sábado, 8 de dezembro de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, por ocasião da Cerimonia de Encerramento do VII Congresso da Associação Nacional dos Municípios Cabo-verdianos (ANMCV) Assembleia Nacional, Praia, 8 de Dezembro de 2012

Exmo. Sr. Presidente do Conselho Geral da Associação de Municípios de Cabo Verde,
Exmo. Sr. Presidente do Conselho Directivo da ANMCV,
Excelências,
Primeiramente queria mais uma vez felicitar os Presidentes de Câmara e os Presidentes de Assembleia Municipais que nas últimas eleições autárquicas foram conduzidos aos respectivos cargos, em mais uma jornada de fortalecimento e aprofundamento da nossa democracia. Cumprimento que estendo a todos os eleitos municipais, de Brava a Santo Antão.




A todos desejo os maiores sucessos e reafirmo a minha total disponibilidade para uma colaboração institucional franca e leal. 

Minha Senhoras e meus Senhores, 

O ano de 2012 foi de renovação da legitimidade dos detentores do poder ao nível local no nosso país. Eleições autárquicas que mobilizaram o país inteiro, incluindo parcelas da Diáspora, tanto durante as eleições propriamente ditas como no período que as antecederam, numa clara demonstração de que esse poder é cada vez mais percebido como um importante instrumento político, uma ferramenta básica e indispensável ao desenvolvimento do país e à construção do bem-estar das pessoas. 

As pessoas, no país e no estrangeiro, envolveram-se claramente no processo de escolha dos candidatos demonstrando o vigor da nossa democracia. 

Algumas situações inéditas em alguns concelhos, para além de atestarem o entusiasmo antes referido, evidenciam o facto de as eleições autárquicas terem a sua lógica própria, que não resulta de uma correspondência mecânica com eleições a outros níveis.  

Se é inegável que a força dos partidos políticos faz-se sentir em todo o processo autárquico, cada vez fica mais claro que os interesses locais, os problemas que as pessoas enfrentam no dia-a-dia acabam por ter um peso muito grande, por vezes decisivo, no desfecho desse pleito.

Que o poder local democrático é um elemento fundamental para o desenvolvimento do país não restam dúvidas, tanto na perspectiva da sua capacidade de direcionar os recursos para as reais necessidades das comunidades, como no que respeita às possibilidades da cooperação descentralizada, que já teve, contudo, mais pujança no passado.     

Na verdade as autarquias têm a faculdade de favorecer a capitalização dos recursos provenientes das mais diversas origens, disponibilizando-os em espaços onde outras instituições não conseguem chegar, e, ainda, a vocação para transformar o conhecimento das necessidades das populações em importantes ingredientes das decisões que incidem sobre a definição de prioridades e a alocação de recursos. 

Mas, não é só na esfera do desenvolvimento que as grandes virtualidades do poder local se têm manifestado. Aliás, estas só se transformam em realidade palpável porque estão, indissoluvelmente, ligados a um outro aspecto que é a democracia. 

O poder autárquico só consegue ter o impacto que tem no desenvolvimento do país, no combate à exclusão social, porque ele é democrático e autónomo. Porque ele tem a legitimidade que apenas o voto pode conferir. 

Ao permitir que as pessoas tenham, através do seu voto, a possibilidade de intervir no exercício do poder que lhes é mais próximo, o processo autárquico assume a condição de mecanismo de ampliação, aprofundamento e aperfeiçoamento da democracia. Por essa via, a democracia torna-se mais viva e contribui, decisivamente, para que as pessoas sejam cada mais pessoas, indivíduos que estão muito para além do contribuinte, do eleitor ou do consumidor. 

Mais de duas décadas depois da institucionalização do poder local democrático, da demonstração prática de que sem esse poder a nossa democracia ficaria incompleta, amputada, diria, podemos afirmar que todas as suas virtualidades estão concretizadas? 

Podemos afirmar que as relações entre os poderes local e central, estão, no essencial, clara e definitivamente definidos? 

