quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República de Cabo Verde, na 67ª Sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, New York, 27 de Setembro de 2012


Senhoras e Senhores Chefes de Estado e Governo, Excelências,
Senhor Vuk Jeremic, Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Excelência,
Senhor Ban Ki-moon, Secretário Geral das Nações Unidas, Excelência,
Senhoras e Senhores Chefes de Delegação, Excelências,

Saúdo o Presidente da Assembleia Geral, a quem felicito pela sua eleição, formulando votos de êxito em sua missão. 


Felicito igualmente o Presidente cessante dos Emirados do Qatar, Embaixador Nassir Abdulaziz Al-Nasser, pelo excelente trabalho realizado durante o seu mandato

Permitam-me ainda endereçar palavras de apreço ao Secretário Geral Ban Ki-moon, pela forma competente como vem dirigindo os destinos da nossa Organização e reafirmar  a nossa confiança na sua liderança mormente num momento particularmente difícil, como este em que esta Assembleia se reúne. Refiro -me a uma das piores crises financeiras que o mundo conheceu, com reflexos nos sectores económico, social, político, alimentar, energético, ambiental, migratório, sem esquecer, ainda, as terríveis ameaças à paz e à segurança, que nos chegam de vários quadrantes do globo. 

Pequeno estado insular, com grande escassez de recursos e com trinta e sete anos de independência, Cabo Verde orgulha-se de ser um país democrático e de ter erigido em Estado de direito, construído com o sofrimento e a determinação dos cabo-verdianos residentes no país e no exterior.

Se é verdade que o meu país tem enormes dificuldades a enfrentar para assegurar a sua existência e para a ultrapassagem das quais necessita da solidariedade internacional, acredito que ele pode, ainda que modestamente, contribuir para a busca de soluções para importantes problemas que afligem o conturbado mundo dos nossos dias.

Para além da estabilidade politica que nos tem caracterizado e da construção e consolidação de um regime democrático, a Nação cabo-verdiana que antecedeu a criação do Estado, pode ser considerada um exemplo de convivência pacífica entre gente oriunda de países diferentes, com credos diferentes que se amalgamaram, numa cultura mestiça original, aberta ao mundo e à permuta de valores. 

Senhor Presidente,

A opção por uma política de paz, de diálogo e de entendimento na resolução de conflitos mais do que a explicitação e assunção desses valores, é emanação do modo de ser e de estar do cabo-verdiano, de uma cultura de tolerância e que tem permitido que, ao longo das quase quatro décadas da sua história, tais valores e princípios tenham enformado as políticas do país.

Se é facto que a nossa modesta contribuição politica tem contribuído para a obtenção de resultados positivos, nomeadamente os conseguidos no quadro dos conflitos da África Austral e que se traduziram no fim do Apartheid, na independência da Namíbia e na paz em Angola, entendo que talvez a contribuição maior que temos dado seja a nossa vivência como Povo e como Cultura.

No nosso dia-a-dia, temos demonstrado que a tolerância é possível, a permuta de valores uma realidade, mesmo em condições adversa.

É este lastro que tem permitido que os diferentes Governos e Chefes de Estado mantenham a mesma linha de orientação na condução da política externa de Cabo Verde, optando por privilegiar a defesa de uma política de paz e justiça e da coexistência pacífica entre os povos. Quase que se poderia dizer que a nossa política externa tem sido a expressão, pelo menos, tradução, da nossa cultura, da nossa idiossincrasia.

Esta realidade que também me orienta e que tenho procurado aprofundar, pode ser, creio, uma importante contribuição de Cabo Verde para o meu Continente e, talvez, para outras áreas do globo.

Senhor Presidente,

No passado dia 25 a Constituição da República de Cabo Verde completou vinte anos de vigência, o que de certa forma é um indicador da estabilidade que impera no nosso país, e que tem permitido a realização de eleições presidenciais, legislativas e municipais, com alternâncias políticas dentro da maior normalidade.

Por feliz coincidência essa data crucial para o meu país coincide com a realização da 67ª Assembleia Geral da ONU, expoente da Democracia ao nível planetário, em processo de renovação e, por isso, é-me muito grato partilhar esta efeméride com esta augusta assembleia.

A Lei Magna estipula que a nossa ordem jurídica recebe, com primazia, na nossa ordem interna, as normas do direito internacional comum e do direito convencional, validamente aprovadas e ratificadas. 

Este aspecto testemunha, de modo eloquente, a grande importância que atribuímos a instâncias como a ONU e a nossa opção pelos princípios que as norteiam, mas temos consciência de que se estes e outros princípios plasmados na Constituição, nomeadamente os referentes ao respeito pelos direitos humanos, não impregnarem a nossa cultura, a Constituição não será realizada em toda a plenitude.

