Meus
senhores,
Caros
amigos,
Sinto-me
particularmente satisfeito e honrado em participar desta magna reunião, no ano
que a Organização das Nações Unidas, na sua sexagésima quarta sessão, proclamou
como Ano Internacional das Cooperativas sob o lema «As cooperativas constroem
um mundo melhor»
Num contexto
de grandes dificuldades económicas e financeiras a nível mundial, poderia
causar alguma estranheza o facto de a ONU dedicar pela primeira vez um ano a um
movimento nascido no ano de 1844 na Inglaterra e que se estriba nos princípios
de igualdade, solidariedade, democracia, participação, dando primazia à união
das pessoas em relação ao capital.
Mas se se
levar em conta que actualmente esse movimento se espalha por mais de cem
países, envolve mais de um bilião de cooperativistas e gera mais de 100 milhões
de empregos, compreender-se-á que esse movimento- que já foi classificado de
“socialimo utópico”- pode constituir-se numa importante ferramenta para
enfrentar tais grandes dificuldades e o porquê de as Nações Unidas entenderem
que esse movimento pode ajudar a construir um mundo melhor.
Minhas
senhoras e meus senhores,
A ideia de
que os princípios que enformam o movimento cooperativista só servem para
combater a pobreza e assegurar a sobrevivência dos mais pobres há muito tempo
que é considerada bastante redutora. É verdade que, pelo seu potencial de
solidariedade, participação e defesa do bem comum, o cooperativismo possui
valor inestimável na luta contra a pobreza e a exclusão.
Mas a
abrangência do movimento há muito que ultrapassou essa ambição que entretanto
continua a ser actual e muito importante. Se atentarmos para o facto de nos
países mais desenvolvidos esse movimento ter uma participação decisiva em
vários sectores económicos e financeiros poderemos ter uma ideia aproximada das
suas potencialidades.
O movimento
cooperativo é tão pujante nos países desenvolvidos que nos Estados Unidos da
América englobam nada menos do que 60% da população, na Alemanha 80% dos
camponeses e 75% dos comerciantes e na Bélgica as cooperativas farmacêuticas
respondem por mais de 19% do mercado.
Se o peso
das cooperativas é significativo nos países do norte, ele também é importante em países do Sul como a Coreia do
Sul, onde 90% dos produtores rurais
estão organizados em cooperativas ou como o Brasil onde responde por 72% da
produção de trigo, 38% do algodão e 43% da de soja.
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Seria muito
interessante uma reflexão sobre os contornos que o movimento cooperativo tem
tido entre nós para, no nosso meio, descobrirmos os caminhos a serem
percorridos de modo a nos servirmos das suas virtualidades no combate à
exclusão e na criação de riqueza.
Detenhamo-nos
em alguns aspectos da história do nosso movimento cooperativo que teve momentos
áureos e que, por razões que merecem ser aprofundadas, conheceu acentuado
declínio.
Caros
Amigos,
Longe vão os
tempos em que os sectores de actividade se resumiam à dicotomia público ou
privado.
Com a queda
do colonialismo, logo surgiu em Cabo Verde um forte movimento cooperativo
virado, em essencial, para o combate ao alto custo de vida superveniente e ao
açambarcamento de bens essenciais por parte de alguns operadores económicos
individuais, e para evitar roturas na cadeia de abastecimento de víveres.
Era a época
das cooperativas de consumo. Surgiram várias iniciativas, um pouco por todo o
país.
Mais tarde,
apareceram cidadãos que se organizaram para produzir e para adquirir
propriedades. Pedreiros, carpinteiros, marceneiros, engenheiros, agricultores e
quadros se organizaram para produzir, para investir. Aqui na Praia, quem não se
lembra da Cooperativa de Construção Civil (CCC); da Cooperativa de Carpintaria
e Marcenaria do Meio da Achada? Quem, nesta ilha de Santiago, não se lembra da
Cooperativa de Marcenaria Leibnitz de Achada Fátima, ou da Cooperativa Várzea
de Sant’Ana, na região de Pico da Antónia? Quem, na ilha do Sal, e um pouco por
todo o Cabo Verde, não se lembrará das iniciativas de jovens quadros que,
reunindo lotes de terreno e recursos financeiros, formaram cooperativas para
construção de casa própria?
