quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Discurso pronunciado por sua Excelência o Presidente da República, por ocasião da Cerimónia de abertura do VI Congresso da CMLP, II Congresso da OMC e VIII Congresso de Saúde Mental dos Países de Língua Portuguesa, Praia, 16 de Janeiro de 2013



Excelências,
Senhora Ministra Adjunta e da Saúde, Dra. Cristina Fontes Lima
Senhor Presidente Camara Municipal da Praia, Dr. Ulisses Correia e Silva
Senhor Representante da Comissão Organizadora, Dra. Maria da Luz Lima
Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos, Dr. Júlio Andrade
Senhor Representante da Associação de Saúde Mental de Língua Portuguesa, Dr. Daniel Ferreira
Senhor Representante dos participantes de países estrangeiros, Dr. Aurélio Vilhão
Prezados Congressistas,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

A Constituição cabo-verdiana estatui que «Todos têm direito à saúde e o dever de a promover independentemente da sua condição económica» e que «Para garantir o direito à saúde incumbe ao Estado criar as condições para o acesso universal dos cidadãos aos cuidados de saúde»


Ao iniciar esta intervenção com referência a dispositivos da Lei Fundamental da República, directamente relacionados com a saúde, pretendo significar a grande importância que atribuo a este evento e, igualmente, que assumo, de forma inequívoca e incondicionada, o papel que por ela me foi atribuído. Razão por que pretendo tudo fazer para que a sua realização seja tendencial e progressivamente plena, para todas as pessoas e em todos os domínios.

Aliás, o tema central do Congresso que ora se inicia «Governação em saúde, um compromisso para a melhoria dos cuidados» vem na linha da criação de condições para a o efectivo exercício desse direito, consagrado em todas as Constituições democráticas.
Ainda que as entidades aqui reunidas não integrem o aparelho de Estado e, por isso, as suas deliberações não sejam vinculativas, a importância das reflexões serão particularmente importantes para os decisores políticos, pois resultam do labor intelectual de quem está, no dia-a-dia, em estreita ligação com os sujeitos de direitos consagrados na Constituição cuja concretização, em larga medida, incumbe ao Estado e mais especialmente aos Governos.

Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Não duvido, naturalmente, que o exercício real do direito à saúde envolve uma grande complexidade, estando na estreita dependência de factores que, por um lado, escapam ao sector estrito da saúde e, por outro, não são de fácil efectivação.

Reconheço que nem sempre estão reunidas todas as condições para o seu efectivo exercício, o que muitas vezes, também, é utilizado como argumento para  o não cumprimento de metas fixadas  em compromissos políticos assumidos.

Assim, o conhecimento que se pode ter, a partir de determinados indicadores, do grau de realização desse direito, deve permitir avaliar em que medida os meios existentes estão, de facto, a ser utilizados para a realização desse direito fundamental que é o direito à saúde.

O papel da sociedade civil nesse particular é crucial, especialmente em tempos de crise nos quais a tentação para a redução de investimentos no sector social é muito grande, com consequências indesejáveis, especialmente, para os mais pobres. 

Sabemos que existe uma relação cada vez mais estreita entre a actividade económica e a saúde, não apenas no sentido dos determinantes socioeconómicos sobre o estado da saúde dos cidadãos, mas, igualmente, na perspectiva da saúde ser, cada vez mais, um sector atractivo ao investimento privado.

Esta relação, movida pela lógica do lucro, tem permitido a investigação de ponta em áreas cruciais e possibilitado avanços, sem precedentes, do conhecimento médico, bem como no domínio da construção de instrumentos de intervenção, - preventiva, terapêutica e de reabilitação -, de grande sofisticação e eficácia.

Mas, uma vez que, deste ponto de vista, os investimentos têm de ser rentabilizados, os cuidados de saúde passam a ser mais caros limitando, severamente o acesso de parcelas significativas da população a determinados cuidados.    

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Apesar dos progressos alcançados, os problemas do acesso aos anti-retrovirais por razões puramente económicas, o grande atraso na investigação de determinadas patologias, muito frequentes em regiões pouco atractivas, diria, de modo prosaico, desinteressantes em termos mercadológicos, são exemplos paradigmáticos desta realidade.

