Excelências:
Senhor Presidente da Assembleia
Nacional,
Senhor Ministro da Justiça,
Senhores Provedores de Justiça,
Senhores Parlamentares,
Senhores Representantes dos
Governos da CPLP,
Senhores Representantes das
Comissões Nacionais dos Direitos Humanos,
Prezados Representantes da
Sociedade Civil cabo-verdiana,
Senhores Especialistas das Nações Unidas,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Sinto -me profundamente honrado com o
convite que o Sr. Provedor de Justiça de Portugal me endereçou para proceder ao
encerramento deste Seminário, realizado sob os auspícios do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Direitos Humanos e com as importantes participações
da Assembleia Nacional e do Ministério da Justiça cabo-verdianos, bem como do
Provedor de Justiça de Portugal e do Ministério dos Negócios Estrangeiros
português.
É, pois, com grande prazer que saúdo esta
assembleia que, na cidade da Praia, durante três dias, se debruçou sobre tema
de muito elevada importância: são os direitos humanos, verdadeiros barómetros
da Democracia.
Continuamos a entender, com ELÍAZ DÍAZ,
que «em definitivo, a razão de ser do estado de Direito é a protecção e
realização dos Direitos Humanos A universalização destes e da democracia exige,
pois, a universalização do Estado social e democrático de Direito». Este é
expressão institucional e paradigmática daquele que é capaz de universalizar os
Direitos Humanos, a sua protecção e a sua realização efectivas.
Aos Senhores Provedores de Justiça de
Angola, Moçambique, Namíbia, Portugal e Timor Leste, que quiseram prestigiar
este importante evento e brindar os participantes com a sua experiência neste
domínio, endereço um cumprimento muito especial. Saúdo também efusivamente os
senhores representantes da Guiné Bissau, S. Tomé e Príncipe e Brasil.
O
respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948,
constitui, simultaneamente, um objectivo de nobreza indiscutível e um dos
grandes desafios do nosso tempo a nível de vastas regiões do globo, incluindo
os nossos países.
Em grande parte essa complexa situação
decorre da interacção de diferentes elementos que poderão constituir factores
de risco de não cumprimento ou de promoção dos direitos humanos e que estão
relacionados com questões sociais, culturais, políticas e outras.
Se se poderá entender que a concretização
de determinados direitos, nomeadamente os económicos e sociais, depende de
condições objectivas, que o seu cumprimento vai mais além da existência de
compromissos legais e políticos, hoje não se discute a subordinação do
exercício dos direitos humanos a condicionalismos culturais ou históricos.
Em realidade, o arcabouço dos Direitos Humanos
sustenta-se no compromisso dos Estados e de todas as sociedades com os seus
princípios básicos, entre eles o combate à desigualdade e à discriminação e o
compromisso de avançar progressivamente na realização plena dos direitos
humanos para todos, o que não significa, contudo, que o seu exercício pleno
seja um dado adquirido.
Como muito bem afirma Vieira de Andrade
«A luta pelos direitos fundamentais
manifesta-se hoje mais visivelmente num plano internacional ou global, não só
ao nível proclamatório das grandes declarações e convenções …, mas sobretudo na
defesa dos direitos mais elementares das pessoas em momentos de crise e de
privação …, e na edificação de uma ordem jurídica internacional efectiva,
representada emblematicamente pela criação do Tribunal Penal Internacional. Esta
luta no plano mundial será porventura mais apelativa, porque é heróica e mártir
– mas não nos dispensa de considerar a luta pela realização dos direitos
fundamentais no dia-a-dia das sociedades estáveis e das nações que se dizem
civilizadas.»
Estas Nações deparam-se, também, com a grande
questão da criação de mecanismos efectivos que promovam a defesa desses
direitos num contexto de grandes mudanças que ocorrem com impressionante
rapidez, como a erosão ou relativização de valores antes tidos como perenes, a
emergência de fenómenos complexos como o crime transnacional, o terrorismo, os
diferentes tráficos ou a ultrapassagem pela ciência de fronteiras antes
definitivas, recolocando na ordem do dia, por exemplo, os fundamentos da vida e
da morte, com inestimável impacto ético.
