Senhor Ministro da Justiça,
Senhor Presidente do Tribunal de Contas de Cabo
Verde,
Senhor Ministro do Tribunal de Contas da União
(Brasil),
Senhor Presidente do Tribunal de Contas da
Guiné-Bissau,
Senhor Presidente do Tribunal Administrativo de
Moçambique,
Senhor Presidente do Tribunal de Contas de Portugal,
Senhor Presidente do Tribunal de Contas de São Tomé
e Príncipe,
Senhor Vice Presidente do Tribunal de Contas de
Angola,
Senhoras e Senhores Juízes Conselheiros,
Senhor Procurador da República junto do Tribunal de
Contas,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Gostaria, antes de mais, de dar as boas vindas a
quantos deixaram seus países e seus afazeres para virem aqui, connosco,
discutir temas de máxima actualidade. Espero que se sintam em casa, que tenham
uma boa e proveitosa estadia e que, no regresso, possam levar conclusões e
recomendações que ajudem a melhorar as nossas instâncias superiores de controlo
legal e financeiro.
O momento de crise por que passa o mundo, em certa
medida, fruto de uma dificuldade sistémica de regulação do movimento financeiro
global, interpela-nos a todos. Para quem, então, como Vossas Excelências, tenha
como missão fiscalizar contas, as implicações são relevantes e de variada
ordem. Desde logo, porque todos estão a contar com aqueles que têm como missão
fiscalizar a utilização das receitas e dos demais recursos do Estado confiados
aos gestores públicos. Depois, mas não de menos importância, porque os recursos
são agora mais escassos e da sua criteriosa aplicação dependerá o sucesso dos
planos, programas e projectos de transformação das realidades no sentido da sua
modernização e do progresso das respectivas sociedades.
Minhas senhoras e meus senhores,
Uma das características do mundo moderno, em razão
de profundas alterações que têm ocorrido, nomeadamente nas esferas
político-diplomática, económica e institucional, é a dilatação da porosidade
existente no relacionamento entre agentes políticos e económicos, de tal forma
que, muitas vezes, estes últimos chegam a ter capacidade para influenciar ou
mesmo determinar resultados eleitorais.
Geralmente esta relação consubstancia-se no
financiamento de campanhas eleitorais e há situações em que, em caso de
vitória, a contrapartida é a adopção de políticas que favoreçam esses
interesses e/ou a nomeação, a nível do executivo ou a outro nível decisório, de
pessoas de confiança do financiador, podendo influenciar ou mesmo determinar as
medidas de política bem como as decisões relativas à utilização do dinheiro
público.
Muito provavelmente esse tipo de relação explicará
certos atropelos que ocorrem nos concursos públicos, o não cumprimento de
cláusulas contratuais, aumentos exorbitantes dos custos de muitos projectos
financiados com o erário público comparativamente aos orçamentos iniciais.
Igualmente, não é novidade que a porosidade nas
relações a que se referiu pode também ser protagonizada por pessoas ligadas a
práticas ilícitas, mesmo ao crime organizado.
As fronteiras entre interesses públicos e privados
ficam, nessas circunstâncias, perigosamente ténues, e, infelizmente, em
consequência, não são raras as situações em que escândalos deixam transparecer
essa relação inadequada e lesiva do bem comum.
Esta abordagem não implica que toda a relação entre
os sectores público e privado seja, necessariamente, inquinada. Naturalmente
que não. Todas as relações que seguem os preceitos legais são bem-vindas, pois
permitem que os recursos públicos sejam utilizados para atender necessidades de
interesse colectivo.
No entanto, a complexa realidade de que é expressão
– que ameaça corroer o tecido democrático por permitir que se veicule a ideia
de que o sistema representativo está viciado à partida, que não vale a pena
participar, pois trata-se de um jogo de cartas, ou mesmo de moedas, marcadas, -
existe, sabemo-lo, e contribui, paradoxalmente e de forma poderosa, para
realçar o papel inestimável dos organismos de controlo, das instâncias que têm
por função zelar, em diferentes esferas, pelo cumprimento efectivo das normas,
para que as regras, os princípios e as leis não sejam letra morta. Para que
haja, em permanência, confiança da comunidade na validade e vigência das
normas.
Minhas senhoras e meus senhores,
A Democracia implica riscos e, exactamente por isso,
cria mecanismos democráticos para os prevenir, controlar e minimizar,
estabelecendo sanções como consequências da concretização desses riscos.
De entre as entidades com poderes para a
racionalização dos recursos públicos, o Tribunal de Contas ocupa lugar de
destaque.
É esse tribunal que deve garantir que procedimentos
que assegurem uma correcta utilização dos recursos públicos sejam respeitados e
que os desvios não sejam tolerados. É ele que, pela sua missão, que além de
sancionatória contém uma importante função pedagógica, deve permitir aos
cidadãos acreditarem no valor das leis e que o Estado é uma pessoa de bem.
Importa, para o sistema democrático, a percepção de
que a existência de mecanismos que assegurem o efectivo cumprimento das normas
legais é real. Essa percepção, estribada na prática, é essencial para que as
diferentes leis, nomeadamente a Constituição da República, não sejam entendidas
como algo abstracto, que nada têm a ver com o dia-a-dia das pessoas.
