Excelentíssimo Senhor Ministro das Relações
Exteriores,
Excelentíssimo Senhor Chefe da Casa
Civil,
Excelentíssimo Senhor Mbye Cham, Presidente
do WARA,
Excelentíssimo Senhor Presidente do
WARC,
Excelentíssimos Senhores diplomatas,
jornalistas, participantes e colaboradores,
Ilustres convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores, É com
enorme prazer que aceitei o amável convite para presidir à cerimónia de
encerramento desta importante conferência sobre a iniciativa de paz na África ocidental,
ideal que todos perseguimos.
Aproveito a oportunidade para saudar, de
forma fraterna e calorosa, todos os participantes deste evento e, muito
especialmente, os seus ilustres promotores e organizadores que tudo fizeram
para que, durante esses três dias de intensa actividade, fossem abordados temas
de enorme relevância para a vida das nossas sociedades, redundando no sucesso que
nos apraz a todos verificar.
Pelo feito, o nosso sincero
reconhecimento por este feito.
Segui com muita atenção o desenrolar dos
trabalhos e confesso a minha satisfação em ver que os resultados da conferência
representam mais um marco na trajectória da nossa luta comum a favor da paz e
da justiça, da coexistência pacífica entre os Estados, pela defesa da causa da
humanidade, e, enfim, pela liquidação de todos os obstáculos à realização plena
do cidadão, na sua própria sociedade, sem discriminação racial nem
discriminação social e de género, tendo em vista o progresso, a dignidade e o
bem-estar de todos.
Os resultados dos trabalhos apontam creio
para o alinhamento da nossa sub-região com os princípios defendidos na Carta
das Nações Unidas e pela Unesco que preconizam a conciliação das diferenças, a
harmonização das relações heterogéneas e, desta feita, harmonizando-se com o
ideal que favorece o surgimento de uma civilização universal tal como almejado,
por exemplo, pelo grande poeta da negritude, Leopold Sedar Senghor, um dos máximos
expoentes da intelectualidade do nosso continente, precursor e defensor
convicto da promoção do ideal da paz, recorrendo à ideia de interculturidade.
Efectivamente, já em 1968 o presidente e
poeta Senghor, numa conferência realizada em Franckfurt, Alemanha, dizia que “
graças aos progressos da cultura, da ciência e da tecnologia, nós nos tornamos,
no decurso deste século (XX), abertos uns para com os outros, apertados uns
contra os outros, de corpo e alma. A única lição desta interdependência
planetária é a de que temos de nos acomodar à escala universal: para e na paz”.
Num quadro cultural feito de permuta de
valores e comunhão entre povos diversos, de procura permanente de soluções
através do compromisso e do reencontro, o diálogo de civilizações pode ser,
efectivamente, um motor da paz.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
O que não nos tem faltado em África são
receitas, declarações, recomendações, programas e projectos, numa análise e
perspectiva que trespassam pelos factores políticos, institucionais, sociais e
culturais que se condicionam numa teia que, às vezes, sugere um círculo
vicioso: não existe verdadeiro desenvolvimento porque não existe paz; a
democracia não se enraíza porque se esbarra com tradições culturais e morais; não
existe paz porquanto contextos de intolerância e de exclusão social retiram aos
cidadãos a possibilidade de construir uma sociedade livre, justa, democrática e
pluralista, reforçando, deste modo, a proliferação de conflitos armados as
vezes e outros males sociais.
Mas, quando nos colocamos a questão
essencial de saber como ultrapassar este tipo de círculo vicioso, pelo qual
passa a equação da transição democrática e do desenvolvimento em África, as
respostas por vezes parecem ainda pouco encorajadoras e, sobretudo, pouco convincentes.
