Senhoras e Senhores
Chefes de Estado e Governo, Excelências,
Senhor Vuk Jeremic,
Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Excelência,
Senhor Ban Ki-moon,
Secretário Geral das Nações Unidas, Excelência,
Senhoras e Senhores
Chefes de Delegação, Excelências,
Saúdo o Presidente da Assembleia Geral, a
quem felicito pela sua eleição, formulando votos de êxito em sua missão.
Felicito igualmente o Presidente cessante
dos Emirados do Qatar, Embaixador Nassir Abdulaziz Al-Nasser, pelo excelente
trabalho realizado durante o seu mandato
Permitam-me ainda endereçar palavras de
apreço ao Secretário Geral Ban Ki-moon, pela forma competente como vem
dirigindo os destinos da nossa Organização e reafirmar a nossa confiança
na sua liderança mormente num momento particularmente difícil, como este em que
esta Assembleia se reúne. Refiro -me a uma das piores crises financeiras que o
mundo conheceu, com reflexos nos sectores económico, social, político,
alimentar, energético, ambiental, migratório, sem esquecer, ainda, as terríveis
ameaças à paz e à segurança, que nos chegam de vários quadrantes do
globo.
Pequeno estado insular, com grande
escassez de recursos e com trinta e sete anos de independência, Cabo Verde
orgulha-se de ser um país democrático e de ter erigido em Estado de
direito, construído com o sofrimento e a determinação dos cabo-verdianos
residentes no país e no exterior.
Se é verdade que o meu país tem enormes
dificuldades a enfrentar para assegurar a sua existência e para a ultrapassagem
das quais necessita da solidariedade internacional, acredito que ele pode,
ainda que modestamente, contribuir para a busca de soluções para importantes
problemas que afligem o conturbado mundo dos nossos dias.
Para além da estabilidade politica que nos
tem caracterizado e da construção e consolidação de um regime democrático, a
Nação cabo-verdiana que antecedeu a criação do Estado, pode ser considerada um
exemplo de convivência pacífica entre gente oriunda de países diferentes, com
credos diferentes que se amalgamaram, numa cultura mestiça original, aberta ao
mundo e à permuta de valores.
Senhor Presidente,
A opção por uma política de paz, de
diálogo e de entendimento na resolução de conflitos mais do que a explicitação
e assunção desses valores, é emanação do modo de ser e de estar do
cabo-verdiano, de uma cultura de tolerância e que tem permitido que, ao longo
das quase quatro décadas da sua história, tais valores e princípios tenham
enformado as políticas do país.
Se é facto que a nossa modesta
contribuição politica tem contribuído para a obtenção de resultados positivos,
nomeadamente os conseguidos no quadro dos conflitos da África Austral e que se
traduziram no fim do Apartheid, na independência da Namíbia e na paz em Angola,
entendo que talvez a contribuição maior que temos dado seja a nossa vivência
como Povo e como Cultura.
No nosso dia-a-dia, temos demonstrado que
a tolerância é possível, a permuta de valores uma realidade, mesmo em condições
adversa.
É este lastro que tem permitido que os
diferentes Governos e Chefes de Estado mantenham a mesma linha de orientação na
condução da política externa de Cabo Verde, optando por privilegiar a defesa de
uma política de paz e justiça e da coexistência pacífica entre os povos. Quase
que se poderia dizer que a nossa política externa tem sido a expressão, pelo
menos, tradução, da nossa cultura, da nossa idiossincrasia.
Esta realidade que também me orienta e que
tenho procurado aprofundar, pode ser, creio, uma importante contribuição de
Cabo Verde para o meu Continente e, talvez, para outras áreas do globo.
Senhor Presidente,
No passado dia 25 a Constituição da
República de Cabo Verde completou vinte anos de vigência, o que de certa forma
é um indicador da estabilidade que impera no nosso país, e que tem permitido a
realização de eleições presidenciais, legislativas e municipais, com
alternâncias políticas dentro da maior normalidade.
Por feliz coincidência essa data crucial
para o meu país coincide com a realização da 67ª Assembleia Geral da ONU,
expoente da Democracia ao nível planetário, em processo de renovação e, por
isso, é-me muito grato partilhar esta efeméride com esta augusta assembleia.
A Lei Magna estipula que a nossa ordem
jurídica recebe, com primazia, na nossa ordem interna, as normas do direito
internacional comum e do direito convencional, validamente aprovadas e
ratificadas.
Este aspecto testemunha, de
modo eloquente, a grande importância que atribuímos a instâncias como a ONU e a
nossa opção pelos princípios que as norteiam, mas temos consciência de que se
estes e outros princípios plasmados na Constituição, nomeadamente os referentes
ao respeito pelos direitos humanos, não impregnarem a nossa cultura, a
Constituição não será realizada em toda a plenitude.
Por isso, tanto no país como no exterior
temos conclamado todos os cabo-verdianos a proceder a uma profunda
interiorização da Constituição, passo imprescindível para garantir a sua
progressiva e plena realização.
