domingo, 23 de outubro de 2011

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, aquando da Visita Oficial a ilha da Brava, 23 a 24 de Outubro de 2011

 

Exmo. Sr. Presidente da Camara Municipal da Brava,
Exmo Senhor Presidente da Assembleia Municipal da Brava,
Exmos Senhores Juiz e Procurador da República da Comarca da Brava,
Exmas Autoridades Civis, Militares e Religiosas,
Minhas Senhoras, meus Senhores,
População da Brava,
Caríssimos Amigos,


Primeiramente queria, de forma, muito sincera, agradecer as generosas palavras que me foram dirigidas, neste meu retorno a casa. Palavras que, aliás, se inscrevem no fraternal acolhimento morabi desta terra de que tanto eu como os meus colaboradores têm vindo a beneficiar desde que chegámos à furna anteontem à noite. Foi assim também ontem no memorável encontro com as forças vivas da ilha no auditório.
Com esta deslocação à brava, inicio a minha “primeira visita a cabo verde”. Na realidade esta é a primeira vez que deixo o palácio da presidência com o objectivo expresso de me dirigir às comunidades, de ir ao encontro dos cabo-verdianos, de todos os cabo-verdianos, na qualidade de presidente da Republica.
 
Até agora participei no palácio ou fora dele de importantes cerimónias oficiais, mas a partir de hoje inicio uma caminhada que durará aproximadamente cinco anos ao centro das preocupações dos nossos compatriotas espalhados pelos quatro cantos do mundo mas que têm como referencia a extensão física e cultural que vai da brava a santo antão.
 
É desta simbólica ponta da nossa terra que me dirijo a todos os que neste país e em todo o mundo constroem a nossa pátria, edificam o nosso país, engrandecem cabo verde.
 
No passado dia nove de setembro assumi, na cidade da praia de santa maria, capital da republica, formalmente as funções de presidente da republica, oportunidade que aproveitei para, dirigindo-me aos cabo-verdianos e aos parceiros de desenvolvimento e amigos de cabo verde, informar acerca do meu pensamento relativamente aos diferentes aspectos da vida do país e sobre o modo como pretendo, em ligação com os outros órgãos de soberania, mas sobretudo, com os cabo-verdianos de todos os quadrantes políticos, participar da exaltante tarefa de busca da felicidade para todos.

Da capital falei ao mundo. Da cidade de nova sintra falo de novo ao mundo mas mais directamente ao nosso mundo, aos cabo-verdianos residentes no país e no estrangeiro. Ao falar-lhes, exercito um dos compromissos então assumidos, qual seja a de dialogar permanentemente com as pessoas, directamente ou através dos seus órgãos representativos. Falo para reiterar os compromissos então solenemente assumidos, especialmente o de fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que as aspirações dos homens e mulheres que carregam este país sejam realidade.

Como sabeis não cabe ao presidente conceber e efectivar políticas públicas nas diferentes áreas de actividade. Esta incumbência é da responsabilidade do governo legítimo do país que, através do seu programa, procura encontrar as melhores soluções para os problemas de todos.
 
Ao presidente cabe avaliar, apoiar, incentivar, criticar ou aplaudir as soluções preconizadas e, sempre que possível, apontar caminhos que possam ser os mais apropriados aos interesses do país.
 
Para que esse papel possa ser adequadamente assumido, o presidente não pode ater-se apenas aos seus conceitos e ideias. Para além destes, tem de ouvir e ponderar os diferentes argumentos do governo mas sobretudo auscultar a sociedade.
 
Esta primeira visita situa-se nesta perspectiva, nessa linha de diálogo permanente com os agentes políticos e sociais, e, sempre que possível, a partir de realidades concretas do país, de suas instituições e da vida das pessoas. Apenas desta forma o presidente poderá de facto ajudar de forma construtiva e crítica o executivo cabo-verdiano a encontrar as melhores soluções nas diferentes áreas.
 
Apenas assim cabo verde sairá a ganhar nas diferentes esferas. Por esta via o nosso país terá maiores possibilidades de encontrar as respostas mais adequadas, justas e eficazes nos domínios da economia e do emprego, da educação, da diplomacia ou da promoção social.
 
