sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, aquando da Visita Oficial ao Concelho de Ribeira Grande de Santiago, 24 de Fevereiro de 2012

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Excelentíssimo Senhor Presidente da CM de Ribeira Grande de Santiago,
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Excelentíssimos Senhores Eleitos Municipais,
Caros Profissionais de Comunicação Social,
Caros Munícipes,                                                                
Minhas senhoras,
Meus Senhores,
Caros Amigos,

Visitar Ribeira Grande de Santiago tem um significado muito especial: o do reencontro connosco, com o passado, com a história, o sabor de um regresso às origens.

O clima deste pedaço onde se pode dizer tudo começou é tão particular que essa viagem ao passado, tantos séculos depois, parece assumir a dimensão do concreto, dando a impressão de que basta pisar este chão para, rapidamente, se experimentar o sentimento de continuidade, de perenidade, de permanência na transformação constante.


Sim, tudo começou aqui, na primeira cidade da primeira ilha: a luta contra a escravidão, a resistência às adversas condições materiais e sociais de vida, a resposta a essa realidade humana diversa, contraditória e não raras vezes violenta, pela e com a edificação de uma cultura resultante do entrelaçar de povos, de permuta de valores, de corpos, de línguas, de religiões e pontuada de traços de heroísmo e de fraquezas. Aqui, pode dizer-se, se situa e se tece o poema «Prelúdio» de Jorge Barbosa.

Aqui nascemos todos e continuamos a nascer, num renovar constante do compromisso com a terra, com a cultura, com cabo verde, connosco mesmo e com o mundo, que sempre foi parte integrante do nosso mundo e com o qual, através do mar que separa e une, sempre mantivemos relações a um tempo estreitas e distantes.

Senhor Presidente,
Minhas senhoras e meus senhores,

A elevação da Cidade Velha à categoria de património mundial é um processo prenhe de lições, que, para além do justificadíssimo orgulho que desperta nos nossos corações, deve inspirar-nos na busca de caminhos que conduzam à realização das legítimas aspirações do povo cabo-verdiano.

Por que é que a Cidade Velha foi considerada património mundial? Em primeiro lugar, porque aqui, de facto, aspectos marcantes da trajectória da humanidade foram escritos com a vida, com a morte, com o sofrimento, com perseverança e com criatividade.

Porque, apesar das distâncias, a vida neste espaço sempre esteve estreitamente ligada ao resto do mundo e, por seu intermédio, ao resto da humanidade. Esta encontrou neste local um cenário para corporizar determinadas facetas suas que ficaram imortalizadas na alma da sua gente e no património material da cidade velha. 

Sobretudo, e citando Germano Almeida, «por aquilo que significa em termos de berço de um caldeamento de povos das mais díspares origens e culturas que ali se encontraram e se misturaram e se miscigenaram, acabando por criar uma espécie de “raça humana” feita em todas as cores».

Mas o facto de a cidade preencher as condições para ser considerada património mundial da humanidade não implica que este importantíssimo título tenha sido outorgado de forma singela e imediata. 

A realidade foi bem diferente. O resultado final é o coroar de um longo processo que envolveu o município, o governo central, a cooperação internacional e especialistas de renome.

Há que reconhecer que, sem tal esforço muito árduo e que exigiu bastante determinação e persistência, a difícil tarefa não teria o desfecho que se conhece.

Senhor Presidente da Câmara,

Agradeço do fundo do coração o facto de o município me ter entregue as chaves da cidade e agraciado com o título de cidadão honorário, bem como as amáveis palavras que acabo de escutar e que me foram dirigidas que aceito com amizade e humildade.

Receber a minha primeira distinção enquanto chefe de estado, na Ribeira Grande de Santiago, tem para mim um significado muito especial que vai para além da generosidade deste município e do seu presidente.

Num certo sentido, as distinções que acabo de receber representam o reafirmar do compromisso solene de colocar todas as minhas energias ao serviço do nosso povo, procurando contribuir para o seu bem-estar mas também para a preservação da sua memória, para o engrandecimento das suas história e cultura.

Minhas senhoras e meus senhores,

Como referi, o processo através do qual a cidade velha se alcandorou a património mundial reflectiu as suas condições objectivas mas também e, sobretudo, uma grande conjugação de esforços de diferentes esferas.