Afirmar por exemplo que a democratização
nos países ditos de terceiro mundo e, particularmente em África, que é um
processo de permanente reinvenção, de reconstrução, de re-criação; dizer que a África
necessita de uma linha de pensamento político nova que não rejeite os valores
universais da democracia, mas que os utilize para enriquecer o seu próprio processo
de desenvolvimento; afirmar que a África precisa de reconquistar a sua
auto-confiança, tudo isso é importante e certeiro. Mas, diríamos, que acima de
tudo é necessário perceber também que a democratização é ela própria sempre um
processo inacabado, dependente da afirmação da sociedade civil e de uma
dimensão de poder pluralista no seu seio, onde permanentemente possam ser
reproduzidas ou produzidas tendências democratizadoras da estrutura política.
Em África, acreditamos, o processo da
democratização total será feito de progressos e recuos, numa relação dialéctica
entre modernidade e tradição: entre a afirmação da autonomia e a pressão da
dependência; entre a exigência do desenvolvimento económico e o combate à
exclusão e à desigualdade social; entre a liberdade e as tentações do seu
condicionamento; entre a aritmética dos tecnocratas e a politização das
questões sociais, entre o realismo e os preconceitos.
Por isso mesmo, creio não poderá existir
um processo único de democratização, sequer um modelo a ser seguido. Estamos
inclusivamente convencidos de que a democratização será possível apenas se se
abandonarem as posições extremas do tipo culturalista ou historicista, que
rejeitam mudanças e críticas dos valores e das tradições, ou, no pólo oposto, que
se guiem pelo mimetismo cultural.
Ilustres convidados,
A realidade actual africana contempla
muitas possibilidades. Não será por acaso que a competição em África entre
investidores chineses, europeus e americanos se tende a intensificar. A África
é cada vez mais vista como um importante mercado potencial para os produtos
locais ou produtos de outras paragens. Os seus recursos energéticos são
considerados uma importante mais-valia. Devido a esforços locais e à cooperação
internacional em algumas regiões a epidemia de Sida tende a ser controlada e
algumas experiências democráticas, ainda que insuficientes, tendem a
consolidar-se.
Contudo, o mundo enfrenta hoje uma crise
sem precedentes que pode ter consequências muito graves para a nossa região e
para o nosso continente. Esta crise é global e assume facetas múltiplas. Ela é
económica e financeira, condicionando o desenvolvimento de quase todo o
planeta, com repercussões negativas em África, não obstante a inserção ainda relativamente
limitada do continente na economia mundial. Ela é também ambiental, e, nessa
esfera, apesar de a África ser o continente que menos contribui para esse
desequilíbrio, a África é o que mais sofre com as suas consequências. A crise
envolve também a segurança, não apenas em razão dos conflitos regionais mas,
igualmente, por causa da dimensão universal que tem assumido o terrorismo e que
tem afectado parte da nossa região. Ela, a crise, espelha-se ainda nos tráficos
de drogas e de seres humanos e atinge o domínio da saúde, nomeadamente através
da pandemia do HIV/ Sida que tem causado muito sofrimento a milhões de mulheres,
homens e crianças.
Mas temos de reconhecer que, para além
dos problemas económico-financeiros, ambientais e sanitários, com graves
repercussões na vida das pessoas, um dos nossos problemas maiores é a
instabilidade política, e por vezes também militar, que caracteriza ainda grande
parte do continente e que também afecta a nossa região.
Minhas senhoras e meus senhores,
A região da África do oeste tem
conhecido alguma turbulência que, felizmente, nos tempos mais recentes tem
apresentado tendência para a estabilidade, apesar de persistirem importantes
dificuldades.
Regozijo-me com essa tendência e
comprometo-me firmemente a tudo fazer para a consolidar e apelo a todos os
envolvidos a caminharem nessa direcção.
É tendo em consideração a grande
complexidade de que se reveste a situação actual e a urgência na busca de
soluções duradouras que apoiamos incondicionalmente iniciativas como a que está
sendo levada cabo no nosso país nos últimos dias e que vem na sequência de um
processo iniciado há três anos.
Vai ser preciso transitar da fase
conceptual de uma opção política pela paz, para uma etapa diferente, em que a
paz tenha condições de se afirmar como uma das grandes prioridades em toda e
qualquer dimensão da vida das nossas sociedades, a começar pela educação. Mas
uma etapa que seja de construção também paciente e firme de instituições e
práticas democráticas, num processo em que certamente serão decisivos o papel activo das elites africanas de
regresso aos países de origem e a afirmação progressiva das sociedades civis.
