Excelentíssimo Senhor Director Nacional
da Polícia Judiciária,
Excelentíssimo Senhor Presidente da
Câmara Municipal,
Excelentíssimo Senhor Ministro
Conselheiro da Embaixada dos EUA,
Excelentíssima Senhora Presidente do FBI,
Excelentíssimo Senhor Presidente da
Associação da Academia Nacional do FBI (FBINAA),
Excelentíssimos Senhores diplomatas,
Excelentíssimos Senhores jornalistas,
Ilustres convidados,
Minhas Senhoras, meus Senhores,
Foi com enorme prazer que aceitei o
amável convite para presidir à esta cerimónia de encerramento desta importante
conferência sobre a “Luta contra o terrorismo, problemas e oportunidades, na
África e Médio Oriente”.
Nesta ocasião, apraz-me cumprimentar,
fraterna e calorosamente, todos aqueles que, de uma forma ou de outra,
contribuíram para a realização deste evento e para o sucesso em que se
traduziu.
Minhas senhoras e meus senhores,
As palavras, para além de definirem
ideias, conceitos, representações, por vezes assumem conotações tão acentuadas
que passam a significar muito mais do que o seu conteúdo intrínseco, para se
transformarem em símbolos muito maiores do que elas próprias, que podem abarcar
países inteiros, continentes ou mesmo épocas.
Hoje, se quisermos enumerar algumas
palavras que traduzem a nossa época, provavelmente poucas terão o peso da
palavra globalização. Mas, para além desta, outras têm também um sentido tão
poderoso que igualmente retratam claramente a época presente: meio ambiente,
aquecimento global, energia, terrorismo.
Sim, terrorismo. Esta expressão hoje tem
o poder de quase condensar praticamente quase tudo o que de mais importante
existe: A vida, a morte, o desespero, a tranquilidade, a revolta, a exclusão, a
integração, a imoralidade, a ética, a democracia, a ditadura, a liberdade, a
opressão, a exclusividade cultural, a interculturalidade, a intolerância religiosa,
o ecumenismo, a miséria, a riqueza, a legalidade e a ilegalidade.
O terrorismo já não é um fenómeno
isolado, circunscrito, de contornos sempre previsíveis e definidos. Ele é tão
presente na vida de hoje que praticamente todos os Estados sentem-se obrigados,
na formulação das suas políticas, independentemente da seriedade dos propósitos
enunciados, a referir expressamente uma posição em relação a esse fenómeno.
Esta preocupação não é vã, pois sabe-se
que existem Estados acusados de financiar grupos terroristas ou de, pelo menos,
não os combater e outros Estados também acusados de acções violentas ou
económicas que poderiam ser classificadas de terroristas.
Muito longe vai o tempo em que os
protagonistas de actos considerados terroristas tinham preocupações com o
número de vítimas que os seus actos podiam provocar, pois queriam que se
reduzissem ao menor número possível.
Nos tempos actuais o grau de eficácia
das acções é directamente proporcional ao número de vítimas causadas,
sofredoras de danos físicos ou psicológicos: morte, medo, sofrimento,
insegurança, desespero são os resultados procurados e os indicadores capazes de
medir o grau de eficácia das acções terroristas.
E os alvos já não são apenas objectivos
militares, ou infra-estruturas consideradas estratégicas. Para além destas, as
pessoas, os cidadãos comuns, passam a ser alvos potenciais das acções
terroristas.
Se os ataques por vezes aparentam uma
irracionalidade absoluta, têm sempre uma lógica subjacente, politica,
religiosa, cultural, territorial ou étnica.
Minhas senhoras e meus senhores,
A actividade terrorista consegue ameaçar
grande parte da actividade social mas, em certa medida é, também, a emanação de
problemas que há muito afectam as sociedades e hoje emergem com uma intensidade
quase extrema. O terrorismo alimenta-se de questões de diversa índole que não
se conseguiu resolver e que, por isso, contribuem para criar um caldo de
cultura propício ao recrutamento de pessoas dispostas a uma tal actividade.
A organização das actividades
terroristas aproveita diversos instrumentos,
situações e fenómenos que as
sociedades colocam à sua disposição. A grande conexão com o crime organizado em geral que também se estende à escala
global é um aspecto de importância central pois essas duas actividades conjugam
sinergias para se potenciarem mutuamente em termos organizativos e em termos financeiros.
Em diversas partes do globo, as relações entre o tráfico de drogas, outro
grande flagelo global do nosso tempo, e o terrorismo, são mais do que claras,
sendo o narcotráfico uma das importantes fontes de financiamento das
actividades terroristas.
O rapto, a pirataria marítima e outras
práticas ilícitas, organizadas local, regional ou internacionalmente, podem ser
simultaneamente a concretização de acções terroristas e fonte de financiamento
das mesmas.
A intervenção terrorista, para além das
conexões que estabelece com áreas criminosas, também actua em rede o que
facilita o aproveitamento das potencialidades que poderão existir em cada
local.