Minhas Senhoras e meus senhores,
Temos toda a convicção de que o facto de
normas e princípios universais de direitos humanos integrarem o ordenamento
jurídico de grande parte dos países, não significa a sua plena assumpção. Todos
os nossos países são formalmente Estados de Direito Democrático nos quais os
direitos, liberdades e garantias estão assegurados nas leis da República, designadamente
na Constituição.
Contudo, sabemos que a maior parte das
nossas democracias é jovem, em fase de consolidação e que quase todas elas
assentam em pilares ainda relativamente frágeis, pois os tribunais nem sempre
desfrutam de suficiente independência e a consistência e o vigor da imprensa e
da sociedade civil são ainda limitados em boa parte dos nossos países.
Neste quadro, as instituições de defesa
dos direitos humanos adquirem uma importância inestimável, comparativamente às
que existem nas sociedades de maior tradição democrática. Tais instâncias são
fundamentais para a concretização dos princípios e ideais democráticos, para assegurar
a realização da Constituição.
Cada vez fica mais claro que a aprovação
de constituições democráticas é um passo muito importante na construção da
Democracia; mas se não se dispuser de instrumentos que transformem os seus
princípios em realidade concreta, a sua eficácia será quase nula. Essa concretização
é a via que permitirá a criação de uma verdadeira cultura democrática e da
Constituição, garantia da irreversibilidade dos processos democráticos.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
É neste contexto que o Seminário que
hoje termina se inscreve. As suas conclusões e recomendações, são seguramente,
uma alavanca que permitirá a criação de instituições de defesa dos direitos humanos
bem como o reforço das existentes, de acordo com os importantes princípios de
Paris de 1993, que têm na independência das instituições um dos seus elementos fundamentais.
Ao envolver os principais responsáveis
pelo funcionamento do sistema democrático em Cabo Verde, como o Presidente da
República, o Parlamento, o Governo, a sociedade civil e as instâncias de defesa
dos direitos humanos, fica clara a ambição de se congregar entidades com responsabilidades
na criação de condições para o efectivo exercício e aprofundamento dos direitos
humanos.
No que depender de mim, no quadro das
minhas atribuições, tudo farei para que as recomendações deste evento sejam
realidade no nosso país.
Minhas senhoras e meus senhores,
No passado dia 25 de Setembro a Constituição
de Cabo Verde completou vinte anos de vigência. Nestas duas décadas, é
consensual que ela tem sido um importante instrumento ao serviço da democracia
e dos direitos humanos.
Durante este lapso de tempo temos estado
a edificar um Estado de Direito Democrático, com reconhecido sucesso. Com
frequência, a nossa democracia é colocada num nível relativamente elevado, o
que traduz, até certo ponto, os progressos alcançados na esfera política.
De facto, existe uma clara separação de
poderes e o acesso ao poder político tem sido normalmente assegurado através de
disputas eleitorais. As instituições que dão corpo ao Estado, nomeadamente os
tribunais, funcionam regularmente, existindo assim as condições essenciais à
defesa dos direitos humanos.
Contudo, devemos reconhecer que há,
ainda, muitos desafios a vencer. As limitações no acesso aos direitos
económicos e sociais são reais, sendo de se referir, também, às manifestações
de violência com base no género, o desrespeito pelos direitos da criança, bem
como situações de uso ilegítimo da força em esquadras policiais e
estabelecimentos prisionais, casos, aliás, recortados em diferentes relatórios
de instâncias nacionais e internacionais.
Temos,
pois, a consciência de que carecemos de melhorias significativas de modo a
manter e promover os progressos já alcançados, mesmo que em condições nem
sempre favoráveis.
Há
ainda muitos progressos a serem alcançados no sentido de fortalecer e cimentar
a nossa democracia e promover um ambiente para uma efectiva defesa dos direitos
humanos, dentre os quais se destaca a instalação de importantes institutos previstos
na nossa Lei Magna, como o Provedor de Justiça e o Tribunal Constitucional,
duas peças fundamentais para a realização da nossa Constituição e a promoção do
que temos chamado de uma cultura da constituição.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Desde sempre, muitíssimo antes de ocupar
o cargo de Presidente da República, defendi a criação da figura do Provedor de
Justiça. Fi-lo como cidadão, académico e político, porque sempre tive a
convicção profunda de que o Provedor de Justiça pode, na nossa sociedade,
desempenhar um papel de primeira grandeza na mediação entre as pessoas e o, por
vezes opaco, aparelho de estado, nomeadamente no concernente ao acesso à
Justiça, um dos garantes da protecção dos direitos humanos.
