quarta-feira, 23 de maio de 2012

Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, por ocasião do encerramento da Conferência “ Luta Contra o Terrorismo: Problemas e Oportunidades na África e Médio Oriente”, Ilha do Sal, 23 de Maio de 2012


Excelentíssimo Senhor Director Nacional da Polícia Judiciária,
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal,
Excelentíssimo Senhor Ministro Conselheiro da Embaixada dos EUA,
Excelentíssima Senhora Presidente do FBI,
Excelentíssimo Senhor Presidente da Associação da Academia Nacional do FBI (FBINAA),
Excelentíssimos Senhores diplomatas,
Excelentíssimos Senhores jornalistas,
Ilustres convidados,
Minhas Senhoras, meus Senhores,

Foi com enorme prazer que aceitei o amável convite para presidir à esta cerimónia de encerramento desta importante conferência sobre a “Luta contra o terrorismo, problemas e oportunidades, na África e Médio Oriente”.

Nesta ocasião, apraz-me cumprimentar, fraterna e calorosamente, todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a realização deste evento e para o sucesso em que se traduziu.

Minhas senhoras e meus senhores,

As palavras, para além de definirem ideias, conceitos, representações, por vezes assumem conotações tão acentuadas que passam a significar muito mais do que o seu conteúdo intrínseco, para se transformarem em símbolos muito maiores do que elas próprias, que podem abarcar países inteiros, continentes ou mesmo épocas.

Hoje, se quisermos enumerar algumas palavras que traduzem a nossa época, provavelmente poucas terão o peso da palavra globalização. Mas, para além desta, outras têm também um sentido tão poderoso que igualmente retratam claramente a época presente: meio ambiente, aquecimento global, energia, terrorismo.

Sim, terrorismo. Esta expressão hoje tem o poder de quase condensar praticamente quase tudo o que de mais importante existe: A vida, a morte, o desespero, a tranquilidade, a revolta, a exclusão, a integração, a imoralidade, a ética, a democracia, a ditadura, a liberdade, a opressão, a exclusividade cultural, a interculturalidade, a intolerância religiosa, o ecumenismo, a miséria, a riqueza, a legalidade e a ilegalidade.

O terrorismo já não é um fenómeno isolado, circunscrito, de contornos sempre previsíveis e definidos. Ele é tão presente na vida de hoje que praticamente todos os Estados sentem-se obrigados, na formulação das suas políticas, independentemente da seriedade dos propósitos enunciados, a referir expressamente uma posição em relação a esse fenómeno.

Esta preocupação não é vã, pois sabe-se que existem Estados acusados de financiar grupos terroristas ou de, pelo menos, não os combater e outros Estados também acusados de acções violentas ou económicas que poderiam ser classificadas de terroristas.

Muito longe vai o tempo em que os protagonistas de actos considerados terroristas tinham preocupações com o número de vítimas que os seus actos podiam provocar, pois queriam que se reduzissem ao menor número possível.

Nos tempos actuais o grau de eficácia das acções é directamente proporcional ao número de vítimas causadas, sofredoras de danos físicos ou psicológicos: morte, medo, sofrimento, insegurança, desespero são os resultados procurados e os indicadores capazes de medir o grau de eficácia das acções terroristas.

E os alvos já não são apenas objectivos militares, ou infra-estruturas consideradas estratégicas. Para além destas, as pessoas, os cidadãos comuns, passam a ser alvos potenciais das acções terroristas.

Se os ataques por vezes aparentam uma irracionalidade absoluta, têm sempre uma lógica subjacente, politica, religiosa, cultural, territorial ou étnica.

Minhas senhoras e meus senhores,

A actividade terrorista consegue ameaçar grande parte da actividade social mas, em certa medida é, também, a emanação de problemas que há muito afectam as sociedades e hoje emergem com uma intensidade quase extrema. O terrorismo alimenta-se de questões de diversa índole que não se conseguiu resolver e que, por isso, contribuem para criar um caldo de cultura propício ao recrutamento de pessoas dispostas a uma tal actividade.

A organização das actividades terroristas aproveita diversos instrumentos, situações e fenómenos que as sociedades colocam à sua disposição. A grande conexão com o crime organizado em geral que também se estende à escala global é um aspecto de importância central pois essas duas actividades conjugam sinergias para se potenciarem mutuamente em termos organizativos e em termos financeiros. Em diversas partes do globo, as relações entre o tráfico de drogas, outro grande flagelo global do nosso tempo, e o terrorismo, são mais do que claras, sendo o narcotráfico uma das importantes fontes de financiamento das actividades terroristas.