É evidente que em tais condições o exercício do direito à saúde conhece limitações significativas e, se a esta realidade associarmos o desenvolvimento assimétrico que, em determinados países e regiões condiciona poderosamente, pela negativa, determinantes sócio económicas da saúde, ficamos com uma ideia ainda mais precisa da complexidade e dos constrangimentos por que passa o exercício desse direito.

Contudo, não devemos deixar de assinalar a erradicação de doenças como a varíola, a significativa redução de outras como a poliomielite, bem como o decréscimo global da mortalidade infantil, progressos que entretanto não serão suficientes para que muitos países possam atingir os objectivos de desenvolvimento do milénio proclamados pelas Nações Unidas

O ressurgimento da tuberculose pulmonar não deixa de ser um elemento negativo em todo este quadro.

Minhas e meus Senhores,

Como sabemos, a interacção de diversos países e de milhões de pessoas, através de intercâmbios permanentes que os meios de transporte têm proporcionado, aliada aos desequilíbrios ambientais, tem provocado alterações epidemiológicas consubstanciadas no aparecimento de determinadas patologias em ambientes onde nunca tinham existido, como é o caso de algumas das chamadas doenças tropicais na Europa.

Um outro aspecto que caracteriza a situação da saúde ao nível global prende-se com a saúde mental, tradicional “parente pobre” dos sistemas de saúde, com relevo para o aumento das dependências de substâncias lícitas e licitas, e de outras perturbações com grande relevância para a prevalência da Depressão.

A nível mundial, as dependências assumem hoje uma dimensão tão significativa, e aspectos ligados produção distribuição e consumo de substâncias ilícitas têm consequências e abrangência tão acentuadas que, de alguma forma, se pode afirmar que são uma característica do nosso tempo, talvez um dos traços mais marcantes do rosto que a globalização tem assumido.

Se aspectos relacionados com substâncias psicoactivas ilícitas têm tido, - por razões económicas, de segurança e até da capacidade de corroer os alicerces das instituições dos Estados -, um relevo particular, já não se poderá dizer o mesmo do consumo de substâncias psicoactivas lícitas, como o álcool, o tabaco e os medicamentos, não obstante as suas consequências, igualmente danosas, sobre a saúde das pessoas, afectando um número bem maior de pessoas quando comparado com o de afectadas pelas substâncias ilícitas.

Por serem substâncias de uso legal e ou por estarem profundamente ligadas a aspectos culturais, caso do álcool, ou mesmo a interesses económicos, a realização de propostas que tenham em vista o seu controlo têm tido resultados claramente mitigados limitados.
A doença depressiva, com seu grande cotejo de infelicidade e sofrimento e a acentuada potencialidade para conduzir a estados- limite, como a própria morte por suicídio, constitui hoje uma das doenças que causa maior incapacidade no mundo, afectando cerca de 350 milhões de pessoas.

Segundo as previsões da OMS, a Depressão ocupará o segundo lugar na prevalência de doenças no ano 2020 e o primeiro na década seguinte.

Um dos factores que tem sido referido como condicionante dessa doença é a condição de vida, as carências socias e a ausência de perspectiva de futuro, com destaque para a vulnerabilidade causada pelo desemprego, havendo estudos que parecem demonstrar a existência de correlação (tendencial) entre a taxa de desemprego e a incidência da Depressão e mesmo a sua influência sobre situações de violência doméstica.

Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Provavelmente a área da saúde é uma das áreas em que a máxima “pensar global, agir local” tem maior aplicabilidade. Hoje, como sabem muito melhor do que eu, não é possível, nesta e em várias outras esferas, encarar os diferentes fenómenos numa visão exclusivamente local.

A interdependência dos povos e de seus destinos, para o bem e para o mal, é de tal ordem que a obsolescência dessa perspectiva tornou-se uma evidência. Essa realidade tem-se imposto com tanta intensidade que, por vezes, se perspectiva, até, a homogeneização das colectividades, das pessoas, do consumidor, negando as suas especificidades culturais, elemento central na construção das subjectividades.