Por isso, tanto no país como no exterior temos conclamado todos os cabo-verdianos a proceder a uma profunda interiorização da Constituição, passo imprescindível para garantir a sua progressiva e plena realização.

Senhor Presidente,

Não obstante as grandes interrogações que perpassam o mundo e as vulnerabilidades de que padece a economia cabo-verdiana, com reflexos directos nas condições de vida de grande parte das pessoas, devo, sem falsa modéstia, dizer que me orgulho da trajectória percorrida pelo meu país da independência a estes dias. Nessa época o nosso PIB per capita era de USD 190 e hoje ascendeu a 3295. Diversos indicadores sociais acompanharam essa evolução positiva e hoje estamos em condições de atingir os objectivos do milénio. Aliás, posso dizer que os índices de desenvolvimento humano, económico e financeiro, registados no biénio 2011/2012, mereceram a avaliação positiva das principais instituições financeiras internacionais.

Com uma economia baseada em serviços, que em 2010 respondiam por 80% do PIB, um mercado de dimensões exíguas e uma agricultura que luta contra a desertificação e a escassez das chuvas, não podemos ignorar as grandes vulnerabilidades de que padecemos e, por isso, sabemos que não nos podemos deslumbrar com o facto de termos sido graduados como país de rendimento médio, podemos nos dumbrar com o to de os sido graduados como pais de rendimento médio.


Pelo contrário, pensamos que não podemos perder de vista que a nossa economia é ainda muito dependente, que ela não consegue absorver parte muito significativa da mão-de-obra, com todas as consequências sociais advenientes, pelo que temos de continuar a contar com a solidariedade internacional.  

Naturalmente, devemos continuar a contar com a utilização adequada e racional dos nossos parcos recursos, e a desenvolver esforços cada vez mais eficazes na luta contra a pobreza, a exclusão social e o desemprego que em 2010 atingia a taxa geral de 21% e de 50% entre os jovens.

Os constrangimentos ao nível da energia, água e saneamento terão de continuar a merecer a atenção devida, para que, a par da criação  de indispensáveis infra-estruturas, se consiga criar as condições necessárias ao crescimento sustentável da nossa economia. É preciso ainda ter em conta que os impactos, cada vez mais desastrosos no mundo e, em particular, nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, das mudanças climáticas e outros riscos advenientes de desastres naturais, constituem uma espada de Dâmocles quando olhamos para o futuro. Outrossim, eles  tornam imperativo que todos os países, de forma coerente e solidária, ponham em prática as suas proclamações em defesa da natureza e da «economia verde» e ajudem a construir uma verdadeira resiliência global.

Senhor Presidente,

Uma das características mais marcantes do nosso mundo é a interdependência cada vez mais estreita de todas as áreas. Se a economia é por vezes a que é mais referida pelo facto de ela condicionar as restantes, a interdependência estende-se ao sector do ambiente, da saúde, da segurança, da política, da cultura, enfim a quase todas as áreas de actividade humana.

Por isso, é fundamental, para nós, o acompanhamento permanente dos aspectos mais relevantes dessas complexas relações com o objectivo de conhecer as tendências dominantes que podem condicionar o nosso processo de desenvolvimento mas também para podermos ter condições de, ainda que modestamente, contribuir para a solução dos problemas que  atormentam as pessoas e os países em diversos quadrantes.

Ainda que a estabilidade política e social seja um dos traços essenciais da nossa sociedade não podemos ignorar que no nosso continente, ela não tem sido uma das suas características definidoras por razões endógenas e por outras que até certo ponto lhe são alheias

Quero aqui exprimir a minha profunda preocupação com relação à excepcional situação de crise económica e financeira mundial, que continua penalizando, de forma dramática, Governos e populações indefesas do Continente Africano, de per si já bastante martirizadas pela fome, pelo flagelo da SIDA associado a outras doenças endémicas e pelo êxodo de centenas de milhares de deslocados, bem como pela avassaladora degradação ambiental de que vem sendo vítima. Apesar de ser o Continente que menos contribui para esse desequilíbrio, a África é o que mais sofre com suas consequências.

Esta crise envolve também a segurança, não apenas em razão dos conflitos regionais, mas, igualmente, por causa da dimensão universal que tem assumido o terrorismo e que tem afectado boa parte do nosso Continente com reflexos nos tráficos de drogas e de seres humanos, na pirataria marítima, na intolerância religiosa, males estes que encontram na instabilidade política, social e/ou militar patenteada em muitos dos nossos países, terreno fértil para sua instalação e desenvolvimento. Os casos recentes do Mali, da Guiné Bissau, e outros como do Sudão, da Somália, da República Democrática do Congo e de alguns países do Magreb ilustram bem a situação.

A Comunidade Internacional tem todo o interesse em empenhar-se decididamente na luta pela erradicação de tais males.