O rapto, a pirataria marítima e outras práticas ilícitas, organizadas local, regional ou internacionalmente, podem ser simultaneamente a concretização de acções terroristas e fonte de financiamento das mesmas.

A intervenção terrorista, para além das conexões que estabelece com áreas criminosas, também actua em rede o que facilita o aproveitamento das potencialidades que poderão existir em cada local.

Igualmente, ao nível da organização financeira internacional, a actuação terrorista se faz sentir, quer através de expedientes que visam a chamada «lavagem de capitais» quer através da utilização do sistema para proceder à transferência dos recursos necessários às suas actividades.

Diversas são as situações em que através de contas aparentemente inocentes, por vezes ligadas a organizações de fachada humanitária são recolhidos fundos que financiam actividades terroristas.

Grande parte desta conexão só pode ser materializada graças à utilização das tecnologias de informação e de comunicação. Elas parecem ser exaustivamente utilizadas na operacionalização das acções, na sua divulgação para se conseguir maior impacto possível, no recrutamento e no treino de novos membros.

A sua capacidade de penetração é tal que tem conseguido insinuar-se nos poros das imperfeições dos sistemas sócio-políticos vigentes, nas suas contradições e limitações mas igualmente servir-se das suas virtudes. 

As garantias de defesa que as sociedades democráticas asseguram a todos os cidadãos, incluindo autores de actos terroristas, os direitos de ir e vir e de expressão do pensamento, o princípio da presunção de inocência de qualquer acusado, a limitação das actividades de investigação de modo a garantir o respeito por normas jurídicas e éticas, a liberdade religiosa, são aproveitadas por essas organizações.

Esta situação tem levado a que mesmo eminentes especialistas, falo sobretudo de juristas, adeptos claros do ideário democrático e do estado de direito, levantem a questão de saber se, e  em que medida,  os autores de actos terroristas deveriam beneficiar das protecções asseguradas pelo Estado de Direito Democrático, quando pretendem afinal exactamente a sua destruição. Falamos, designadamente, de algumas teses que poderemos reunir sob a já conhecida formulação de «direito penal do inimigo» (Feindstrafrecht).

Não cabendo neste lugar uma discussão tão complexa questão, sempre diremos que, ainda que possamos compreender as motivações que estão na base de tal construção, não podemos estar de acordo com ela pois é exactamente no respeito por esses (e outros) direitos e princípios que reside e se funda a supremacia das sociedades democráticas que se pretende atingir, e a defesa intransigente do seu núcleo essencial e irredutível é a garantia da força e da superioridade das democracias. Temos de ser capazes de combater o fenómeno sem hipotecar os princípios verdadeiramente «fundantes» de nossas opções de vida. Não podemos aderir, como fazem as organizações terroristas, à máxima de que “os fins justificam os meios”.

Senhor Director Nacional,
Senhor Encarregado de Negócios,
Senhores dirigentes do FBINAA,
Ilustres convidados,
Minhas senhoras e meus senhores,

Como sabemos, por razões de diversa ordem, em várias partes do mundo, assiste-se a acentuadas dificuldades de determinados Estados no exercício das suas funções. São os chamados Estados falhados que durante a Guerra Fria não eram muito considerados mas que actualmente, juntamente com o terrorismo e a proliferação de armas de destruição maciça, são considerados a principal ameaça à paz.

Estes Estados falhados são entendidos como Estados que não conseguem assegurar funções essenciais à sociedade, particularmente o controlo de todo o território nacional e o monopólio da violência, apresentam níveis diferentes de instabilidade.

Como se compreende esta situação é extremamente favorável ao desenvolvimento de actividades relacionadas com o terrorismo, abrindo, inclusivamente a possibilidade de acesso de organizações terroristas a armas nucleares, uma vez que entre os considerados falhados figuram Estados possuidores de armas nucleares.

Um Estado que não pode controlar a totalidade do seu território, que divide, que partilha o uso da violência com organizações, em princípio, ilegais e não consegue realizar outras tarefas e serviços que tradicionalmente a ele compete, pode ser um autêntico paraíso para a organização, o treinamento, o recrutamento e apoio logístico a grupos terroristas.

Quando a essas circunstâncias se junta a possibilidade de acesso ou controlo de armas nucleares fica muito mais claro o grau de ameaça que essa situação configura.

Segundo dados, da revista americana Foreign Policy de 2010, doze dos vinte Estados falhados, em situação de maior instabilidade, situam-se no continente africano e três destes fazem parte da CEDEAO. Estas informações atestam a vulnerabilidade da nossa região e evidenciam a grande responsabilidade dos Estados num importante espaço de circulação de petróleo e onde a pirataria marítima procura insinuar-se.