Seria o ensaio de um fim para a História e a emergência de uma Cultura global alicerçada em parâmetros que, naturalmente, negam as particularidades culturais, as singularidades identitárias, o que, de facto, vem contribuindo para o exacerbar de extremismos culturais e religiosos.

Não deixa de ser interessante ressaltar que, não obstante o quadro definido, a saúde mental continua relegado para um plano demasiado secundário. O facto de ser uma área de grande complexidade, de afectar, de forma muito particular, largos milhões de seres humanos e dos seus instrumentos de intervenção serem igualmente complexos, deveria estimular a investigação nessa área.

Assim, e tendo em conta as grandes limitações, nas esferas individual social e familiar, que a doença mental transporta, bem como as perspectivas relativamente às tendências de evolução da Depressão e das Dependências, seria de esperar que a essa área fosse concedida alguma prioridade. Mas infelizmente, de um modo geral, a tendência, em termos de políticas públicas e de organização assistencial é de a relegar para um plano muito acessório. No entanto, convém recortar que os avanços realizados, por exemplo, no Brasil, que são apontados pela OMS como um exemplo paradigmático, autorizam alguma esperança.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Entendo a realização do VI Congresso da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, do VIII Congresso da Associação de Saúde Mental de Língua Portuguesa, do II Congresso Internacional da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos, como decorrência da complexa realidade antes esboçada e como um exercício importante no sentido da materialização do lema “ pensar global e agir regional e localmente”.

Na realidade, os participantes pertencem a diferentes regiões geográficas, com realidades sócio económicas diferentes e com sistemas de saúde em estágios diferentes de estruturação. Mas, será igualmente verdade que todos estão submetidos aos poderosos factores globais anteriormente mencionados e que possuem, na diversidade, aspectos culturais comuns e, mesmo, em certas regiões, realidades socio sanitárias com muitas similitudes.

Assim, num mundo que se globaliza e que também estimula a criação de espaços capazes de rentabilizar as potencialidades existentes, nas mais diversas áreas, a convergência de pensamentos, perspectivas e formas de intervenção, assume importância significativa, quase estratégica, diria.

Gostaria de referir o facto de, talvez numa perspectiva de contrariar as tendências prevalecentes, a saúde mental surgir neste evento numa certa articulação com outras áreas da Medicina e espero que esta relação seja o prenúncio da assunção de postura que contribua para a ultrapassagem da secular dicotomia saúde física/saúde mental. Afinal, o homem, razão de ser da Medicina, é um ser uno.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Reconheço que o programa que pretendeis levar a cabo durante estes dias está em sintonia com as preocupações que parecem decorrer da caracterização geral da saúde. Assim, verifico que para além de intervenções específicas em áreas bem concretas do conhecimento médico, de grande relevância para os nossos países, é concedida grande prioridade a perspectivas que designaria de transversais como, as importantíssimas questões da Ética, da Governação Clínica, da Mercantilização dos Cuidados de Saúde, da Cultura e da Paz.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Tenho insistido que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa deve, cada vez mais, ser uma comunidade de Povos, ultrapassando a importante etapa, porém insuficiente, de uma comunidade de Estados. Creio que com muita reflexão e determinação essa utopia possível será construída.

São as iniciativas como estas, que tem o selo e a cara das pessoas e a energia da Sociedade Civil, que dão corpo a esse desiderato, a essa necessidade.

Aproveito a oportunidade para saudar, de modo muito especial, os Médicos Cabo-verdianos, que amanhã celebram o seu dia Nacional e que com muito denodo vêm construindo o sistema nacional de saúde.

Agradeço as generosas palavras que me foram dirigidas e saúdo de forma afectuosa os ilustres participantes deste evento, vindos dos quatro cantos da nossa Comunidade e de Macau, a quem desejo uma excelente estada nesta terra da Morabeza e que, significativamente, celebra nesta semana a conquista da liberdade e da democracia e os heróis nacionais, e uma profícua participação neste evento.

Declaro aberto o VI Congresso da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, o II Congresso Internacional da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos e o VIII Congresso da Associação de Saúde Mental dos Países de Língua Portuguesa.

Muito Obrigado.

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