Senhor Presidente,
Não obstante as grandes interrogações que
perpassam o mundo e as vulnerabilidades de que padece a economia cabo-verdiana,
com reflexos directos nas condições de vida de grande parte das
pessoas, devo, sem falsa modéstia, dizer que me orgulho da trajectória
percorrida pelo meu país da independência a estes dias. Nessa época o nosso PIB
per capita era de USD 190 e hoje ascendeu a 3295. Diversos indicadores sociais
acompanharam essa evolução positiva e hoje estamos em condições de atingir os
objectivos do milénio. Aliás, posso dizer que os índices de desenvolvimento
humano, económico e financeiro, registados no biénio 2011/2012, mereceram a
avaliação positiva das principais instituições financeiras internacionais.
Com uma economia baseada em serviços, que
em 2010 respondiam por 80% do PIB, um mercado de dimensões exíguas e uma
agricultura que luta contra a desertificação e a escassez das chuvas, não
podemos ignorar as grandes vulnerabilidades de que padecemos e, por
isso, sabemos que não nos podemos deslumbrar com o facto de termos
sido graduados como país de rendimento médio, podemos nos dumbrar com o to de
os sido graduados como pais de rendimento médio.
Pelo contrário, pensamos que não
podemos perder de vista que a nossa economia é ainda muito dependente, que ela
não consegue absorver parte muito significativa da mão-de-obra, com todas as
consequências sociais advenientes, pelo que temos de continuar a contar com a
solidariedade internacional.
Naturalmente, devemos continuar a contar
com a utilização adequada e racional dos nossos parcos recursos, e a
desenvolver esforços cada vez mais eficazes na luta contra a pobreza, a
exclusão social e o desemprego que em 2010 atingia a taxa geral de 21% e de 50%
entre os jovens.
Os constrangimentos ao nível da energia,
água e saneamento terão de continuar a merecer a atenção devida, para que, a
par da criação de indispensáveis infra-estruturas, se consiga criar as
condições necessárias ao crescimento sustentável da nossa economia.
É preciso ainda ter em conta que os impactos, cada vez mais desastrosos no
mundo e, em particular, nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, das
mudanças climáticas e outros riscos advenientes de desastres naturais,
constituem uma espada de Dâmocles quando olhamos para o futuro. Outrossim, eles
tornam imperativo que todos os países, de forma coerente e solidária,
ponham em prática as suas proclamações em defesa da natureza e da «economia
verde» e ajudem a construir uma verdadeira resiliência global.
Senhor Presidente,
Uma das características mais marcantes do
nosso mundo é a interdependência cada vez mais estreita de todas as áreas. Se a
economia é por vezes a que é mais referida pelo facto de ela condicionar as
restantes, a interdependência estende-se ao sector do ambiente, da saúde, da
segurança, da política, da cultura, enfim a quase todas as áreas de actividade
humana.
Por isso, é fundamental, para nós, o
acompanhamento permanente dos aspectos mais relevantes dessas complexas
relações com o objectivo de conhecer as tendências dominantes que podem
condicionar o nosso processo de desenvolvimento mas também para podermos ter
condições de, ainda que modestamente, contribuir para a solução dos problemas
que atormentam as pessoas e os países em diversos quadrantes.
Ainda que a estabilidade política e social
seja um dos traços essenciais da nossa sociedade não podemos ignorar que no
nosso continente, ela não tem sido uma das suas características definidoras por
razões endógenas e por outras que até certo ponto lhe são alheias
Quero aqui exprimir a minha profunda
preocupação com relação à excepcional situação de crise económica e financeira
mundial, que continua penalizando, de forma dramática, Governos e populações
indefesas do Continente Africano, de per si já bastante martirizadas pela fome,
pelo flagelo da SIDA associado a outras doenças endémicas e pelo êxodo de
centenas de milhares de deslocados, bem como pela avassaladora degradação
ambiental de que vem sendo vítima. Apesar de ser o Continente que menos
contribui para esse desequilíbrio, a África é o que mais sofre com suas
consequências.
Esta crise envolve também a segurança, não
apenas em razão dos conflitos regionais, mas, igualmente, por causa da dimensão
universal que tem assumido o terrorismo e que tem afectado boa parte do nosso
Continente com reflexos nos tráficos de drogas e de seres humanos, na pirataria
marítima, na intolerância religiosa, males estes que encontram na instabilidade
política, social e/ou militar patenteada em muitos dos nossos países, terreno
fértil para sua instalação e desenvolvimento. Os casos recentes do Mali, da
Guiné Bissau, e outros como do Sudão, da Somália, da República Democrática
do Congo e de alguns países do Magreb ilustram bem a situação.
A Comunidade Internacional tem todo o
interesse em empenhar-se decididamente na luta pela erradicação de tais males.