A democracia nasceu da sociedade e na
sociedade e não do Estado. E só uma sociedade
verdadeiramente democrática é capaz de garantir a democracia.
Para que as nossas sociedades civis se
afirmem; para que cheguemos à existência de uma opinião pública que funcione
como instância informal de controlo social do exercício do poder político, é
preciso que os cidadãos se organizem, criem as suas associações cívicas,
políticas, profissionais, se habituem a cultivar a crítica construtiva e a
favorecer o debate de ideias; que criem e façam afirmar os seus meios de
comunicação social, se batam pela generalização da educação e da cultura e
divulguem e promovam os valores da tolerância, do diálogo, do consenso e da
institucionalização dos conflitos, através de regras consensualmente aceites,
do respeito pelas diferenças e pelas minorias.
Mas também deveremos dizê-lo com
franqueza: é um processo de mudança que, para vencer, com êxito, as resistências
ditadas por fundos complexos, mormente de segmentos de certas elites africanas,
o hábito, muito nosso, de permanente desculpabilização dos nossos erros, das
nossas fraquezas, incapacidades e de eterna responsabilização dos outros, e,
sobretudo, as tentações de imposição de modelos muitas vezes inadequados ou desajustados
das realidades. Tudo isso exige lideranças com legitimação – procedimental e
material – democrática, que constituam condição de uma autêntica e permanente refundação de uma organização
continental que possa funcionar com autoridade, com eficácia e responsabilidade
interna e externa, sobretudo numa organização capaz de legitimar a criação e a
acção de órgãos de gestão de conflitos Num processo, enfim, em que os modelos
de organização do poder do Estado devem evitar as experiências de concentração
ou mesmo pessoalização do poder que, em África, têm dado resultados claramente
negativos.
Paz e estabilidade, política e
institucional, são fundamentais para os nossos países e a nossa região, mas só
ganham sentido decisivo e duradouro no cadinho de sociedades e estados fundados
nas liberdades e em critérios de justiça.
Minhas senhoras e meus senhores,
Saudamos de forma muito calorosa os
promotores da Iniciativa de Paz na África Ocidental, por que ela contém, intrinsecamente,
um valor inestimável, mas também por que propugna uma perspectiva que se
afigura de extrema importância.
O evento assumiu de forma clara que os
processos de prevenção, de gestão de conflitos, e de implantação e de consolidação
da paz dizem respeito a todos. São questões sérias demais para serem entregues
apenas a políticos e a militares.
A extrema importância da participação
das pessoas nos processos de prevenção e resolução de conflitos foi clara e
simbolicamente reconhecida com a atribuição do Nobel da Paz a três mulheres,
sendo duas da nossa região. Refiro-me às Sras. Ellen Johnson Sirleaf, Presidente
da Libéria e Leimah Ggowee também liberiana oriunda da sociedade civil.
A Iniciativa de paz na África Ocidental
organiza as reflexões procurando envolver os principais interessados e partindo
de uma visão global que vai da prevenção dos conflitos à situação pós-conflito,
passando, naturalmente, pela sua gestão e pela construção da paz.
Diferentes actores são chamados para, a
partir da sua perspectiva, do seu modo de ver o mundo e muitas vezes da sua
experiência pessoal, partilhar a sua reflexão com os demais, discorrendo sobre
o seu entendimento acerca dos caminhos a serem trilhados na prevenção ou gestão
de diferentes etapas dos conflitos.
O papel das mulheres, a participação de
empresas privadas de segurança, a educação, a pesquisa, a comunicação social, a
sociedade civil, as questões fronteiriças, entre outros, são aspectos muito
importantes que foram passados em revista durante estes 3 dias, o que é uma
decorrência lógica da excelente opção da abordagem que escolheram.