Podemos dizer que o sistema de transferência de responsabilidades e recursos do governo central para os municípios é o mais adequado? 

Podemos afirmar que no exercício do seu poder os autarcas exploram todas as possibilidades da descentralização, ou ainda subsistirá alguma tentação no sentido de uma excessiva centralização ao nível local? 

A actual configuração do mapa do poder local é o mais acertado? 

Estas interrogações que, seguramente, terão respostas diferenciadas, revelam a necessidade imperiosa de se aprofundar o debate sobre as relações de poder no nosso país. No entanto, que o poder autárquico democrático é um dos maiores ganhos da democracia cabo-verdiana, não existem as menores dúvidas. 

Mas, penso que temos de ousar, de forma descomplexada, pelo menos formular a seguinte questão: o nosso processo de descentralização esgotou todas as suas potencialidades?

É possível ir além do quadro existente actualmente? Interessa aprimorar o sistema ou mesmo aventurar na realização de novas experiências, testar novos modelos? 

Que riscos novas experiências comportam? Que benefícios novos caminhos podem oferecer?

Um debate desta natureza deve implicar, pois, uma reflexão ampla sobre a própria configuração do poder em Cabo Verde.  

A questão dos recursos, tanto na perspectiva dos eventuais custos que determinadas opções poderão exigir, mas necessariamente, também, em relação aos recursos que poderão gerar a partir de possíveis dinâmicas que catalisarão, é uma das questões a ser objecto de serena ponderação nessa reflexão. 

Ademais, a questão política é também crucial. Descentralizar, de facto, implica redistribuir poder, responsabilidades e recursos. Na verdade, estes são muito escassos, mas não se pode fugir à questão de, até que ponto para as pessoas, as comunidades e o país, a actual configuração de distribuição desses elementos é a mais adequada e benéfica. A escassez de recursos – e como sabemos todos quantas vezes o argumento é utilizado apenas em contextos e momentos que nos são convenientes politicamente! - não deve inviabilizar o debate. O problema deve ser formulado da forma seguinte: pode-se, com os recursos disponíveis, proceder a uma reconfiguração do poder que resulte num seu melhor aproveitamento e numa organização mais adequada do país como um todo, dos pontos de vista politico, económico-social e cultural? 

Minhas senhoras e meus senhores, 

Aparentemente existe um consenso no de sentido de ser desejável proceder-se a uma reconfiguração dos elementos antes referidos. Mas, creio que chegou a hora de, a partir de uma abordagem sistematizada, se proceder ao debate que leve à explicitação dos diversos modelos possíveis que permitam aos decisores políticos e ao cidadão proceder a eventuais opções. 

Neste processo, acredito que a ANMCV pode ter um papel e uma responsabilidade muito especiais. A sua legitimidade, em última análise, radica no voto popular.  

Esta instituição deve aceitar o desafio de, ao lado de outras, como a Presidência da República e o Governo, mas igualmente envolvendo instituições universitárias e outras da sociedade, promover um debate franco, sem receios ou fantasmas de qualquer ordem, e o mais aprofundado quanto possível em torno do poder local, incidindo sobre a descentralização, a regionalização, as autarquias inframunicipais, a autonomia financeira, entre outros temas. 

Minhas Senhoras e meus Senhores, 

Parece-me que estamos num período que reúne todas as condições para que tal debate se realize de forma adequada. Temos uma direcção desta prestigiada instituição que acaba de ser eleita, um clamor nacional, com nuances bem diferenciados, no sentido de se colocar estas questões na ordem do dia e, sobretudo, entramos num período relativamente longo durante o qual não teremos disputas eleitorais.  

Como sabemos, durante os processos eleitorais os debates não costumam ser muito serenos e objectivos. Pelo contrário, têm sido invariavelmente condicionados pelas expectativas eleitorais. Como, em princípio, apenas em 2016 serão realizadas novas eleições, seria muito interessante que este período de “serenidade” fosse aproveitado para clarificar, aprofundar e divulgar as diferentes posições sobre esta e outras matérias. 