Apesar desses constrangimentos, é de se reconhecer que a nova vaga de dirigentes africanos muito tem feito em prol do progresso do Continente e por isso deve ajudar verdadeiramente os seus países a encontrar soluções adequadas para as situações que enfrentam sem interferência de interesses outros que não sejam os dos povos.

 É claro que resta muito ainda por fazer.

Em nosso entendimento, e conforme evoquei em outra ocasião, o que não nos tem faltado em África, Senhor Presidente, são receitas, declarações, recomendações, programas e projectos, numa análise e perspectiva que trespassam pelos factores políticos, institucionais, sociais e culturais que se condicionam numa teia que, às vezes, sugere um círculo vicioso: não existe verdadeiro desenvolvimento porque não existe paz; a democracia não se enraíza porque se esbarra em tradições culturais e morais; não existe paz porquanto contextos de intolerância e de exclusão social retiram aos cidadãos a possibilidade de construir uma sociedade livre, justa, democrática e pluralista, reforçando, deste modo, a proliferação dos conflitos armados as vezes e outros males sociais.

A África precisa, Minhas Senhoras e Meus Senhores, de uma nova linha de pensamento, que não rejeite os valores universais da democracia, antes os utilize para enriquecer o seu próprio processo de desenvolvimento numa relação dialética entre modernidade e tradição;  entre a liberdade e as tentações do seu condicionamento; entre a exigência do desenvolvimento económico e o combate à exclusão e à desigualdade social; entre o realismo e os preconceitos.

A África precisa reconquistar a sua autoconfiança.
A África precisa ainda, Senhor Presidente, de ver reforçado os laços de cooperação entre a ONU e a União Africana, para uma verdadeira parceria para o Desenvolvimento.

É tempo, Senhor Presidente, de se decidir por negociações globais, feitas com base em regras justas, equitativas e com ética, no âmbito do comércio mundial ou das mudanças climáticas, conforme os países do Sul em geral, e do meu Continente em particular, vêm revindicando em outros fora, nomeadamente no âmbito da Organização Mundial do Comércio e da FAO ou da UNFCCC.

Apelamos, enfim, para que se decida pela tomada de medidas concretas que resultem na efectivação das decisões tomadas no quadro desta Organização, em matéria de desenvolvimento, como, por exemplo, as relativas ao cancelamento da dívida externa dos países em desenvolvimento, particularmente a dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, pois estamos certos de que tal decisão representaria um estímulo para todos esses países, com vista a atingirem os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, em 2015.

Senhor Presidente,

Em 2009, o Secretário Geral Ban Ki – Moon, afirmou na Universidade de Princeton, que a ONU precisa “ de uma nova visão, de um novo paradigma, de um novo multilateralismo”, o qual permitiria “ assegurar a estabilidade económica e financeira mundial, lançar uma ofensiva contra a pobreza, restabelecer a paz e a estabilidade, responder às alterações climáticas, melhorar a saúde no mundo, lutar contra o terrorismo e garantir o desarmamento e a não proliferação”.

Em Junho passado, no encerramento da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, foi dito  que, e cito : “ a Rio +20” mostrou que o multilateralismo é um instrumento insubstituível de expressão global da democracia. Reafirmamos que essa é a via legítima para a construção de soluções para os problemas que afectam a toda a humanidade.”
Faço minhas tais declarações, que, aliás, aplaudo. 

Senhor Presidente,

O mundo evoluiu imenso desde o final da guerra fria. O sistema multilateral em vigor precisa se adequar aos novos desafios. E para que a ONU possa continuar a ser um instrumento eficiente e vital para a Comunidade Internacional, nesta nova etapa de relacionamento multilateral, ela terá de se abrir, de se inovar, de ouvir outras vozes e aceitar as novas realidades políticas, económicas, sociais e económicas, geradas e impostas pelo processo de globalização em que o mundo se envolveu.

A reforma do Conselho de Segurança da ONU, instância que responde cada vez menos aos desafios do mundo contemporâneo, constitui objectivo que vem sendo perseguido há muito, sem contudo se ter chegado, ainda, a um acordo quanto à sua efectivação.

Neste particular, Cabo Verde apoia a posição assumida pela União Africana que recomenda a reforma do Conselho de Segurança, por forma a corrigir uma situação considerada injusta com relação ao Continente Africano, ainda sem direito sequer a um lugar permanente no referido Conselho, apesar de preencher todos os requisitos para o efeito.

Termino, Senhor Presidente, com a convicção de que a África pode, também, dar o seu valioso contributo para a construção de um mundo melhor. Sem guerra. Um mundo onde a paz não seja apenas um conceito teórico. Um mundo mais livre, com mais justiça e mais segurança. Enfim, um mundo com mais fraternidade e prosperidade, capaz de proporcionar efectivo bem estar a todos os seus filhos.

Muito obrigado pela vossa atenção.  

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