Excelentíssimo
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Excelentíssimos
Senhores Eleitos Municipais,
Caros Munícipes,
Minhas senhoras e meus
Senhores,
Caros Amigos,
Esta visita ao
Concelho do Porto Novo encerra algumas particularidades que gostaria de destacar.
A primeira é que ela começa fora da ilha de Santo Antão, pois o primeiro
contacto com o Sr. Presidente da Câmara neste âmbito não teve lugar em solo
santatonense, mas sim na vizinha ilha de S. Vicente.
Este facto, se faz
ressaltar de forma muito clara as grandes dificuldades de acesso a uma das
regiões do Concelho, ilustra, simultaneamente, a estreitíssima relação que
existe entre as duas ilhas mais ao norte de Cabo Verde.
Na realidade, não
existe no nosso país duas ilhas com uma relação tão próxima e tão intensa como
a que se verifica entre Santo Antão e S. Vicente, mantida e ampliada por um
intercâmbio diário de milhares de pessoas que parecem, na azáfama do dia-a-dia,
apostadas em aproximar ainda mais essas duas ilhas que a geografia, a história
e a composição humana fizeram uma unidade quase perfeita na sua rica
diversidade.
Essas duas parcelas
da realidade nacional impõem uma profunda reflexão sobre as grandes vantagens
que a concepção do desenvolvimento numa perspectiva ampliada e integrada pode
ter. De facto, as pessoas, de forma espontânea, mas permanente, procuram
aproveitar as possibilidades de integração entre essas duas realidades. Tem
sido sempre assim ao longo da história e, ao que tudo indica, essa tendência
não deixará de se acentuar.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Não é possível
falar do desenvolvimento das ilhas de Santo Antão e S. Vicente sem que a
problemática da regionalização se imponha, ao menos como exercício teórico
obrigatório. Há que responder com clareza em que medida essa estreitíssima
relação não poderia ser ampliada com resultados muito positivos se a essa
intensíssima e espontânea relação entre as gentes das margens do Canal se
acrescentasse uma vertente de planificação integrada com os consequentes
instrumentos políticos e administrativos.
Nesse processo
seria importante ter em conta uma certa cultura de planificação de São Antão
que se iniciou nos finais dos anos setenta do século passado, conheceu os seus
dois primeiros Planos de Desenvolvimento na década de 1990 e agora, onze anos
depois, aprova o terceiro Plano que vigorará até 2016.
No entanto, e não
obstante a tradição da existência de plano na ilha, seria importante uma
reflexão crítica sobre os modelos, os impactos desses planos, bem como as
consequências de um interregno de onze anos para o desenvolvimento da ilha.
Este exercício
poderia trazer importantes benefícios para novos esforços de planificação, que
poderiam ir para além da ilha das montanhas. Pensamos que o aprofundamento da
experiencia de Santo Antão deve ser referenciada no âmbito do debate sobre a
regionalização e a descentralização, que como tenho defendido e parecem
constituir consenso, devem ser encarados nas perspectivas supra e
inframunicipal.
Minhas senhores e
meus senhores,
Um outro aspecto
que penso merecer destaque é o facto de, contrariamente às visitas que tenho
efectuado, esta não se iniciar por uma sessão solene nos Paços do Concelho, mas
numa região bem periférica, com sérios problemas de acesso.
Ao nos propor que o
nosso contacto com Porto Novo se iniciasse por Monte Trigo e por Tarrafal, o
Presidente Amadeu Cruz quis mostrar, de forma cabal, que, não obstante, as
grandes dificuldades de acesso e os inúmeros problemas que as populações dessas
localidades enfrentam, elas fazem parte do todo do Concelho e da ilha e
integram o espaço nacional. Com a minha presença, para além de me inteirar dos
problemas das pessoas, quis significar que, onde quer que exista um
cabo-verdiano, a Nação que represento está presente.
Acreditamos que
dificilmente se poderia encontrar forma mais eloquente de concretizar essa visão
do que me associar a um acontecimento que poderá ter efeitos extraordinários
para Monte Trigo.