Senhor Presidente da Câmara Municipal,
Ilustres convidados,
Caros amigos,

Verificamos que o terrorismo tem claramente um alcance global que assume especificidades locais ou regionais e que, juntamente com outras práticas ilícitas, representa um verdadeiro perigo para a estabilidade e paz mundiais.

À semelhança de determinadas bactérias, o terrorismo insinua-se e explora as situações e condições que são mais propícias ao seu desenvolvimento e proliferação.

Neste quadro uma indagação se impõe. Qual é a sua finalidade? Que objectivos almejam os seus mentores?

Aparentemente, o objectivo mais importante poderia ser sintetizado do modo seguinte: combater posicionamentos políticos considerados ofensivos em termos religiosos e de princípios, elegendo-se o chamado Ocidente, democrático e cristão, como inimigo principal.

Ao lado deste grande objectivo circulam outros que podem ou não ter pontos de contacto com ele: conflitos territoriais localizados ou divergências de cunho cultural ou religioso, às vezes seculares. Sempre que possível procura-se alguma federação desses diferentes movimentos com vista a uma maior eficácia das actividades, cujos agentes terão em comum um profundo desprezo pela sua própria vida e pela vida dos outros.

Para tornar ainda mais complexa essa realidade, verifica-se, com frequência, que, por um lado, existem Estados que não conseguem controlar tais actividades nas suas fronteiras, Estados que aparentemente as incentivam e chegam mesmo a apoiá-las e a utilizá-las como instrumento de intervenção política e, por outro lado, Estados que podem ter políticas influenciadas por esses grupos ou seus simpatizantes.

Ao infiltrar-se de forma mais ou menos profunda no tecido de instituições estatais, ao terem por essa e outras vias a possibilidade de atacar em qualquer parte do globo, o terrorismo, também pela possibilidade que tem de se aproveitar de outras formas de intervenção criminosa, representa, de facto, um perigo grave para as sociedades democráticas actuais, no duplo sentido de visar a destruição de determinadas sociedades e de impor modelos que se estribam na intolerância mais radical.

Essa realidade encerra pois um poderoso desafio às mulheres e homens de hoje, evitar que essa actividade coloque em risco importantes ganhos aos níveis económico e politico e combate-lo de forma eficaz.

Prezados amigos,
Ilustres convidados,

Esta tarefa não se revela nada fácil. A ideia inicial, defendida de forma intensa, a partir dos atentados de onze de Setembro, segundo a qual uma intervenção determinada poderia rapidamente conduzir a uma neutralização do fenómeno, foi deixada de lado.
Nesta óptica, as Nações Unidas, depois de muitos anos de debate, posicionou-se pela necessidade de se afastar dos debates políticos sobre “terrorismo de Estado” e o “direito de resistir à ocupação”, privilegiando a adopção de instrumentos jurídicos onde se considerem ilegais todas as formas de terrorismo.

Assim, em 2006, por consenso, aprovou, a Estratégia Mundial contra o Terrorismo da ONU, através da qual os Estados, qualificando-o como uma das ameaças mais graves para a paz e a segurança internacionais, decidem condenar sistemáticamente, inequívocamente e energicamente o terrorismo em todas as suas formas e manifestações, independentemente dos seus autores, lugares e objectivos.

Naturalmente que se forem conhecidas razões de fundo (politicas, sociais, culturais) que podem facilitar o fenómeno ou justificá-lo, segundo alguns, elas devem ser atacadas como forma mais eficaz de se fazer a prevenção.

Mas simultaneamente, a intervenção policial deve ser a mais efectiva, determinada e abrangente possível, abrangência que deve ser entendida, nas perspectivas conceptual e territorial. 

O fenómeno deve, como tem acontecido, ser apreendido como resultante de diversos factores em interacção e que se estende directa ou indirectamente para áreas diversas do globo que implica, também, uma articulação sistemática entre os diversos actores, de que este evento é um exemplo interessante e simbólico.

Entendemos que essa articulação cada vez mais estreita entre as instâncias dos diferentes Estados vocacionadas para o combate ao terrorismo é condição imperativa para o seu sucesso.

Acreditamos pois que os avanços que se têm verificado nessa luta devem-se em larga medida a esse esforço de articulação. É muito provável que os atentados terroristas que têm sido evitados sejam resultado do aprimoramento dessa articulação, acontecendo o mesmo com a redução do número de vítimas. Efectivamente, segundo o Relatório Anual do Departamento de Estado dos EUA, apesar de se ter registado um aumento de 5% do número de ataques terroristas em 2010, em relação ao ano anterior, os indicadores apontam para uma diminuição, na ordem dos 12 %, do número de mortes, com especial destaque para o continente Africano onde a diminuição do número de mortes, por ataque terrorista, ultrapassou os 30%.

