Excelências,
Senhora Ministra Adjunta e da Saúde,
Dra. Cristina Fontes Lima
Senhor Presidente Camara Municipal da
Praia, Dr. Ulisses Correia e Silva
Senhor Representante da Comissão
Organizadora, Dra. Maria da Luz Lima
Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos
Cabo-verdianos, Dr. Júlio Andrade
Senhor Representante da Associação de
Saúde Mental de Língua Portuguesa, Dr. Daniel Ferreira
Senhor Representante dos participantes
de países estrangeiros, Dr. Aurélio Vilhão
Prezados Congressistas,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A Constituição cabo-verdiana estatui que
«Todos têm direito à saúde e o dever de a promover independentemente da sua
condição económica» e que «Para garantir o direito à saúde incumbe ao Estado
criar as condições para o acesso universal dos cidadãos aos cuidados de saúde»
Ao iniciar esta intervenção com
referência a dispositivos da Lei Fundamental da República, directamente
relacionados com a saúde, pretendo significar a grande importância que atribuo
a este evento e, igualmente, que assumo, de forma inequívoca e incondicionada,
o papel que por ela me foi atribuído. Razão por que pretendo tudo fazer para
que a sua realização seja tendencial e progressivamente plena, para todas as
pessoas e em todos os domínios.
Aliás, o tema central do Congresso que
ora se inicia «Governação em saúde, um compromisso para a melhoria dos
cuidados» vem na linha da criação de condições para a o efectivo exercício
desse direito, consagrado em todas as Constituições democráticas.
Ainda que as entidades aqui reunidas não
integrem o aparelho de Estado e, por isso, as suas deliberações não sejam
vinculativas, a importância das reflexões serão particularmente importantes
para os decisores políticos, pois resultam do labor intelectual de quem está,
no dia-a-dia, em estreita ligação com os sujeitos de direitos consagrados na
Constituição cuja concretização, em larga medida, incumbe ao Estado e mais
especialmente aos Governos.
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Não duvido, naturalmente, que o
exercício real do direito à saúde envolve uma grande complexidade, estando na
estreita dependência de factores que, por um lado, escapam ao sector estrito da
saúde e, por outro, não são de fácil efectivação.
Reconheço que nem sempre estão reunidas
todas as condições para o seu efectivo exercício, o que muitas vezes, também, é
utilizado como argumento para o não
cumprimento de metas fixadas em
compromissos políticos assumidos.
Assim, o conhecimento que se pode ter, a
partir de determinados indicadores, do grau de realização desse direito, deve
permitir avaliar em que medida os meios existentes estão, de facto, a ser utilizados
para a realização desse direito fundamental que é o direito à saúde.
O papel da sociedade civil nesse
particular é crucial, especialmente em tempos de crise nos quais a tentação
para a redução de investimentos no sector social é muito grande, com
consequências indesejáveis, especialmente, para os mais pobres.
Sabemos que existe uma relação cada vez
mais estreita entre a actividade económica e a saúde, não apenas no sentido dos
determinantes socioeconómicos sobre o estado da saúde dos cidadãos, mas,
igualmente, na perspectiva da saúde ser, cada vez mais, um sector atractivo ao
investimento privado.
Esta relação, movida pela lógica do
lucro, tem permitido a investigação de ponta em áreas cruciais e possibilitado
avanços, sem precedentes, do conhecimento médico, bem como no domínio da
construção de instrumentos de intervenção, - preventiva, terapêutica e de
reabilitação -, de grande sofisticação e eficácia.
Mas, uma vez que, deste ponto de vista,
os investimentos têm de ser rentabilizados, os cuidados de saúde passam a ser
mais caros limitando, severamente o acesso de parcelas significativas da
população a determinados cuidados.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Apesar dos progressos alcançados, os
problemas do acesso aos anti-retrovirais por razões puramente económicas, o
grande atraso na investigação de determinadas patologias, muito frequentes em
regiões pouco atractivas, diria, de modo prosaico, desinteressantes em termos
mercadológicos, são exemplos paradigmáticos desta realidade.
É evidente que em tais condições o
exercício do direito à saúde conhece limitações significativas e, se a esta
realidade associarmos o desenvolvimento assimétrico que, em determinados países
e regiões condiciona poderosamente, pela negativa, determinantes sócio económicas
da saúde, ficamos com uma ideia ainda mais precisa da complexidade e dos
constrangimentos por que passa o exercício desse direito.