Minhas senhoras e meus senhores,
caros amigos,
 
Há pouco mais de um mês o país iniciou uma nova era em termos de relacionamento politico, caracterizado pelo facto de pela primeira vez o governo e o presidente não serem originários da mesma área politica.
 
Como sabeis o povo decidiu que a gestão política do país passasse a contar com uma relação de chamada coabitação. Trata-se de uma realidade completamente nova entre nós, mas como assinalei, prenhe de possibilidades: um governo que emana de resultados claros de eleições legislativas e um presidente também legitimado por expressivo voto popular. O facto, normal em democracia, de serem originários de áreas politicas diferentes, longe de representar uma limitação, pode, desde que bem compreendido, aceite e aproveitado, constituir uma grande vantagem pois permite que a realidade possa ser encarada de prismas diferentes e por isso de forma mais rica. 

Ainda que esta nova realidade tenha muto pouco tempo de existência, que a experiencia seja muito recente e por isso seja muito cedo para se fazer qualquer balanço, acredito firmemente nas suas potencialidades e que creio que, se bem potenciadas, poderão ser uma mais valia para todos.
 
No que me diz respeito, confesso que estes primeiros tempos têm sido de uma aprendizagem muito positiva, e têm contribuído para reforçar a convicção de que esta é uma via a ser plenamente explorada
 
Tudo continuarei a fazer para que esta relação seja a mais proveitosa possível para o país e para os cabo-verdianos.
 
Minhas senhoras e meus senhores,
 
O mundo enfrenta hoje uma crise financeira sem precedentes e que naturalmente tem repercussões entre nós. Boa parte dos nossos parceiros de desenvolvimento encontra-se em situação de dificuldades às quais naturalmente não somos imunes. As repercussões poderão ocorrer ao nível dos investimentos e do emprego, com reflexos negativos na área social. Igualmente a situação afecta negativamente as nossas comunidades emigradas, pois grande parte dos países de acolhimento estão sendo afectados pela crise.
 
A situação não é boa mas seguramente não é desesperadora. Para além das medidas que certamente serão adoptadas, tendo em vista amortecer e atenuar os impactos negativos especialmente junto dos mais desprotegidos, é necessário aprimorar o espírito de solidariedade social, particularmente nas ilhas em que o ano agrícola ficou aquém das expectativas.
 
Através de intervenções apropriadas a partir dos pertinentes diagnósticos que os órgãos competentes não deixarão de realizar, estou seguro de que as medidas apropriadas, especialmente as dirigidas aos mais carenciados, serão tomadas.
 
Naturalmente que as grandes preocupações de ordem económica e social não nos devem fazer perder de vista a vertente cultural da nossa realidade. É através da cultura que a singularidade cabo-verdiana se afirma, que a nossa existência no mundo adquire sentido, até porque ela acaba por ser a síntese criativa de todas as dimensões da vida.
 
Inspirado na grandeza, originalidade e universalidade de Eugénio Tavares, continuarei, na qualidade de presidente da república e de cabo-verdiano amante da nossa cultura, atento a todas as grandes manifestações culturais, incentivando os criadores e promotores culturais e apoiando as politicas adequadas para o sector.   
  
Minhas senhoras e meus senhores,
Caros Bravenses,
 
Porque iniciar a vista a cabo verde pela ilha da brava? Porque começar pelo chão de Eugénio Tavares? Exactamente por ser o chão de um dos esteios maiores da nossa cultura, cimento da nossa cabo-verdianidade. Aqui uma parte essencial da nossa identidade foi e continua a ser construída. Por isso faz todo o sentido iniciar a visita a cabo verde por esta ilha.
 
Mas a brava também inscreve-se na perfeição num conjunto de preocupações que estão sempre presentes na mente do presidente. A nível nacional é provável que seja a ilha mais periférica do país. A brava tem conhecido limitações no processo de desenvolvimento que ainda se caracteriza por acentuadas assimetrias. Por isso tem todo o sentido começar por aqui este processo de escuta, de diálogo, fundamental para que a contribuição para o equacionamento e solução dos problemas assente na realidade das pessoas.
 
Esta parte do todo nacional tem conhecido uma progressiva e acentuada redução da população, indicador que, por si só, atesta que o processo de desenvolvimento, no concernente à ilha, merece ser repensado. Que algo vai mal nesta ilha.
 