No entanto, diante do surgimento de novas formas de terrorismos, como é o caso do terrorismo informático e o terrorismo ambiental, importante se torna reforçar e aperfeiçoar os meios de investigação e privilegiar a cooperação policial. Este é – e vamos repeti-lo sempre – um investimento seguro, que vale a pena realizar.

Para além da indispensável colaboração em termos operacionais, consideramos importante encarar também as áreas da formação, do equipamento e da legislação.

Em relação a este último e muito sensível aspecto, entendemos que a compatibilização das legislações, que articulem de forma muito clara as necessidades de segurança com o núcleo irredutível dos princípios que enformam o Estado de Direito Democrático poderá ser um elemento de grande valia nessa luta, pois faculta aos agentes policiais os instrumentos de que necessitam, previne tentações autoritárias e reforça no cidadão a crença nos princípios e superioridade das Democracias.

No geral, e relembrando o que dissemos noutras ocasiões, os desafios impostos, nomeadamente ao direito penal (no seu todo), na adaptação aos novos tempos e às novas e sofisticadas formas de criminalidade, exigem o estudo aprofundado e imaginativo de mecanismos de adequação dos instrumentos da coacção penal à nova fenomenologia criminal, tanto no plano interno, quanto no plano supra-estatal; o que deverá conduzir a modelos distintos de investigação, à especialização permanente de seus responsáveis, à introdução de assessorias técnicas e científicas junto dos decisores judiciais, à maior consistência institucional e apetrechamento técnico-científico do Ministério Público e polícias criminais, a novos métodos de acesso e posterior tratamento da informação e à instauração de estruturas de colaboração e cooperação nos planos nacional e supra-estatal.

Minhas Senhoras e meus senhores,

Cabo Verde, o nosso país encontra-se situado numa região que tem apresentado um grau relativamente elevado de instabilidade política que, não raras vezes, tem conduzido a confrontos violentos, êxodos populacionais importantes, o que não tem contribuído para seu desenvolvimento socio-económico no ritmo desejado.

Aproveitando-se de alguma debilidade institucional o narcotráfico tem feito poderosas investidas na região, situações que têm facilitado a actividade de grupos terroristas em algumas áreas.

Felizmente, a estabilidade é um dos traços fundamentais de Cabo Verde e não obstante limitações de ordem económica, especialmente neste período de crise mundial, Cabo Verde continua a dar provas inequívocas de que é e continuará a ser um parceiro altamente confiável no combate ao terrorismo e a todos os tráficos ilícitos, como seguramente os senhores palestrantes e participantes terão explicitado.

Essa determinação pode ser avaliada através dos diferentes instrumentos jurídicos internacionais, sobre a matéria, ratificados por Cabo Verde, como também do esforço permanente no sentido de dotar as instâncias competentes, como a Policia Judiciária, dos recursos necessários, ainda que não sejam, por enquanto, os desejáveis.

Contra uma forte ameaça global dessa índole a resposta tem de ser global e com uma intensidade de meios e equipamentos com grau de eficácia suficiente para combater o mal. E para os países menos desenvolvidos essa resposta só pode ser encontrada no quadro da cooperação regional e internacional, pois aqui são maximizados os recursos de combate, melhorando significativamente a eficácia da resposta. É um desafio que se impõe aos Estados mais desenvolvidos, o de partilharem conhecimentos, informações, técnicas e meios mais sofisticados para uma defesa global contra um poderoso inimigo comum. Esta cooperação revela-se também decisiva para os países mais desenvolvidos, pois hoje a defesa da paz interna é feita muitas vezes a milhares de quilómetros das nossas fronteiras, em estreita comunhão de esforços com os parceiros que comungam das mesmas preocupações e vivenciam os mesmos valores, sempre na observância das regras do direito internacional.

Mas também o combate ao terrorismo passa por um esforço de desenvolvimento e capacitação técnica das diversas instâncias envolvidas neste processo, pela participação na resolução de conflitos regionais e sobretudo pelo reforço, alargamento e aprofundamento do Estado de Direito Democrático.

Estas são as trilhas que devem ser percorridas com perseverança para que a nossa colaboração na luta contra o terrorismo e demais ameaças seja cada vez mais efectiva.
Estamos seguros, Excelências, de que as reflexões levadas a cabo por tão ilustres especialistas que abordaram temas de grande actualidade durante estes dias serão uma contribuição muito valiosa para o nosso esforço de continuar a dar uma contribuição positiva para a Estabilidade e para a Paz.

Declaro encerrada a Conferência Internacional sobre a “Luta contra o terrorismo, problemas e oportunidades, na África e Médio Oriente”.

Muito obrigado.

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