Aliás, já em outros momentos me disponibilizei para facilitar quer debates aprofundados, quer eventuais negociações sobre temas que requerem esse tipo de postura, disponibilidade que mais uma vez reitero aqui de forma expressa, firme e solene. 

Minhas Senhoras e meus senhores, 

Aproveito a oportunidade para felicitar a Direcção cessante da ANMCV pelo trabalho desenvolvido durante o seu mandato e desejar à Direcção eleita as maiores felicidades.  

Na presente conjuntura de elevadas dificuldades com sérias repercussões nas pessoas, nas famílias e nas empresas, as autarquias são chamadas a desempenhar um papel muito especial.  

São a primeira instâncias a que os cidadãos se dirigem quando as dificuldades se agudizam, quando o socorro demora a chegar, ou quando já não dá mais para esperar.  

As Câmaras Municipais são as primeiras a serem solicitadas pelo munícipe que até poderá entender todos factores que estarão na base da crise actual, mas que tem necessidades prementes, por vezes ligadas à própria subsistência, cuja satisfação não poderá ser adiada. 

Talvez a ANMCV pudesse, considerando que esta situação tenderá a agravar-se, discutir e definir um conjunto de orientações que permitiria às diferentes Câmaras Municipais proceder a uma maior racionalização dos meios existentes, justamente de modo a poder dispor de recursos para socorrer atempadamente, no quadro das suas possibilidades,  quem mais precisar.

Todos temos a consciência de que a nossa cultura de racionalidade na utilização de meios é muito precária. Não é raro convivermos, de forma quase normal e simultânea, com a penúria e o esbanjamento de meios. 

É evidente que não me refiro às situações em que essa racionalização depende de investimentos que não estão disponíveis, mas àquelas nas quais se verifica que o desperdício é devido à desorganização, ao descaso, à ignorância ou à filosofia laxista segundo a qual o que é do Estado é de todos, e por isso não se deve ter preocupações com a sua protecção ou poupança.

Acredito que uma acção orientadora da ANMCV nessas duas direcções, - aproveitando experiências nossas bem sucedidas, embora muitas vezes não divulgadas e boas práticas de outras paragens -, poderia ser de grande valia. 

Minhas Senhoras e meus Senhores, 

O facto deste VII Congresso, para além das habituais e importantes tarefas, de prestação de contas das actividades desenvolvidas e das eleições de novos órgãos directivos, debruçar-se sobre temas tão importantes como o MCA e a problemática da emigração é muito significativo.

No concernente ao primeiro tema, a ANMCV revela, assim, o seu grande interesse pelo desenvolvimento do país, através de um programa de âmbito nacional e que envolve, de modo mais específico, alguns municípios. 

Esta preocupação é tanto mais importante quanto sabemos que, de uma informação adequada e atempada dos projectos a serem executados, dependerá a sempre desejável articulação entre os poderes local e central, com evidentes benefícios para as populações.  

Igualmente, considero relevante o facto de este Congresso conceder atenção à problemática da emigração, através da apresentação da Estratégia Nacional de Emigração, porquanto este tema é um elemento fulcral da nossa realidade em termos culturais, políticos e económicos. De facto, os fenómenos migratórios no seu todo, incluindo ali a questão dos retornados, sobretudo neste contexto de crise, poderão sofrer condicionamentos com impacto significativos nos processos de desenvolvimento a nível municipal, pelo que se deverá tê-los em devida atenção. 

Minhas senhoras e meus senhores, 

Agradeço as amáveis palavras que me foram dirigidas e saúdo mais uma vez a Direcção recém eleita à qual auguro grandes sucessos.  

Aproveito a oportunidade para vos formular e às vossas famílias votos de Festas Felizes de um ano de 2013 com muitas realizações. 

Declaro encerrado o VII Congresso da ANMCV. 

Muito obrigado.



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