Contudo, não devemos deixar de assinalar
a erradicação de doenças como a varíola, a significativa redução de outras como
a poliomielite, bem como o decréscimo global da mortalidade infantil,
progressos que entretanto não serão suficientes para que muitos países possam
atingir os objectivos de desenvolvimento do milénio proclamados pelas Nações
Unidas
O ressurgimento da tuberculose pulmonar
não deixa de ser um elemento negativo em todo este quadro.
Minhas e meus Senhores,
Como sabemos, a interacção de diversos
países e de milhões de pessoas, através de intercâmbios permanentes que os
meios de transporte têm proporcionado, aliada aos desequilíbrios ambientais,
tem provocado alterações epidemiológicas consubstanciadas no aparecimento de
determinadas patologias em ambientes onde nunca tinham existido, como é o caso
de algumas das chamadas doenças tropicais na Europa.
Um outro aspecto que caracteriza a
situação da saúde ao nível global prende-se com a saúde mental, tradicional
“parente pobre” dos sistemas de saúde, com relevo para o aumento das
dependências de substâncias lícitas e licitas, e de outras perturbações com
grande relevância para a prevalência da Depressão.
A nível mundial, as dependências assumem
hoje uma dimensão tão significativa, e aspectos ligados produção distribuição e
consumo de substâncias ilícitas têm consequências e abrangência tão acentuadas
que, de alguma forma, se pode afirmar que são uma característica do nosso
tempo, talvez um dos traços mais marcantes do rosto que a globalização tem
assumido.
Se aspectos relacionados com substâncias
psicoactivas ilícitas têm tido, - por razões económicas, de segurança e até da
capacidade de corroer os alicerces das instituições dos Estados -, um relevo
particular, já não se poderá dizer o mesmo do consumo de substâncias
psicoactivas lícitas, como o álcool, o tabaco e os medicamentos, não obstante
as suas consequências, igualmente danosas, sobre a saúde das pessoas, afectando
um número bem maior de pessoas quando comparado com o de afectadas pelas
substâncias ilícitas.
Por serem substâncias de uso legal e ou
por estarem profundamente ligadas a aspectos culturais, caso do álcool, ou
mesmo a interesses económicos, a realização de propostas que tenham em vista o
seu controlo têm tido resultados claramente mitigados limitados.
A doença depressiva, com seu grande
cotejo de infelicidade e sofrimento e a acentuada potencialidade para conduzir
a estados- limite, como a própria morte por suicídio, constitui hoje uma das
doenças que causa maior incapacidade no mundo, afectando cerca de 350 milhões
de pessoas.
Segundo as previsões da OMS, a Depressão
ocupará o segundo lugar na prevalência de doenças no ano 2020 e o primeiro na
década seguinte.
Um dos factores que tem sido referido
como condicionante dessa doença é a condição de vida, as carências socias e a
ausência de perspectiva de futuro, com destaque para a vulnerabilidade causada pelo
desemprego, havendo estudos que parecem demonstrar a existência de correlação
(tendencial) entre a taxa de desemprego e a incidência da Depressão e mesmo a
sua influência sobre situações de violência doméstica.
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Provavelmente a área da saúde é uma das
áreas em que a máxima “pensar global, agir local” tem maior aplicabilidade.
Hoje, como sabem muito melhor do que eu, não é possível, nesta e em várias
outras esferas, encarar os diferentes fenómenos numa visão exclusivamente
local.
A interdependência dos povos e de seus
destinos, para o bem e para o mal, é de tal ordem que a obsolescência dessa
perspectiva tornou-se uma evidência. Essa realidade tem-se imposto com tanta
intensidade que, por vezes, se perspectiva, até, a homogeneização das
colectividades, das pessoas, do consumidor, negando as suas especificidades
culturais, elemento central na construção das subjectividades.
Seria o ensaio de um fim para a História
e a emergência de uma Cultura global alicerçada em parâmetros que,
naturalmente, negam as particularidades culturais, as singularidades
identitárias, o que, de facto, vem contribuindo para o exacerbar de extremismos
culturais e religiosos.