O facto de essa
população poder passar a dispor de energia durante 24 horas, e de esse bem de
primeira necessidade resultar de uma interacção quase perfeita do homem com a
natureza, tem um fundo significado. Para além dos ganhos imediatos em matéria
de bem-estar e do desenvolvimento de actividades geradoras de rendimento, a
verificação de que os homens podem extrair da natureza, sem a agredir, um bem
tão precioso como a energia, deverá contribuir para mudar as mentalidades e as
atitudes em relação a um meio ambiente que deve ser sempre tratado com extremo
cuidado sob pena de, a prazo, estiolarem os seus recursos.
Se, num esforço
muito meritório, a Câmara Municipal conseguiu com o apoio de parceiros, esta
importante realização, nem todos os problemas desta região estão solucionados.
A questão do acesso continua a ser de muita importância, podendo assumir, em
caso de emergência, contornos dramáticos.
Igualmente o apoio
ao desenvolvimento da actividade piscatória, surge como muito relevante para as
populações locais, devendo merecer atenção particular a criação de condições
para a conservação do pescado.
Minhas Senhoras e
meus Senhores,
Acreditamos que
numa localidade como o Tarrafal, para além da crucial questão dos acessos
terrestre e marítimo, o apoio à pesca, à actividade agrícola e ao turismo
poderão ser fundamentais para a qualidade de vida das pessoas. Atrevo-me a
sugerir que uma reflexão séria sobre tais temas possa ter lugar entre os
habitantes desta região, isento de extremismos político-partidários que sejam
susceptíveis de cercear um adequado aproveitamento das potencialidades deste
espaço. Uma intervenção pedagógica dos responsáveis políticos no sentido de
ajudar as pessoas a entender e assumir que em democracia a divergência é
salutar e que ela deve conduzir às melhores soluções e não à paralisação, pode
ser determinante nessa, como em outras regiões onde se verifica a tendência
para a legítima paixão política se transformar em fanatismo imobilizador.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Este Concelho, que
se estende por dois terços da ilha, alberga mais de dezoito mil habitantes,
número praticamente igual ao da Ribeira Grande, Concelho mais populoso,
apresenta uma densidade populacional extremamente fraca de 32 habitantes / km2,
muito abaixo dos Concelhos do Paul (129 habitante /Km2) e Ribeira Grande (114
habitante/km2).
Porto Novo é o
único Concelho da ilha que tem apresentado evolução positiva da população, mas,
ainda assim, a sua taxa de crescimento de 0,5 fica muito abaixo da nacional que
é de 1,24.
Ainda que a
evolução populacional negativa da ilha nos últimos anos esteja mais relacionada
com a redução da taxa de natalidade, ela se deve também às limitações do seu
processo de desenvolvimento que, não obstante os importantes avanços
verificados, não tem estado à altura de satisfazer as necessidades da sua
gente, obrigando parcela importante a deixar a ilha.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Se a cidade de
Porto Novo constituiu-se no maior centro urbano de Santo Antão, abrigando mais
de metade da população do Concelho, ela dispõe de uma população rural muito
dispersa, o que levanta sérios problemas em termos do fornecimento dos serviços
essenciais como o abastecimento de água, o fornecimento de energia eléctrica a
prestação de cuidados de saúde, de educação entre outros.
Temos conhecimento
do esforço realizado para se garantir o abastecimento de água às populações do
meio rural, especialmente, das regiões onde não existem fontes aquíferas.
Acreditamos, assim,
que é fundamental uma profunda reflexão em torno da problemática do ordenamento
do território que permita articular os legítimos interesses das pessoas com a
capacidade e a racionalização da oferta de equipamentos e serviços colectivos.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Não se pode ignorar
a extrema importância de que se reveste a problemática da água no Concelho e do
esforço consentido pela Câmara Municipal no sentido de abastecer a população
com esse bem indispensável.
Cerca de 98 por
cento da população urbana é coberta pela rede pública domiciliária, percentagem
que se reduz para cerca de 47 por cento no meio rural, sendo o acesso à água
potável para a população restante assegurado por fontenário (25%) e
auto-tanques (18%) que recebem quantidades muito menores, e nem sempre de forma
regular.
Convém ressaltar
que esta apreciável cobertura tem exigido um esforço gigantesco da Câmara
Municipal que deve ser prosseguido com muita perseverança até que soluções
definitivas sejam encontradas.