Se esta ideia é muito importante para qualquer
sociedade democrática, ela torna-se fundamental nas democracias em processo de
consolidação, como a maioria das da CPLP. Estamos ainda a estruturar os nossos
sistemas democráticos. Estamos num processo que tem por objectivo fazer
coincidir a intenção com a realidade, através da criação de diversos mecanismos
e estruturas que dêem corpo aos princípios, às ideias, aos ideais.
Grande parte dos nossos países convive com sérias
dificuldades na estruturação das respectivas sociedades e muitas vezes está
submetida a pressões, de ordem diversa, que condicionam de forma muito intensa
a concretização dos seus programas, nomeadamente a edificação de estruturas que
devem assegurar o exercício de actividades básicas.
Senhores Juízes do Tribunal de Contas,
Minhas senhoras e meus senhores,
Como se sabe, o Tribunal de Contas é uma instância
fundamental para a realização de importantes dispositivos legais, devendo, por
isso, o seu papel ser conhecido e percebido pela população, beneficiária da sua
actividade, como garante da legalidade no uso dos recursos dos contribuintes ou
do Estado.
A este respeito importa referir que, infelizmente, o
trabalho ingente desse órgão não é conhecido de grande parte da população que,
frequentemente, tem uma ideia distorcida a seu respeito. As referências ao
Tribunal de Contas são inúmeras vezes feitas de modo a identificá-lo como um
empecilho, uma estrutura burocrática que, não se sabe bem porquê, recusou o
visto de uma nomeação, solicitou mais papelada fazendo atrasar um projecto com
importante impacto social ou económico, chegando, inclusive, a ser apelidado
“Força de Bloqueio”.
Situações em que o Tribunal de Contas é, também,
referido são as em que determinadas contas não são aprovadas e a sua posição é
utilizada como arma política contra o decisor. Nesses casos o que se privilegia
não é a competência, seriedade e importância do trabalho realizado mas apenas
as consequências políticas do mesmo.
Minhas senhoras e meus senhores,
Esta realidade implica que a relação do Tribunal de
Contas com a população seja objecto de reflexão. Talvez não seja descabido
procurar uma conciliação entre a reserva pela qual as actividades do Tribunal
de Contas têm de se pautar e alguma informação adequada, sobre o seu papel, a
missão e a importância para as contas do Estado, para a Democracia, para as
pessoas.
Um outro aspecto que estimo como essencial para a
adequada afirmação do Tribunal de Contas, prende-se com as condições de
trabalho necessárias para que a, cada vez mais complexa, actividade do Tribunal
de Contas decorra da melhor forma possível.
Sem condições institucionais adequadas, sem recursos
financeiros e materiais essenciais e, sobretudo, sem recursos humanos
apropriados, o Tribunal de Contas não pode funcionar bem e muitas vezes pode
ser acusado de não cumprir as suas funções por razões que lhe escapam.
Infelizmente, por vezes, em alguns dos nossos
países, são criadas instâncias importantes, mas as necessárias condições, capazes
de permitir-lhes desempenhar cabalmente as suas funções, não acompanham o
processo. As actividades não são desenvolvidas ou são-no deficientemente,
contrariando as expectativas criadas. Isso não é positivo para a credibilização
das instituições e para a criação de uma desejável cultura institucional.
Senhores Deputados Nacionais,
Senhores Membros do Governo,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Tenho acompanhado com muito apreço os esforços que o
Tribunal de Contas de Cabo Verde vem desenvolvendo no sentido de capacitar os
seus quadros. Porém, a meu ver, a sua maior limitação reside na obsolescência
da legislação que estabelece a organização e o funcionamento desse tribunal,
que data de 1993. Razões diversas impediram a actualização dessa
legislação.
Contudo, a dinâmica das sociedades actuais não se
compadece com esta realidade, não se justificando, portanto, a continuação
desta situação. Apesar de estar preocupado com esta realidade, é minha firme
convicção que a curto prazo esta situação será ultrapassada.
Registo, ainda, com satisfação o facto de o Tribunal
de Contas passar a contar com um representante do Ministério Público,
dedicando-se exclusivamente às actividades ali desenvolvidas, que não só actua
como fiscal da legalidade, mas também como autoridade judiciária competente
para desencadear procedimentos com vista à efectivação de responsabilidades
decorrentes da gestão financeira.
Minhas senhoras e meus senhores,
Com alguma obstinação, tenho defendido a construção
de uma CPLP de Estados, pessoas e princípios. Acredito, sinceramente, que se
conseguirmos materializar os pressupostos que enformam a actuação dos Tribunais
de Contas dos nossos países, a nossa Comunidade ficará mais fortalecida ao
nível dos Estados, mas sobretudo ao nível dos princípios.
Não tenho dúvidas de que as vossas sábias reflexões
serão importantes contribuições para o reforço e a consolidação, na vossa área,
da CPLP.
Desejo que este encontro traga ganhos acrescidos
para a eficácia da vossa acção e que o documento que daqui sair se constitua em
um roteiro de reforma e modernização à medida das necessidades dos nossos
respectivos países.
Declaro aberta a “VII Assembleia Geral da
Organização das Instituições Supremas de Controlo da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa”.
Muito obrigado.
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