Os
cabo-verdianos construíram a sua identidade ao longo de séculos de luta
permanente contra as adversidades da natureza, contra a incúria dos poderes
coloniais, remando sempre contra a maré e contra os ventos poderosos da desdita
e do esquecimento.
A
Cultura, a nossa segunda natureza, contém essa difícil relação com um meio,
muito difícil, por vezes hostil, mas, igualmente, com a nossa capacidade de
criar, de engendrar o Belo, na música, na poesia, na dança, na ficção, nas
artes cénicas, nas artes plásticas, num processo claro de humanização.
A
nossa língua, o nosso modo de ser, a nossa forma de amar, de criar, a nossa
Cultura, consubstanciam, são, pode dizer-se, nossa Pátria. Os seus alicerces
são o nosso chão, as nossas ilhas. Mas a Cultura as transcendeu, dando à Pátria
uma dimensão quase infinita, ultrapassando a limitação física, engendrando uma
mesma alma em seres que nunca pisaram o solo que a originou.
Assim,
continuamos a ser nós, a principal riqueza de Cabo Verde, nós, mulheres e
homens deste querido torrão - ainda que nem sempre tenhamos o nosso umbigo nele
enterrado -, com a nossa marca singular.
A
Cultura é, pois, a alma de um povo, a sua marca, seu selo, sua condição de
sucesso. Por isso, no Dia Nacional da Cultura e das Comunidades, mister se
torna reforçar as mensagens que tenho transmitido, a saber:
·
Os responsáveis pela
criação e divulgação da nossa Cultura, no arquipélago e na diáspora, devem reforçar
a mensagem de, sem qualquer tipo de interferência na liberdade criativa,
engajamento e comprometimento com uma maior integração entre todos, sem nunca
abdicar da perspectiva universal que a Cultura deve conter.
·
Um maior intercâmbio
dos produtores de cultura residentes no arquipélago com os estão na diáspora só
poderá se redundar em reforço da qualidade e diversidade das nossas
manifestações culturais.
·
Uma maior, e mais livre
circulação, dos nossos artistas e artesãos pelos territórios da Comunidade dos
POVOS de Língua Portuguesa, um velho sonho dos nossos artistas, precisa ser
equacionado, integrado e levado a cabo na agenda da CPLP.
·
A criação sistemática
de condições objectivas (físicas, organizativas, de ensino e legais) e de
incentivos que permitam aos criadores desenvolveram a sua arte com liberdade
absoluta.
·
É fundamental que os
criadores tenham todo o protagonismo na promoção e divulgação da arte,
evitando-se a tentação no sentido da manipulação desta nobre actividade para
fins que lhe são estranhos.
Gostaria
de saudar a recente criação da Academia Cabo-verdiana de Letras, instituição
congregadora dos escritores do país que, na linha dos nomes sonantes da nossa
literatura, pretende honrar, perpetuar e desenvolver uma das áreas através da
qual o génio criador do cabo-verdiano mais se tem concretizado.
Neste
dia de hoje – 18 de Outubro – instituído como o Dia Nacional da Cultura e das
Comunidades, em que a
Nação Cabo-verdiana prestigia e dignifica a sua cultura e homenageia, também,
um distinto e nobre filho destas ilhas - Eugénio Tavares - nascido neste dia,
em 1867, permitam-me honrar a memória e recordar este nome marcante da nossa
história cultural, jornalista, dramaturgo, pensador, ficcionista e poeta,
funcionário público e político destemido, activista cívico e cultural, um dos
maiores compositores da morna e grande intérprete da alma cabo-verdiana, em
toda a sua grandeza, contribuindo, de forma multifacetada e decisiva, para uma
identidade muito própria enquanto povo ilhéu.
Permitam-me, igualmente, recordar,
de forma saudosa, três nomes sonantes da nossa cultura – Cesária Évora, Bana e
Sema Lopi - três ilustres filhos deste torrão que, recentemente, nos deixaram fisicamente,
mas, porque encarnaram valores essenciais da nossa identidade cultural, serão sempre
lembrados, honrados, perpetuados e cantados.
A
trajectória destas ilustres figuras da nossa Cultura deve servir de inspiração
na importante e complexa caminhada que visa o reconhecimento da Morna como
Património Imaterial da Humanidade.
Aos
nossos jovens, no país e na diáspora, costumo pedir que, inspirados nos grandes
exemplos e modelos de homens e mulheres cabo-verdianos, participem e ajudem a
moldar a nossa alma, a alma do cabo-verdiano, que não fenece, não desaparece,
não morre; que ponham toda a sua inteligência, criatividade e irreverência, ao
serviço da nossa terra, levantando-a e elevando-a aos céus, a roçar o infinito.
O Dia 18 de Outubro – Dia Nacional da Cultura e das
Comunidades - é também o momento de lembrar, com carinho e gratidão, as nossas Comunidades,
espalhadas pelos quatro cantos do mundo, e reconhecer o papel de extrema
importância que a diáspora cabo-verdiana tem desempenhado na afirmação da
independência, no desenvolvimento de Cabo Verde, na construção da nossa
democracia, e na perenização da nossa cultura.
No dia de hoje, em particular, devemos lembrar a
dimensão cultural da nossa comunidade diaspórica que, mesmo longe, conserva as
tradições mais vivas e fecundas herdadas da terra natal. Mantidas, quase
intactas e orgulhosamente, na alma dos que partem, as comunidades
cabo-verdianas fora do país têm muito contribuído para a garantia do sentido de
pertença e de identidade da nossa Nação.
Esta
parcela da nação cabo-verdiana está e estará sempre no centro das atenções do
Presidente da República, traduzidas, primeiramente, numa actuação que promova o
reforço do seu sentimento de pertença a esta Nação, através do estímulo a
acções que tenham em vista o recorte da identidade cultural e a ampliação da sua
participação política.
A
integração das nossas comunidades nos países de acolhimento tem sido uma das minhas
prioridades. Continuarei a exercer a minha magistratura de influência nessa
direcção, concedendo uma atenção particular a comunidades que se encontram em
situação especialmente precária.
No
dia em que celebramos a nossa Cultura, cimento que une os cabo-verdianos
residentes e os da diáspora, retomo extracto de uma mensagem à Nação que traduz
o meu sentimento, profundo e verdadeiro, enquanto cidadão orgulhoso de ser
cabo-verdiano e de partilhar a identidade e a alma que nos molda como Povo: «Renovo a minha grande confiança na
capacidade e na tenacidade com que mulheres e homens, nas queridas ilhas e na
diáspora, engrandecem, no seu dia-a-dia, esta Pátria de Cabral, de canizado e
bandeiras, de Eugénio Tavares e Cesária Évora, de pedaços do universo muitos,
da morna e do funaná, de B.Leza, de poesia e dança, de claridade e bruma, de
teatro e de Ildo Lobo, de Sema Lopi, de Baltazar Lopes e Bana, de caras e
sorrisos vastos e lindos, de Arménio Vieira e de muitas cores, de enormes e
misteriosos mares, de Travadinha, de Bibinha Cabral e de Djidjinho, mas também
de crenças, revoltas e volúveis montanhas, castanhas, roxas, verdes, esta
Pátria de esperança e de fundo azul a bordejar o devir colectivo. Em Sal-Rei,
em Brockton, na Ribeira de Craquinha, na Buraca e no Príncipe, na Cova de Joana
e Achada Lagoa, no Morrinho, em Ponta Verde e Ponta do Sol, na Covoada e em S.
Paulo, onde quer que haja a inscrição do nome, onde se vislumbrar um pedaço de
Cabo Verde.»
Sem comentários:
Enviar um comentário