Ao nível do
saneamento básico a realidade é muito mais preocupante, pois cerca de 42 por
cento da população urbana não dispõe de qualquer sistema de esgoto e a situação
no meio rural é ainda mais periclitante.
Não podemos deixar
de referir que, nestas áreas essenciais para a vida das populações e para o
desenvolvimento sócio-económico do Concelho, a articulação entre a Câmara
Municipal e o Governo não tem sido a mais desejável e exigível.
Em matéria de
abastecimento de água às populações urbanas e de saneamento do meio, as
relações entre esses órgãos de poder não são as mais adequadas, com claro
prejuízo para as populações.
Um dos meus
propósitos nesta visita é compreender melhor essa realidade para poder estudar
a melhor forma de contribuir par uma solução que beneficie todos os
portonovenses.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Quando o Concelho
de Porto Novo se encontra na ilha com as maiores desigualdades sociais e com
uma das maiores taxas de desemprego do país e se situa entre os Concelhos mais
pobres, não obstante as suas grandes potencialidades, especialmente na pesca,
no turismo e na indústria, é imperioso que todos os obstáculos sejam
ultrapassados, que o Concelho seja mesmo alvo de uma discriminação positiva que
o habilite, num período razoável, a ombrear com os outros municípios.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Essa perspectiva na
óptica da racionalização e da coordenação de esforços, mormente no plano
institucional, não deve ignorar as respostas possíveis que devem ser procuradas
localmente, através da optimização dos recursos e capacidades locais.
As intervenções que
a ONG Atelier Mar vem realizando na zona rural do Concelho, com o apoio da
Câmara Municipal merecem ser tidas em linha de conta, quando se ponderam
modelos de desenvolvimento a serem adoptados em determinadas áreas do meio
rural.
De facto, o
envolvimento das pessoas tem-lhes permitido diagnosticar e participar
activamente em actividades fundamentais para a sua subsistência e para sua
afirmação enquanto cidadãos. Em vinte e uma comunidades do meio rural de Porto
Novo, tem sido possível desenvolver um processo educativo baseado no conceito
de escola comunitária, introduzir novas tecnologias de cultivo, de prevenção de
pragas, regadio, armazenamento de pasto e processamento agro-alimentar.
O turismo solidário
em que há uma grande participação das pessoas é uma outra vertente dessa
intervenção cujo grande mérito é o seu envolvimento num quadro de estrito
respeito cultural e ambiental.
A revitalização do
cooperativismo, nas vertentes produção e distribuição, é um outro elemento que
tem dado resultados muito positivos e permitido aos seus membros enfrentar, com
sucesso, grande parte das suas dificuldades.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Todo este processo
que mais não é do que a materialização da filosofia da economia solidária, é
servido por um sistema de comunicação que tem na rádio comunitária rural um dos
seus pilares.
Acreditamos que
temos todos a aprender com a experiência realizada neste Concelho, que, muito
provavelmente, tem muito a ensinar a Cabo Verde em matéria de Economia
Solidária que, segundo estudiosos, é, em larga escala, praticada
espontaneamente no nosso país, cabendo aos responsáveis, estudá-la melhor,
sistematizá-la e apoiar os seus produtores.
Caros amigos,
Faltaria à verdade
se não reconhecesse que as palavras que me foram dirigidas, neste belíssimo
edifício ao serviço dos munícipes, provocaram um sentimento que ultrapassa as
circunstâncias protocolares. Foram pronunciadas com muita amizade e com
sinceridade própria das gentes desta ilha majestosa. Por isso, as agradeço,
reconhecidamente, e em troca, se é que posso expressar-me desta forma, reitero
o compromisso de, no limite das minhas forças e no estrito respeito pelos
poderes que me são conferidos, tudo fazer para que este concelho e suas gentes
possam ter condições de vida adequadas, ultrapassar os constrangimentos e
projectar novas realizações.
Estou seguro de que
estes dias entre as suas gentes habilitar-me-ão a estar melhor preparado para
contribuir para que esta linda e diversificada porção de Santo Antão e de um
dos grandes nomes da nossa literatura, Manuel Lopes, encontre os caminhos
decisivos do desenvolvimento social, económico e cultural.
Muito obrigado.
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