir no e com o Mundo.
As nossas primeiras
preces, os nossos primeiros votos, os nossos primeiros segredos e os nossos
primeiros conhecimentos são modulados na língua materna. Tudo quanto constitui
a base em que se ancoram os nossos conhecimentos para a vida - as novas
línguas, as novas habilidades, a maneira de ser, de estar e de comunicar – foi
fabricado e instalado tendo como instrumento principal a língua materna.
É mais do que evidente
que a língua materna é um dos nossos traços culturais mais fortes. Um dos
elementos que mais caracterizam a nossa singularidade no mundo é a nossa língua
materna.
Ela é uma ferramenta
através da qual, no nosso quotidiano, nos afirmamos como povo que tem uma
história concreta de relação profunda com determinado espaço físico, num tempo
histórico específico, em permuta constante, por vezes difícil, com outros
povos, com outras culturas, com outras línguas maternas.
Ela espelha de modo
particular a nossa vocação integradora que, contudo, por vezes se exprime de
modo contraditório.
É também através dela
que de Boston a Cova da Moura ou a Furna, ou de Luanda a Cova Figueira ou a
ponta Belém, a cantar, a falar, a respirar, nos afirmamos como povo com uma
identidade própria, com um destino que, em comum, construímos.
Foi através dela que
recentemente proclamámos ao mundo que “nô ta sinti feliz de ter nascide
cabo-verdiane” e que gritámos aos quatro ventos: “ Tubarom azul é Bodona”.
É porque esse património
de todos nós tem um valor inestimável e ocupa um lugar cimeiro no nosso
pensamento, nos nossos sentimentos e na nossa acção, num mundo que cada dia se
complexifica e procura descaracterizar as originalidades, que ele tem de ser
preservado e dignificado nas perspectivas cultural, operacional e política.
Consideramos da maior
importância o debate em curso sobre o devir deste pedaço unificador da nossa
cultura, o qual terá de ter por objectivo final contribuir para que a nossa
língua materna seja cada vez mais valorizada e dignificada.
Acredito que os
referenciais instalados na memória dos cidadãos aquando da aquisição originária
da língua materna são fundamentais para a aplicação prática dos conhecimentos
que, entretanto, se foram e se vão acumulando.
Para terminar, recupero
aqui mais esta asserção deixada pela senhora Directora-Geral da UNESCO na sua
mensagem, por ocasião desta efeméride, em 2011:
“A partir da língua
materna, o aprendizado de outros idiomas deve ser uma das altas prioridades da
educação no século XXI.”
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