Como se pode verificar, numa sociedade
como a cabo-verdiana, que procura consolidar a sua democracia e na qual as
relações entre o cidadão e o estado são complexas, a intermediação dessa
figura, que para além de tudo tem uma importantíssima função pedagógica, terá,
necessariamente impacto relevante na protecção dos direitos humanos.
Por isso, acompanhei e participei
apaixonadamente nos debates que precederam à consagração constitucional desse órgão
que tem por função essencial a defesa e promoção dos direitos, liberdades,
garantias e interesses legítimos dos cidadãos. Dissemos inclusivamente dever
ser ele, em alguma medida, um militante
(independente) da Constituição, dos direitos fundamentais e da legalidade.
Antecedendo a resolução da plenária das
Nações Unidas de Dezembro de 2010, através da revisão constitucional de 1999,
foi criado, em Cabo Verde, o Provedor de Justiça, resultado, em grande parte,
também, de apelos lançados pela comunidade jurídica nacional e outros importantes
segmentos da sociedade civil.
Mantenho aquela convicção, expressa há
já alguns anos. Em países como Cabo Verde, a criação de uma instituição como a
do Provedor de Justiça ou outro figurino próximo do Ombudsman contribuiria, certamente, para que caminhássemos «… em
direcção a um estádio de desenvolvimento cultural e civilizacional em que a
garantia fundamental dos direitos e liberdades estará, no dizer de Prosper
Well, “dans l’air du temps” …».
Não
tenho dúvidas de que este importante evento constituirá mais um incentivo para
que, efectivamente, a Constituição seja, também, realizada neste domínio.
Continuamos a acreditar que o Provedor da justiça poderá realizar, entre nós,
uma função essencial do domínio da supervisão dos direitos humanos e figurar
como um importante meio não judicial de defesa dos direitos do Homem, uma
espécie de “um Provedor de Cidadania», devendo ser, para tanto, um poder
independente, autónomo e moderador entre o cidadão e o Estado.
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Para
além do arcaboiço estatal, a que se deve acrescentar uma cada vez mais
importante participação da estrutura educativa, que procura fazer face a essa
realidade, as organizações da civil cabo-verdiana têm contribuído fortemente
para a consolidação da democracia e a protecção e promoção dos direitos civis,
políticos fundamentais e sociais no país.
Existem
organizações da sociedade civil que se têm dedicado a essa causa, numa
perspectiva essencialmente educativa e informativa, e o seu trabalho tem sido
muito meritório, não obstante terem de enfrentar dificuldades de diversa ordem entre
as quais o próprio facto de a sociedade civil cabo-verdiana ainda necessitar de
uma cultura social e política mais pluralista, de ser mais pujante e criativa,
funcionando como instância de favorecimento do equilíbrio do sistema
democrático e de defesa sistemática dos Direitos Humanos.
Estou,
pois, seguro de que as organizações aqui presentes terão extraído deste evento importantes
ensinamentos que as ajudarão a reforçar a sua relevante intervenção.
Cabe realce especial à Comissão Nacional
dos Direitos Humanos e Cidadania (CNDHC), estrutura tutelada pelo Governo e que
conta com a participação das organizações governamentais e não-governamentais
que se dedicam à causa dos direitos humanos. A CNDHC tem procurado colocar os
direitos humanos na ordem do dia, com base numa actuação pedagógica que envolve,
entre outras acções, a sistematização da situação dos direitos humanos no país,
de que importante exemplo é o I Relatório Nacional de Direitos Humanos
2004-2011. É indiscutível que essa instância tem, no limite do seu
enquadramento, desempenhado papel de relevo nessa área. Seria, porém, muito importante
a sua completa adequação aos princípios de Paris, aspiração, afinal, deste
encontro.
Necessitamos de uma instância nacional estruturada
em conformidade com os princípios de Paris e não duvido que este Seminário,
numa abordagem que privilegia a cooperação e a força do exemplo, será um grande
estímulo e uma ferramenta de peso para a concretização desse desiderato.
