segunda-feira, 5 de março de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, por ocasião da Cerimónia de Tomada de Posse da Presidente do Conselho Superior de Magistratura Judicial, Praia, 5 de Março de 2012


Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhor Ministro da Justiça,
Senhor Procurador-geral da República e Presidente do CSMP,
Senhora Presidente do CSMJ,
Venerandos Juízes Conselheiros do STJ,
Senhor Inspector Superior Judicial
Ilustríssimos vogais do CSMJ,
Senhor Presidente da associação sindical dos Magistrados
Senhor Chefe da casa civil da PR,
Senhores Colaboradores da Presidência da República,
Meritíssimos Juízes representantes dos Juízos cível, crime e de família e menores da Comarca da Praia,
Senhor Secretário do CSMJ,
Senhor Representante dos Oficiais de Justiça,
Senhores e Senhoras jornalistas
Minhas senhoras,
Meus senhores,
Caros amigos,

Constitui verdade insofismável que, sem decisões reconhecidamente justas, sem uma justiça que dê confiança à comunidade e aplicada com a celeridade desejável e adequada à afirmação dos valores que o sistema deve proteger e afirmar, e acessível aos cidadãos, tanto a coesão social como o sistema de crenças no ideário democrático ficam abalados.


Por isso, tanto a revisão constitucional de 2010, como o pacote da reforma da Justiça de 2011, se escoraram na necessidade de dotar a Justiça, e mais particularmente o sistema judicial, de um quadro legal que permitisse a emergência de estruturas e processos capazes de, se não resolver, ao menos, minimizar os problemas da Justiça cabo-verdiana e, consequentemente, fortalecer a confiança dos cidadãos.

É assim que pela Lei n.º 90/VII/2011, de 14 de Fevereiro, se autonomizou o Conselho Superior da Magistratura Judicial. Mas, perguntar-se-á: O QUE TRARÁ DE NOVO O ACTUAL MODELO DO CSMJ PARA A CONCRETIZAÇÃO DA REFORMA?

Será legítimo perguntar-se, como, aliás, se fez há já alguns anos, em diferentes espaços onde passou a ser facto o princípio do fundamento democrático da soberania, se, com o modelo encontrado entre nós, a «pretensão jurídica» do cidadão à independência judicial (e à autonomia do Ministério Público) ficou suficientemente tutelada, «se necessário contra os próprios órgãos de administração da justiça»?

De uma tal forma e numa tal medida que se possa afirmar que ele contribui para a legitimação democrática do exercício da função judicial de uma maneira concludente, ficando o governo da justiça ligado a um aceitável auto-governo balizado ainda pelos valores e princípios de um Estado de direito democrático e não de um estado de juízes antidemocrático, como se referia, há já mais de quinze anos um reputado estudioso do direito judiciário?

Cremos que a resposta deve ser inequivocamente afirmativa, ainda que se possa, aqui e ali, legitimamente pugnar-se por um ajustamento que ainda de forma mais clara e acentuada pudesse fortalecer aquele desejável critério de legitimação. 

O CSMJ é o órgão de gestão e disciplina dos juízes, de administração autónoma dos recursos humanos, financeiros e materiais dos tribunais. E é, também, o órgão de orientação geral dos tribunais judiciais, de superintendência no funcionamento das secretarias judiciais, de nomeação, colocação, transferência e desenvolvimento na carreira e de disciplina dos oficiais de justiça e demais recursos humanos das secretarias judiciais.

E, aspecto importantíssimo, é junto do CSMJ que funciona o serviço de Inspecção Judicial, instância já referenciada, nos diagnósticos efectuados, como peça fundamental para o necessário controlo de qualidade do sistema.

O papel do CSMJ, conquanto seja delicado, espinhoso e complexo, não deixa de estar, de certo modo, facilitado. É que já existe um diagnóstico consensualizado dos problemas que afectam o nosso sistema judicial.

A questão da morosidade da Justiça, central no nosso sistema, está ligada a uma complexa e diversificada teia de factores já devidamente recortada e estudada.

Sem preocupação de minúcias, dispensáveis neste acto, questões como uma maior capacitação técnica de todos os agentes da justiça, a criação de verdadeiros e autónomos serviços de inspecção, enfim, a instalação de mecanismos de responsabilização do sistema no seu todo, de há muito que estão identificadas. A cautela, neste particular, será nunca ultrapassar a fronteira da preterição de princípios basilares do estado de direito como os da independência do poder judicial e dos juízes e da responsabilidade destes pelo teor de suas decisões e da autonomia do Ministério Público.

Que tudo se deve fazer para que os juízes tenham a necessária preparação científica, técnica e humana para a função de julgar é uma constatação que não é de hoje. A novidade, chamemos-lhe assim, é a verificação de que não basta a frequência de estágios ou institutos de formação, pondo-se ênfase na necessidade de os magistrados judiciais garantirem segura disponibilidade pessoal para o rigor e o método, a dedicação à causa pública e o necessário bom senso para incarnarem a qualidade de servidores da justiça.