O movimento
teve tamanha implantação que logo surgiram estruturas para o seu enquadramento,
apoio e governo. Surgiriam então a Central de Cooperativas e a Federação
Nacional das Cooperativas. Jovens como o Estêvão, o Jacinto Santos, o Eugénio
Barros, o Aquiles Fontes, o Emídio Lima, o Ângelo Gonçalves, o Eurico Monteiro,
o Zeca de Cooperativa e muitos outros deram muito de si para o sucesso do
movimento
O movimento
cooperativo, no quadro do regime de partido único, foi por ele estimulado
enquanto estrutura de participação na distribuição de bens e de mobilização
política, sendo naturalmente por ele controlado.
Mas como
sempre acontece em movimentos dessa natureza o controlo não era e nem podia ser
absoluto. É interessante referir que boa parte dos activistas do movimento
cooperativo teve participação activa nas movimentações que conduziram às
alterações políticas da década de 1990.
Aliás, esse
aspecto contraditório pode ser surpreendido nas primeiras Bases Gerais das
Cooperativas. Ali, o movimento cooperativo que é definido como “um meio
privilegiado para o nosso povo se libertar da dominação e da exploração e se
libertar a si próprio, combatendo os efeitos e as tendências contrárias ao
progresso, no sentido de ser ele mesmo o motor do desenvolvimento da nossa
terra” (Decreto-Lei nº80 de 25/08/1979).
Minhas
senhoras e meus senhores,
Não obstante
a importância assumida, entre nós, por este sistema, as cooperativas de consumo
cedo desapareceram; a propriedade cooperativa não chegou longe.
Quando os
recursos disponíveis no mercado se mostraram manifestamente insuficientes para
as necessidades de financiamento do sector público e do sector privado, o
movimento cooperativo começou a declinar. Deixou-se de ouvir falar das grandes
Cooperativas; a Cooperativa de Construção Civil abriu falência; a própria
Central de Cooperativas entrou em declínio. Os magos do nosso modelo
cooperativo, os líderes do movimento cooperativo, buscaram novos horizontes
para se afirmarem. Parecia que o movimento já dera tudo o que tinha a dar.
A legislação
nacional continuou a consagrar o sector cooperativo, a par dos sectores público
e privado, mas sob novas bases. Às mudanças económicas e políticas ocorridas no
país corresponderam, oficialmente, novos entendimentos sobre as cooperativas,
com reflexo na reformulação das suas bases gerais, e com progressivo afastamento
do papel do Estado e maior responsabilização dos cooperados.
Esta nova
realidade enfraqueceu o movimento cooperativo
Minhas
senhoras e meus senhores,
A tendência
de deitar fora o bebé com a água do banho fez perigar o futuro do movimento,
mas não ditou o seu fim. Pode ter havido coisas menos boas, mas não há dúvidas
de que o cooperativismo tinha, e tem, os seus méritos. A reforma do sistema
cooperativo não poderia nunca passar pelo seu esvaziamento, mas antes por uma
sua melhor afinação.
As cooperativas
assumem, como sabemos, além de funções económicas, funções sociais e culturais
de suma importância, funcionando como um sistema capaz de gerar respostas às
necessidades concretas das populações, em especial as mais vulneráveis: além de
permitir o acesso a produtos de primeira necessidade, seja pela produção, seja
pela aquisição a preços mais adequados às capacidades das pessoas, as
cooperativas também adquiriram características outras, funcionando como espaço
de convívio e de discussão política, espaço de “socialização” de determinados
equipamentos (como TV, telefone) lugar para realizar actividades culturais,
etc.
«Com a implementação das cooperativas em Cabo
Verde, muitas pessoas passaram a estruturar suas vidas em torno das mesmas. A
actividade desenvolvida como membro passou a ser uma importante fonte de
recursos e a cooperativa um espaço de trocas e relações interpessoais. De um
modo geral, a actividade desenvolvida transformou-se numa alternativa económica
significativa num meio carente de soluções para os graves problemas de emprego
e subsistência» (Iolanda Évora).