Esse esforço merece, pois, ser reconhecido. Mais do que isso, esse esforço necessita ser intensificado porque a manutenção do título exige uma intervenção permanente que, se não for adequada, pode fazer perigar tal distinção e os benefícios dela advenientes para o município e para as suas gentes.

A conjugação de esforços mais do que nunca precisa ser perpetuada, pois que apenas ela evitará que a pressão das pessoas seja um factor de descaracterização do meio, que políticas nas esferas do turismo cultural e da preservação do meio sejam desenvolvidas com êxito e que a participação da população nos rendimentos gerados seja real.

Como facilmente se compreende, essa articulação é essencial para que políticas adequadas e eficazes em termos de urbanização, capacitação dos recursos humanos, programação cultural e de lazer, entre outros, tenham êxito.

Penso que a reedição do processo que levou à elevação da cidade velha à condição de património mundial pode e deve ser assumido, pois a importância da cidade velha ultrapassa as dimensões do concelho, da ilha e do país.

Minhas senhoras e meus senhores,

Se a vida no concelho tem de girar em grande parte à volta das potencialidades turísticas, simbólicas e culturais da condição de património mundial da primeira cidade europeia dos trópicos, ela não se esgota nessa condição.

Outros segmentos que foram aqui explicitadas pelo Presidente da Câmara têm de ser considerados porque dizem respeito à vida das pessoas e porque, naturalmente, têm reflexo no aproveitamento dessa condição.

Caros amigos,

Numa conjuntura em que as nossas dificuldades são bem maiores e complexas, e em que o esforço para ultrapassar os constrangimentos são decisivos, importa, como passo indispensável, equacionar modelos capazes de nos aproximar do patamar do desenvolvimento inclusivo e sustentável.

Isto significa dizer que um conjunto complexo de questões que garantem acesso amplo e democrático ao espaço territorial e social, de forma inclusiva e ambientalmente sustentável, devem merecer a intervenção muito bem planeada dos diversos agentes, de modo a não ficarmos todos atolados nos mesmos problemas. Penso, especificamente, nas necessárias escolhas em termos da descentralização.

Ainda que as leituras possam não ser coincidentes, pode-se afirmar que existe um certo consenso segundo o qual a descentralização, com uma componente regionalizadora, é inevitável, faltando precisar os contornos que devem-se assumir.

O poder local tem-se revelado como uma poderosa alavanca na solução dos problemas das pessoas e tem exibido grande potencial na chamada cooperação descentralizada.

A cooperação descentralizada, o reforço da descentralização tributária e a autonomia relativa do poder local para contrair empréstimos podem e devem ser as grandes bandeiras da nova vaga de descentralização. Isso, por um lado. Que, por outro, importará que haja uma definição clara e firme em matérias como a qualidade das despesas e a submissão aos limites da política externa do país, como condições para se ganhar ou para se perder tanto o poder tributário, como a capacidade de se endividar e a autonomia na cooperação descentralizada.

Porém o marco institucional em que se move o poder local mostra-se claramente desfasado relativamente à realidade actual, acontecendo o mesmo com a medida e os critérios dos recursos colocados à sua disposição.

É muito importante dotar essas estruturas de condições que lhes permitam assumir na plenitude a sua condição de instâncias mais próximas das pessoas e, por isso, com maiores possibilidades de atender às suas reivindicações e de se mobilizar, mormente num contexto de crise generalizada que clama pela mobilização de todas as sinergias.

Senhor Presidente,
Assembleia Municipal
Câmara Municipal

A proximidade e a interdependência dos concelhos da Ribeira Grande de Santiago, da Praia e de S. Domingos talvez impõem que novas configurações político-administrativas sejam encaradas, sejam avaliadas.

Uma integração desses três concelhos numa grande região metropolitana, como tenho defendido, poderá significar importantes ganhos nas esferas da planificação e da racionalização de recursos.

Igualmente, a possibilidade de criação de autarquias inframunicipais deve ser encarada seriamente pois permitirá a extensão e o aprofundamento da democracia.

Todas essas possibilidades importarão uma redefinição das relações entre os poderes central e local com consequências na redistribuição dos recursos.    