Igualmente, ao nível da organização
financeira internacional, a actuação terrorista se faz sentir, quer através de
expedientes que visam a chamada «lavagem de capitais» quer através da
utilização do sistema para proceder à transferência dos recursos necessários às
suas actividades.
Diversas são as situações em que através
de contas aparentemente inocentes, por vezes ligadas a organizações de fachada
humanitária são recolhidos fundos que financiam actividades terroristas.
Grande parte desta conexão só pode ser
materializada graças à utilização das tecnologias de informação e de comunicação.
Elas parecem ser exaustivamente utilizadas na operacionalização das acções, na
sua divulgação para se conseguir maior impacto possível, no recrutamento e no treino
de novos membros.
A sua capacidade de penetração é tal que
tem conseguido insinuar-se nos poros das imperfeições dos sistemas sócio-políticos
vigentes, nas suas contradições e limitações mas igualmente servir-se das suas
virtudes.
As garantias de defesa que as sociedades
democráticas asseguram a todos os cidadãos, incluindo autores de actos
terroristas, os direitos de ir e vir e de expressão do pensamento, o princípio
da presunção de inocência de qualquer acusado, a limitação das actividades de
investigação de modo a garantir o respeito por normas jurídicas e éticas, a
liberdade religiosa, são aproveitadas por essas organizações.
Esta situação tem levado a que mesmo
eminentes especialistas, falo sobretudo de juristas, adeptos claros do ideário
democrático e do estado de direito, levantem a questão de saber se, e em que medida, os autores de actos terroristas deveriam
beneficiar das protecções asseguradas pelo Estado de Direito Democrático,
quando pretendem afinal exactamente a sua destruição. Falamos, designadamente,
de algumas teses que poderemos reunir sob a já conhecida formulação de «direito
penal do inimigo» (Feindstrafrecht).
Não cabendo neste lugar uma discussão
tão complexa questão, sempre diremos que, ainda que possamos compreender as
motivações que estão na base de tal construção, não podemos estar de acordo com
ela pois é exactamente no respeito por esses (e outros) direitos e princípios
que reside e se funda a supremacia das sociedades democráticas que se pretende
atingir, e a defesa intransigente do seu núcleo essencial e irredutível é a
garantia da força e da superioridade das democracias. Temos de ser capazes de
combater o fenómeno sem hipotecar os princípios verdadeiramente «fundantes» de
nossas opções de vida. Não podemos aderir, como fazem as organizações
terroristas, à máxima de que “os fins
justificam os meios”.
Senhor Director Nacional,
Senhor Encarregado de Negócios,
Senhores dirigentes do FBINAA,
Ilustres convidados,
Minhas senhoras e meus senhores,
Como sabemos, por razões de diversa
ordem, em várias partes do mundo, assiste-se a acentuadas dificuldades de
determinados Estados no exercício das suas funções. São os chamados Estados
falhados que durante a Guerra Fria não eram muito considerados mas que
actualmente, juntamente com o terrorismo e a proliferação de armas de
destruição maciça, são considerados a principal ameaça à paz.
Estes Estados falhados são entendidos
como Estados que não conseguem assegurar funções essenciais à sociedade,
particularmente o controlo de todo o território nacional e o monopólio da
violência, apresentam níveis diferentes de instabilidade.
Como se compreende esta situação é
extremamente favorável ao desenvolvimento de actividades relacionadas com o
terrorismo, abrindo, inclusivamente a possibilidade de acesso de organizações
terroristas a armas nucleares, uma vez que entre os considerados falhados
figuram Estados possuidores de armas nucleares.
Um Estado que não pode controlar a
totalidade do seu território, que divide, que partilha o uso da violência com
organizações, em princípio, ilegais e não consegue realizar outras tarefas e
serviços que tradicionalmente a ele compete, pode ser um autêntico paraíso para
a organização, o treinamento, o recrutamento e apoio logístico a grupos
terroristas.
Quando a essas circunstâncias se junta a
possibilidade de acesso ou controlo de armas nucleares fica muito mais claro o
grau de ameaça que essa situação configura.
Segundo dados, da revista americana
Foreign Policy de 2010, doze dos vinte Estados falhados, em situação de maior
instabilidade, situam-se no continente africano e três destes fazem parte da
CEDEAO. Estas informações atestam a vulnerabilidade da nossa região e
evidenciam a grande responsabilidade dos Estados num importante espaço de
circulação de petróleo e onde a pirataria marítima procura insinuar-se.
Senhor Presidente da Câmara Municipal,
Ilustres convidados,
Caros amigos,
Verificamos que o terrorismo tem
claramente um alcance global que assume especificidades locais ou regionais e
que, juntamente com outras práticas ilícitas, representa um verdadeiro perigo
para a estabilidade e paz mundiais.
À semelhança de determinadas bactérias,
o terrorismo insinua-se e explora as situações e condições que são mais
propícias ao seu desenvolvimento e proliferação.
Neste quadro uma indagação se impõe.
Qual é a sua finalidade? Que objectivos almejam os seus mentores?