Gostaria de insistir num aspecto que
considero muito relevante, qual seja o facto de grande parte das participações
resultar de reflexões sobre processos concretos que tiveram lugar na nossa
região. Reflectir a partir de realidades concretas favorece e enriquece o
debate teórico e pode facilitar a adaptação a realidades outras.
Minhas senhoras e meus senhores,
O facto de Cabo Verde, o meu país, ter
sido escolhido para sediar o evento muito nos orgulha e traduz uma visão que
consideramos, até pelos temas discutidos, uma visão prospectiva que se funda na
necessidade para além de estudar, prevenir e gerir os conflitos, igualmente
consolidar os processos de paz já conseguidos e definir uma perspectiva de
futuro. Não ignoramos que o nosso país possui algumas especificidades, como a
sua reduzida dimensão e o facto de não ter conhecido conflitos armados. Mas
acreditamos que a nossa relativamente curta história de país independente e com
alguns sucessos alcançados, nomeadamente na nossa aprendizagem do processo
democrático, poderá ser encarada não como padrão a ser seguido necessariamente,
mas como processo a ser tido em conta, até porque outras realidades com
semelhanças com a nossa não têm apresentado resultados comparáveis.
Após um período de quinze anos de regime
autoritário o povo cabo-verdiano optou pela democratização do país assegurando
a alternância política, o poder legitimado (e apenas legitimado) pelo voto popular
e o respeito pelas liberdades e garantias individuais.
A independência dos poderes tem sido uma
realidade, bem como a criação de um poder local democrático.
No entanto, se podemos considerar que os
ganhos do processo cabo-verdiano são reais, seria um grave erro considerar que são
irreversíveis e que estão garantidos apenas pela inércia.
Uma tal visão, para além de ingénua, seria
extremamente perigosa num mundo cada vez mais interdependente no qual factores
diversos e por vezes muito poderosos extravasam fronteiras e condicionam países
e regiões inteiras.
Não obstante os avanços conseguidos e o
facto de os conflitos existentes serem resolvidos pelas instituições da nossa república
que funcionam adequadamente, a nossa democracia é ainda jovem e necessita de
consolidação, nomeadamente, através do fortalecimento do sistema de justiça, de
uma maior afirmação da sociedade civil e do enraizamento de uma cultura da constituição,
vale dizer, de uma cultura de democracia, diríamos de «cidadania democrática».
Assim, considero muito importante a perspectiva
realista, adoptada no sentido de se estudar a realidade cabo-verdiana na óptica
da sustentabilidade do seu processo de desenvolvimento social e político, na
medida em que este poderá em larga medida resultar da intervenção consciente
dos actores escudados no conhecimento da realidade e da dinâmica regional.
Ilustres convidados,
Entendo a realização desta conferência em
Cabo Verde e o convite que me foi dirigido como um forte sinal de
encorajamento, para que o nosso País continue no caminho que vem trilhando, com
o firme propósito de consolidar um Estado de Direito Democrático moderno, fundado
na eminente dignidade da pessoa humana, que respeita a vida humana e o meio
ambiente, e onde a tolerância e o respeito pelo diferente e pela diferença
sejam cultivados e incentivados, utilizando todos os recursos disponíveis e
mobilizáveis.
Esta terceira conferência, realizada
nesta cidade da Praia, representa, ao meu ver e por si só, um passo importante
na direcção certa: a promoção de uma cultura de paz, de uma cultura de respeito
pelos direitos e valores da cidadania, que auguramos se tornem uma realidade
nos nossos respectivos países, de modo a fazer da nossa sub-região oeste
africana uma referência, um exemplo a seguir, de paz, concórdia,
desenvolvimento e prosperidade para as nossas nações e para os nossos concidadãos.
Devemos todos empenhar-nos na construção
de uma África rica e pujante na sua diversidade cultural, ciosa de seus valores
específicos, mas igualmente uma África da democracia, dos direitos humanos, do
desenvolvimento sustentado e equilibrado, capaz de proporcionar efectivo
bem-estar a todos os seus filhos.
Declaro assim, com a vossa permissão,
encerrada a terceira conferência sobre a iniciativa de paz na África ocidental.
Muito obrigado pela vossa paciência.
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