Apesar desses constrangimentos, é de se
reconhecer que a nova vaga de dirigentes africanos muito tem feito em prol
do progresso do Continente e por isso deve ajudar verdadeiramente os seus
países a encontrar soluções adequadas para as situações que enfrentam sem
interferência de interesses outros que não sejam os dos povos.
É claro que resta muito ainda por
fazer.
Em nosso entendimento, e conforme evoquei
em outra ocasião, o que não nos tem faltado em África, Senhor Presidente, são
receitas, declarações, recomendações, programas e projectos, numa análise e
perspectiva que trespassam pelos factores políticos, institucionais, sociais e
culturais que se condicionam numa teia que, às vezes, sugere um círculo
vicioso: não existe verdadeiro desenvolvimento porque não existe paz; a
democracia não se enraíza porque se esbarra em tradições culturais e morais;
não existe paz porquanto contextos de intolerância e de exclusão social retiram
aos cidadãos a possibilidade de construir uma sociedade livre, justa,
democrática e pluralista, reforçando, deste modo, a proliferação dos conflitos armados
as vezes e outros males sociais.
A África precisa, Minhas Senhoras e Meus
Senhores, de uma nova linha de pensamento, que não rejeite os valores
universais da democracia, antes os utilize para enriquecer o seu próprio
processo de desenvolvimento numa relação dialética entre modernidade e
tradição; entre a liberdade e as tentações do seu condicionamento; entre
a exigência do desenvolvimento económico e o combate à exclusão e à
desigualdade social; entre o realismo e os preconceitos.
A África precisa reconquistar a sua
autoconfiança.
A África precisa ainda, Senhor Presidente,
de ver reforçado os laços de cooperação entre a ONU e a União Africana, para
uma verdadeira parceria para o Desenvolvimento.
É tempo, Senhor Presidente, de se decidir
por negociações globais, feitas com base em regras justas, equitativas e com
ética, no âmbito do comércio mundial ou das mudanças climáticas, conforme os
países do Sul em geral, e do meu Continente em particular, vêm revindicando em
outros fora, nomeadamente no âmbito da Organização Mundial do
Comércio e da FAO ou da UNFCCC.
Apelamos, enfim, para que se decida pela
tomada de medidas concretas que resultem na efectivação das decisões tomadas no
quadro desta Organização, em matéria de desenvolvimento, como, por exemplo, as
relativas ao cancelamento da dívida externa dos países em desenvolvimento,
particularmente a dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, pois
estamos certos de que tal decisão representaria um estímulo para todos esses
países, com vista a atingirem os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, em
2015.
Senhor Presidente,
Em 2009, o Secretário Geral Ban Ki – Moon,
afirmou na Universidade de Princeton, que a ONU precisa “ de uma nova visão, de
um novo paradigma, de um novo multilateralismo”, o qual permitiria “ assegurar
a estabilidade económica e financeira mundial, lançar uma ofensiva contra a
pobreza, restabelecer a paz e a estabilidade, responder às alterações
climáticas, melhorar a saúde no mundo, lutar contra o terrorismo e garantir o
desarmamento e a não proliferação”.
Em Junho passado, no encerramento da
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, foi
dito que, e cito : “ a Rio +20” mostrou que o multilateralismo
é um instrumento insubstituível de expressão global da democracia. Reafirmamos
que essa é a via legítima para a construção de soluções para os problemas que
afectam a toda a humanidade.”
Faço minhas tais declarações, que, aliás,
aplaudo.
Senhor Presidente,
O mundo evoluiu imenso desde o final da
guerra fria. O sistema multilateral em vigor precisa se adequar aos novos
desafios. E para que a ONU possa continuar a ser um instrumento eficiente e
vital para a Comunidade Internacional, nesta nova etapa de relacionamento
multilateral, ela terá de se abrir, de se inovar, de ouvir outras vozes e
aceitar as novas realidades políticas, económicas, sociais e económicas,
geradas e impostas pelo processo de globalização em que o mundo se envolveu.
A reforma do Conselho de Segurança da ONU,
instância que responde cada vez menos aos desafios do mundo contemporâneo,
constitui objectivo que vem sendo perseguido há muito, sem contudo se ter
chegado, ainda, a um acordo quanto à sua efectivação.
Neste particular, Cabo Verde apoia a
posição assumida pela União Africana que recomenda a reforma do Conselho de
Segurança, por forma a corrigir uma situação considerada injusta com relação ao
Continente Africano, ainda sem direito sequer a um lugar permanente
no referido Conselho, apesar de preencher todos os requisitos para o efeito.
Termino, Senhor Presidente, com a
convicção de que a África pode, também, dar o seu valioso contributo para a
construção de um mundo melhor. Sem guerra. Um mundo onde a paz não seja apenas
um conceito teórico. Um mundo mais livre, com mais justiça e mais segurança.
Enfim, um mundo com mais fraternidade e prosperidade, capaz de proporcionar
efectivo bem estar a todos os seus filhos.
Muito obrigado pela vossa atenção.
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