Não deixa de ser interessante ressaltar
que, não obstante o quadro definido, a saúde mental continua relegado para um
plano demasiado secundário. O facto de ser uma área de grande complexidade, de
afectar, de forma muito particular, largos milhões de seres humanos e dos seus
instrumentos de intervenção serem igualmente complexos, deveria estimular a
investigação nessa área.
Assim, e tendo em conta as grandes
limitações, nas esferas individual social e familiar, que a doença mental
transporta, bem como as perspectivas relativamente às tendências de evolução da
Depressão e das Dependências, seria de esperar que a essa área fosse concedida
alguma prioridade. Mas infelizmente, de um modo geral, a tendência, em termos
de políticas públicas e de organização assistencial é de a relegar para um
plano muito acessório. No entanto, convém recortar que os avanços realizados,
por exemplo, no Brasil, que são apontados pela OMS como um exemplo
paradigmático, autorizam alguma esperança.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Entendo a realização do VI Congresso da
Comunidade Médica de Língua Portuguesa, do VIII Congresso da Associação de
Saúde Mental de Língua Portuguesa, do II Congresso Internacional da Ordem dos
Médicos Cabo-verdianos, como decorrência da complexa realidade antes esboçada e
como um exercício importante no sentido da materialização do lema “ pensar
global e agir regional e localmente”.
Na realidade, os participantes pertencem
a diferentes regiões geográficas, com realidades sócio económicas diferentes e
com sistemas de saúde em estágios diferentes de estruturação. Mas, será
igualmente verdade que todos estão submetidos aos poderosos factores globais
anteriormente mencionados e que possuem, na diversidade, aspectos culturais
comuns e, mesmo, em certas regiões, realidades socio sanitárias com muitas
similitudes.
Assim, num mundo que se globaliza e que
também estimula a criação de espaços capazes de rentabilizar as potencialidades
existentes, nas mais diversas áreas, a convergência de pensamentos,
perspectivas e formas de intervenção, assume importância significativa, quase
estratégica, diria.
Gostaria de referir o facto de, talvez
numa perspectiva de contrariar as tendências prevalecentes, a saúde mental
surgir neste evento numa certa articulação com outras áreas da Medicina e
espero que esta relação seja o prenúncio da assunção de postura que contribua
para a ultrapassagem da secular dicotomia saúde física/saúde mental. Afinal, o
homem, razão de ser da Medicina, é um ser uno.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Reconheço que o programa que pretendeis
levar a cabo durante estes dias está em sintonia com as preocupações que
parecem decorrer da caracterização geral da saúde. Assim, verifico que para
além de intervenções específicas em áreas bem concretas do conhecimento médico,
de grande relevância para os nossos países, é concedida grande prioridade a
perspectivas que designaria de transversais como, as importantíssimas questões
da Ética, da Governação Clínica, da Mercantilização dos Cuidados de Saúde, da
Cultura e da Paz.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Tenho insistido que a Comunidade de
Países de Língua Portuguesa deve, cada vez mais, ser uma comunidade de Povos,
ultrapassando a importante etapa, porém insuficiente, de uma comunidade de
Estados. Creio que com muita reflexão e determinação essa utopia possível será
construída.
São as iniciativas como estas, que tem o
selo e a cara das pessoas e a energia da Sociedade Civil, que dão corpo a esse
desiderato, a essa necessidade.
Aproveito a oportunidade para saudar, de
modo muito especial, os Médicos Cabo-verdianos, que amanhã celebram o seu dia
Nacional e que com muito denodo vêm construindo o sistema nacional de saúde.
Agradeço as generosas palavras que me
foram dirigidas e saúdo de forma afectuosa os ilustres participantes deste
evento, vindos dos quatro cantos da nossa Comunidade e de Macau, a quem desejo
uma excelente estada nesta terra da Morabeza e que, significativamente, celebra
nesta semana a conquista da liberdade e da democracia e os heróis nacionais, e
uma profícua participação neste evento.
Declaro aberto o VI Congresso da
Comunidade Médica de Língua Portuguesa, o II Congresso Internacional da Ordem
dos Médicos Cabo-verdianos e o VIII Congresso da Associação de Saúde Mental dos
Países de Língua Portuguesa.
Muito Obrigado.
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