É provável que as grandes potencialidades locais necessitem ser melhor aproveitadas, pois apenas assim a população terá, para além de factores culturais e familiares, razões para permanecer e fecundar o seu chão.
 
Seguramente não será uma tarefa fácil. É provável que os esforços que as autoridades locais e centrais têm desenvolvido nessa direcção necessitem ser intensificados de forma a poderem atrair investimentos nomeadamente dos bravenses emigrados.
 
A área dos transportes marítimos, não obstante o importante avanço que hoje permite uma ligação quase diária com a vizinha ilha do fogo, continua a merecer atenção particular, nomeadamente em determinadas épocas do ano.
 
Minhas Senhoras e meus Senhores,
 
Entendo que um sistema de transporte marítimo regular, seguro e confortável tem uma dimensão estruturante para o desenvolvimento sócio-económico da ilha e para a sua integração definitiva no todo nacional.
 
Complementarmente os transportes aéreos revelam-se fulcrais para o desenvolvimento da brava. O facto da construção de um aeroporto ser tecnicamente viável, não obstante os investimentos que exigirá, é muito importante.
 
Os esforços no sentido da concretização desse importante sonho necessário, merecerão todo o apoio do presidente da republica, que igualmente dedicará grande parte da sua atenção ao estímulo à construção de um heliporto e à aquisição dos meios necessários ao socorro das pessoas em situação de emergência.
 
Da resolução dessas importantes questões, como da ampliação do cais depende em larga medida todo o processo de desenvolvimento da ilha, numa perspectiva integrada com a vizinha ilha do vulcão, particularmente se atentarmos para o facto de as características da brava oferecerem condições muito especiais para o florescimento de um turismo de qualidade e numa perspectiva solidária.
 
Acreditamos que todas autoridades estarão empenhadas no equacionamento dessas importantes questões que são fundamentais para atrair o investimento dos emigrantes bravenses e de outras origens.
 
O preço da água, problema maior da agricultura, e que afectará também o crescimento da hotelaria e restauração, apesar de complexo, deve ser encarado de forma prioritária.
 
O sector das pescas, apesar de possuir grandes potencialidades e de ser considerado muito importante para a ilha e, eventualmente, para uma região em que esta se integre, conhece uma grande retracção devido à desmotivação dos pescadores, cujo número vem decrescendo e à obsolescência dos barcos, equipamentos e organização.
 
Pelos empregos que pode gerar, pela demanda regional que pode atender e pelo impacto positivo na dieta alimentar, essa actividade deve merecer uma atenção particular e mais cuidada.
 
Ainda que não muito numerosa, a juventude da ilha vem enfrentado problemas que espero melhor conhecer durante a minha estadia na ilha e muito particularmente através do diálogo directo que travarei esta tarde com os jovens.
 
Contudo, preocupa-me a problemática da formação profissional local bem como as questões relacionadas com o uso de substâncias psicoativas que devem ser encaradas com determinação, sempre nas perspectivas preventiva e de tratamento.
 
Minhas senhoras e meus senhores,
 
Como cantou o grande Eugénio Tavares,” si ca bado ca ta birado”. Sim, vim a esta ilha, comecei por esta emblemática ponta sul de cabo verde, o meu périplo ao coração do país, de onde não pretendo sair, para poder ter o pretexto do regresso, seguramente não para verificar a resolução definitiva dos seus inúmeros problemas. Virei bem antes, para testemunhar a possível realização de algo que defendo com todas as minas energias: a elaboração de um plano de desenvolvimento da brava, integrado na região a que pertence e que dê corpo a um processo de discriminação positiva de uma das parcelas injustamente mais esquecidas de cabo verde. Forma que traduziria seguramente a efectivação do que defendi ao longo de toda a minha acção enquanto candidato presidencial: a realização do princípio – com guarida constitucional – de igualde de oportunidades entre toadas as ilhas, concelhos e regiões do país.

Como disse noutra ocasião e noutras circunstâncias, não pode haver uma fatalidade, qual seja a de a ilha não poder deixar de ser a brava ilha da solidão.
 
Muito obrigado a todos.    

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