Salta à
vista que mesmo nos dias de hoje, frente aos estruturais constrangimentos da
nossa economia, um sistema cooperativo de produção pode ser a solução e a
salvação de muitos pequenos agricultores e pequenos criadores de gado.
Fala-se
muito de clusters. E pensa-se sempre
grande quando se fala desse encadeamento de fornecedores e produtores. Mas isso
é válido, também, para o cluster da
carne, do leite e dos lacticínios: pequenos produtores de forragem e rações mais
pequenos criadores de gado mais pequenos (ou grandes) abatedores e
distribuidores de carne (em um segmento). Cooperativas reunindo os diversos
intervenientes do cluster têm tudo
para dar certo. E tudo quanto se diz em relação ao cluster da carne e dos lacticínios se pode dizer em relação à
produção de Aguardente de classe A - AGT – A; vinhos; doces e compotas de
frutas.
Minhas
senhoras e meus senhores,
Com a
redução drástica de lotes para construção da casa própria e a inevitável opção
pelo desenvolvimento na vertical das construções daí adveniente, resulta
evidente a necessidade de associação entre detentores de lotes para a promoção
de cooperativas de produção de fogos para si e para venda; entre concidadãos
com recursos financeiros para accionar cooperativas para aquisição originária
ou para compra de blocos de apartamentos ou condomínios. Ao contrário do que se
possa pensar, há vários nichos abertos ao movimento cooperativo. Precisam-se
novos magos e novos líderes. Serão também bem-vindos a experiência e o savoir-faire das lideranças de então,
para, em um pacto/parceria intergeracional, voltarem a pôr na estrada o
movimento cooperativo.
E nesse
regresso em força do movimento cooperativo, há um parceiro que pode assumir o
papel de chefe de fila do movimento. Falo da Federação Nacional das
Cooperativas - FENACOOP, uma instituição tão jovem e tão velha como a nossa
República e depositária de toda a experiência de negócios cooperativos.
Ademais, e não obstante sabermos ser esta uma ideia não consensual, algumas
reflexões apontam no sentido de que a sociedade cabo-verdiana será, por razões
históricas e culturais, um «terreno fértil» à prática do cooperativismo,
considerando as diversas formas de ajuda mútua que aqui foram sendo
desenvolvidas – djuda, djunta-mo, botu, etc.
Sabemos que
os tempos são outros e que serão necessárias contínuas adequações do espírito
que fundamenta o cooperativismo à realidade e necessidades actuais, mas das
visitas que fiz à Ilha Brava, ao Fogo, a São Vicente, a Santo Antão e a vários
municípios da Ilha de Santiago, não raras vezes vi-me confrontado com situações
que, parece-me, com recurso ao movimento cooperativo, enquanto vertente da
economia solidária, encontrariam saídas airosas, dignas e vantajosas. Para
todos os envolvidos. Mesmo a pressão sobre o mercado de trabalho poderia ganhar
algum afrouxamento.
Estamos,
portanto, diante de uma boa oportunidade para resolver uma mão-cheia de
situações, de aproveitar da melhor forma algumas vantagens competitivas,
transformando-as em posições de competitividade e de estimular valores sociais
democráticos, inerentes ao conceito de cooperativismo. Os jovens – e menos
jovens – que, desta feita, abraçarem o movimento, têm a oportunidade ímpar de
integrarem o campo da solução dos problemas do país. E ter o tino e o talento
de saber escolher entre ser parte dos problemas e ser parte das soluções faz
toda a diferença.
Caros
amigos,
Aproveitemos
este Ano Internacional das Cooperativas para uma profunda reflexão sobre tema
tão candente e importante para a nossa gente e para o nosso país.
Desejo à
FENACOOP, a seus promotores e às suas lideranças, os maiores sucessos nesta
retoma do movimento cooperativo.
Muito
obrigado.
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