Na oportunidade, apelo solenemente aos
representantes do poder político e das organizações da sociedade civil no sentido
de tudo fazerem para que possamos dar mais este passo decisivo.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Registo com grande
apreço o facto de Portugal e Timor leste possuírem Instituições Nacionais de Defesa dos Direitos
Humanos (INDH) acreditadas com Estatuto “A” pelo Comité
Internacional de Coordenação das Instituições Nacionais para a Promoção e Protecção
de Direitos humanos.
A circunstância de, a mais antiga e a
mais recente democracia da nossa comunidade serem as mais avançadas em termos de
instituições de defesa dos direitos humanos encerra uma mensagem muito
significativa sobre a qual deveremos reflectir.
Esta realidade
ensina-nos que o factor tempo não deve ser considerado um empecilho insuperável.
Provavelmente, mais do que a necessidade de se criarem as condições óptimas para
se assumir os desafios que a concretização do ideal de protecção dos direitos humanos
reclamam, o que conta é a determinação traduzida em vontade politica.
Acredito que sempre que possível
diferentes etapas devem ser construídas em simultâneo. Na criação do Estado de Direito,
as etapas são necessárias, mas deve-se ter uma atitude voltada para a
concretização em simultâneo do maior número possível de princípios, para que se
possa sentir que, pelo menos, o núcleo essencial e irredutível dos direitos fundamentais
é efectivamente realizado.
Penso que o exemplo de Timor Leste e a
excelência e abrangência deste Seminário concorrem para que para que, no que
depender dos participantes, num período muito curto, a CPLP tenha sólidas
instituições de defesa dos direitos humanos e uma rede de intervenção efectiva
nessa área.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Tenho sempre defendido que a CPLP mais
do que uma comunidade de Estados deve ser uma comunidade de Povos, pois são as pessoas
que dão sentido ao Estado e garantem a perenidade dos valores considerados
essenciais.
O seu envolvimento é, pois, crucial para
que os propósitos se concretizem. Mas, igualmente, penso que podemos, nessa
linha, aspirar a ser, também, uma comunidade de princípios e a que as sinergias
conseguidas neste evento sejam um poderoso fermento na realização desta
perspectiva.
Aliás, a Declaração de Compromissos ora
adoptada, autoriza a esperança de que, em termos institucionais e operacionais,
a defesa dos direitos humanos nos nossos países sairá significativamente reforçada.
Caros presentes,
Registo, com grande satisfação, o
envolvimento das Nações Unidas, através do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos, nesta iniciativa de valor inestimável para a
construção dos nossos Estados de Direito Democrático, materializando, desta
forma, o acordo assinado entre a as Nações Unidas e os países da CPLP em Dezembro
de 2010.
Aproveito a oportunidade para,
penhoradamente, agradecer ao Senhor Provedor de Justiça de Portugal o empenho,
esforço e competência colocados ao serviço desta importante actividade no nosso
país e que, seguramente, terá as maiores repercussões na CPLP.
A Assembleia Nacional, através de Seu
Presidente e o Mistério da Justiça, representado pelo titular da pasta, com o envolvimento
nesta jornada demonstram a importância que o Parlamento, centro do poder em
Cabo Verde, e o Executivo concedem a essa matéria.
Cumprimento os senhores parlamentares
que trouxeram a sua contribuição a este Seminário e estou seguro de que
enquanto actores políticos qualificados serão importantes mensageiros das
proposições daqui emanadas.
Uma palavra de grande apreço aos representantes
da sociedade civil cabo-verdiana que muito têm feito para colocar a
problemática dos direitos humanos na ordem do dia da nossa, ainda jovem,
democracia.
Por último, um afectuoso e muito especial
aceno aos nossos amigos e companheiros de Angola, Brasil, Guiné Bissau,
Moçambique, Namíbia, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor Leste que, durante
estes dias, trouxeram o seu saber e a sua experiência na defesa dos direitos humanos,
contribuindo de forma decisiva para a edificação desta CPLP de Estados, de povos,
de afectos e de princípios.
Declaro encerrado o “Seminário sobre o Reforço
e a Implementação das Instituições Nacionais de Direitos Humanos nos Países de
Língua Oficial Portuguesa”
Muito obrigado.
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