Mas a actividade do juiz se realiza em sede de processo judicial, já que o processo é o lugar, o momento e o modo de solução do litígio e no qual a Justiça pode expressar-se, revelar-se. Deriva daí a necessidade, também, de reformas processuais para que a Justiça esteja conforme aos valores constitucionais e corresponda à expectativa dos cidadãos.

A concretização do direito de acesso à justiça, nos termos constitucionais, implica respostas céleres, justas e adequadas às demandas dos cidadãos, capazes de fazer com que o Direito e os direitos sejam reconhecidos e, sobretudo, que a Justiça não seja denegada por falta de meios económicos suficientes. A este propósito, será preciso aprimorar o sistema de assistência judiciária, reforçar o fundo a ela reservado e criar condições mínimas para que os advogados possam defender de forma adequada os interesses legítimos de todos os nossos conterrâneos que recorram ao sistema de justiça, exigindo-se dos causídicos consciência do serviço público e obediência deontológica ao proteger os interesses legítimos dos mais desfavorecidos. Repetindo o que afirmei na abertura do novo ano judicial, não haverá Justiça no sentido mais estrito da palavra, se aos desvalidos da nossa sociedade, para além de estarem colocados à margem, no que à fruição dos bens comunitariamente gerados diz respeito, também lhes seja denegado ou dificultado o acesso aos tribunais para concretizarem os seus direitos. Torna-se necessário que, independentemente da sua situação económica, todos os arguidos, como, aliás, todas as vítimas, possam ter o patrocínio de advogado, experiente e empenhado.

É consensual que uma boa reforma se deve escorar em 4 eixos: QUADRO LEGAL, RECURSOS HUMANOS, PROCEDIMENTOS E CULTURA ORGANIZACIONAL.

Começando pelo quarto eixo, a cultura organizacional, curial será dizer que sem uma mudança profunda a esse nível, muito pouco se consegue em qualquer reforma.

A cultura organizacional - que alguém já definiu, de forma prosaica, como sendo o modo como as coisas se resolvem em uma organização - terá de sofrer profunda alteração. As coisas precisam começar a ser resolvidas de outra forma. Atitudes e comportamentos que fizeram escola num passado recente precisam ser reavaliados.

De procedimentos e processos muito se tem falado. Neste capítulo, importará que todos, magistrados, advogados e oficiais de justiça encarem o processo como o lugar, o momento e o modo de solução do litígio e no qual a Justiça pode e deve expressar-se, revelar-se. Daí a necessidade de, para além de reformas processuais, se fazer consciente opção por escrupuloso respeito pelos prazos, pela renúncia a expedientes meramente dilatórios e por uma postura ética inequívoca.

Medidas inequívocas e pedagógicas devem ser tomadas com vista a pôr cobro a situações que, em rigor e materialmente, podem consubstanciar verdadeira denegação de justiça. Refiro-me a casos de prescrições e incumprimentos de prazos «monstruosos», que, infelizmente, ainda acontecem entre nós, com prejuízo inaceitável para os cidadãos, para as empresas e para o Estado

Em matéria de Recursos Humanos, referimo-nos já às condições técnicas e humanas que se espera de um juiz e a contribuição esperada dos advogados. Mas nem só de juízes e advogados vivem os Tribunais. Torna-se cada vez mais uma necessidade reforçar a integração de outros profissionais capazes de produzir conhecimento que se relaciona com o conhecimento produzido pelo Direito, o que possibilita que haja uma interacção, um diálogo entre ciências, capaz de subsidiar as decisões dos juízes, sobretudo, junto dos juízos cível, crime e de família e menores. Ademais, há que investir muito na formação dos Oficiais de Justiça, há que dotar as secretarias judiciais de recursos humanos, materiais e tecnológicos suficientes e há que trabalhar de forma ousada e adequada nos domínios da ética e da deontologia.

O QUADRO LEGAL saído da reforma de 2010/2011 parece dar satisfação. E, de todo o modo, se vier a precisar de ajustamentos, a adequação do quadro legal parece ser o menor dos nossos problemas. Com a instalação do novo Conselho Superior da Magistratura Judicial e a próxima instalação do Tribunal Constitucional e dos Tribunais de Relação e a investidura do Provedor de Justiça, abrir-se-á, esperemos, um ciclo novo na administração da Justiça em Cabo Verde.

Para finalizar, resta augurar que com o empossamento da Presidente do CSMJ - um CSMJ, cuja composição e funcionamento obedece aos cânones da reforma de 2011 - os problemas da Justiça cabo-verdiana sejam minimizados, situando-se em patamares razoáveis, o suficiente para fortalecer a confiança dos cidadãos no nosso sistema de Justiça.

Desejo os maiores sucessos à recém-empossada Presidente do CSMJ e à sua equipa. A bem do nosso sistema judicial e da justiça.

Muito obrigado.



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