A materialização desse processo não será tarefa fácil, mas, exactamente por isso, o debate deve ser iniciado logo que possível, sem entraves, sem tabus, sem fantasmas.

Senhor Presidente da Câmara,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Minhas senhoras e meus senhores,

Como já me referi, a discussão em torno da problemática dos modelos de descentralização e regionalização não podem fazer esquecer os problemas que actualmente afligem as populações e que, não obstante os avanços verificados no quadro da intervenção da câmara municipal, continuam ainda muito significativos, e cuja solução exige também meios de que a câmara não dispõe.

Pelo seu impacto na vida de todo o concelho, destaco a questão do acesso à cidade velha. Essa via é de primordial importância pois é por ela que os visitantes que se pretende atrair chegam à cidade.

É essencial que ela permita um acesso rápido, seguro e confortável. Sem dúvida que ela valorizará, de forma significativa, os investimentos nas áreas hoteleira, de restauração, de produção e animação cultural.

Mas vias de acesso no interior do concelho merecem, também, atenção particular pois se persistirem as grandes limitações na circulação de pessoas e bens no interior do concelho, a participação das pessoas e a integração do espaço municipal continuarão comprometidas.

A criação de emprego e de rendimento, o acesso ao ensino, do pré-escolar ao universitário, a adequação das moradias ao meio mas igualmente às necessidades das famílias, o combate ao uso abusivo do álcool, o acesso a água potável por parte de algumas comunidades, a formação profissional, a oferta de estruturas para ocupação dos tempos livres dos jovens são alguns dos desafios que devem continuar a constar da agenda dos vários actores que interagem neste espaço, e que não poderiam deixar de ser associados nesta oportunidade. Estes são combates que terão de ser travados por seja qual for o executivo que emergir das eleições autárquicas.

Alguns destes desafios reproduzem-se um pouco por todo o território nacional, não obstante as especificidades assumidas em cada parte do todo, e, sobretudo, num contexto como o actual, devem ser energicamente enfrentados, lançando mãos das nossas potencialidades, das nossas energias e da nossa vontade histórica de vencer.

Depois de contactar as populações, as forças vivas, os jovens e de aprofundar o contacto com as autoridades locais, estarei, no entanto, em muito melhores condições para contribuir, no quadro das minhas atribuições, para o equacionamento e resolução de alguns dos problemas que afligem a população. Juntos temos que ser capazes de localizar os problemas e, igualmente, diagnosticar os remédios.

Como forma de contribuir para a melhoria dos conhecimentos dos jovens desse município e para a uma saudável ocupação dos seus tempos livres, pretendo hoje fazer uma entrega simbólica de obras científicas e de cultura geral para reforçar o acervo local.

Minhas senhoras e meus senhores,

Tomo a liberdade de vos dizer como é do vosso conhecimento, estamos a comemorar o vigésimo aniversário da Constituição da República que, para ser de facto materializada, necessita ser conhecida, divulgada. Assim, nos diversos encontros que tenho mantido com jovens dos diferentes pontos do país, a constituição da democracia e do estado de direito tem sido um tema sempre abordado.

E a reacção tem sido muito positiva e estimulante.

Nessa linha, diversas actividades estão a ser preparadas na Presidência da República, com destaque para conferências e debates e singulares acções nas escolas. Gostaria aqui de desafiar aqui o município da Ribeira Grande de Santiago a aderir a esse movimento, assumindo concretamente uma parceria connosco no sentido da realização de um fórum aqui no berço da nacionalidade que incidirá sobre os aspectos da nossa Constituição relacionados com a chamada cabo-verdianidade, categoria que tem as suas raízes fincadas neste solo mas que se espalha e se enriquece nos quatro cantos do mundo.

Minhas senhoras e meus senhores,

Não podia terminar sem agradecer mais uma vez a calorosa e simbólica recepção que me foi reservada e reafirmar a minha determinação de tudo fazer, no quadro dos poderes que me são conferidos, para que as dificuldades e os condicionalismos que marcam o desenvolvimento deste município e deste concelho sejam progressivamente superados, para que a capital da nossa história tenha a dignidade que merece e todos merecemos. Outrossim, para que eu mereça a distinção que me concederam outorgando-me o título de cidadão honorário.

Muito obrigado.

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