Aparentemente, o objectivo mais
importante poderia ser sintetizado do modo seguinte: combater posicionamentos
políticos considerados ofensivos em termos religiosos e de princípios,
elegendo-se o chamado Ocidente, democrático e cristão, como inimigo principal.
Ao lado deste grande objectivo circulam
outros que podem ou não ter pontos de contacto com ele: conflitos territoriais
localizados ou divergências de cunho cultural ou religioso, às vezes seculares.
Sempre que possível procura-se alguma federação desses diferentes movimentos
com vista a uma maior eficácia das actividades, cujos agentes terão em comum um
profundo desprezo pela sua própria vida e pela vida dos outros.
Para tornar ainda mais complexa essa
realidade, verifica-se, com frequência, que, por um lado, existem Estados que
não conseguem controlar tais actividades nas suas fronteiras, Estados que
aparentemente as incentivam e chegam mesmo a apoiá-las e a utilizá-las como
instrumento de intervenção política e, por outro lado, Estados que podem ter
políticas influenciadas por esses grupos ou seus simpatizantes.
Ao infiltrar-se de forma mais ou menos
profunda no tecido de instituições estatais, ao terem por essa e outras vias a
possibilidade de atacar em qualquer parte do globo, o terrorismo, também pela
possibilidade que tem de se aproveitar de outras formas de intervenção
criminosa, representa, de facto, um perigo grave para as sociedades
democráticas actuais, no duplo sentido de visar a destruição de determinadas
sociedades e de impor modelos que se estribam na intolerância mais radical.
Essa realidade encerra pois um poderoso
desafio às mulheres e homens de hoje, evitar que essa actividade coloque em
risco importantes ganhos aos níveis económico e politico e combate-lo de forma
eficaz.
Prezados amigos,
Ilustres convidados,
Esta tarefa não se revela nada fácil. A
ideia inicial, defendida de forma intensa, a partir dos atentados de onze de
Setembro, segundo a qual uma intervenção determinada poderia rapidamente
conduzir a uma neutralização do fenómeno, foi deixada de lado.
Nesta óptica, as Nações Unidas, depois
de muitos anos de debate, posicionou-se pela necessidade de se afastar dos
debates políticos sobre “terrorismo de Estado” e o “direito de resistir à
ocupação”, privilegiando a adopção de instrumentos jurídicos onde se considerem
ilegais todas as formas de terrorismo.
Assim, em 2006, por consenso, aprovou, a
Estratégia Mundial contra o Terrorismo da ONU, através da qual os Estados,
qualificando-o como uma das ameaças mais graves para a paz e a segurança
internacionais, decidem condenar sistemáticamente, inequívocamente e
energicamente o terrorismo em todas as suas formas e manifestações,
independentemente dos seus autores, lugares e objectivos.
Naturalmente que se forem conhecidas
razões de fundo (politicas, sociais, culturais) que podem facilitar o fenómeno
ou justificá-lo, segundo alguns, elas devem ser atacadas como forma mais eficaz
de se fazer a prevenção.
Mas simultaneamente, a intervenção
policial deve ser a mais efectiva, determinada e abrangente possível,
abrangência que deve ser entendida, nas perspectivas conceptual e
territorial.
O fenómeno deve, como tem acontecido,
ser apreendido como resultante de diversos factores em interacção e que se
estende directa ou indirectamente para áreas diversas do globo que implica,
também, uma articulação sistemática entre os diversos actores, de que este
evento é um exemplo interessante e simbólico.
Entendemos que essa articulação cada vez
mais estreita entre as instâncias dos diferentes Estados vocacionadas para o
combate ao terrorismo é condição imperativa para o seu sucesso.
Acreditamos pois que os avanços que se
têm verificado nessa luta devem-se em larga medida a esse esforço de
articulação. É muito provável que os atentados terroristas que têm sido
evitados sejam resultado do aprimoramento dessa articulação, acontecendo o
mesmo com a redução do número de vítimas. Efectivamente, segundo o Relatório
Anual do Departamento de Estado dos EUA, apesar de se ter registado um aumento
de 5% do número de ataques terroristas em 2010, em relação ao ano anterior, os
indicadores apontam para uma diminuição, na ordem dos 12 %, do número de
mortes, com especial destaque para o continente Africano onde a diminuição do
número de mortes, por ataque terrorista, ultrapassou os 30%.
No entanto, diante do surgimento de
novas formas de terrorismos, como é o caso do terrorismo informático e o
terrorismo ambiental, importante se torna reforçar e aperfeiçoar os meios de
investigação e privilegiar a cooperação policial. Este é – e vamos repeti-lo
sempre – um investimento seguro, que vale a pena realizar.
Para além da indispensável colaboração
em termos operacionais, consideramos importante encarar também as áreas da
formação, do equipamento e da legislação.
Em relação a este último e muito
sensível aspecto, entendemos que a compatibilização das legislações, que
articulem de forma muito clara as necessidades de segurança com o núcleo
irredutível dos princípios que enformam o Estado de Direito Democrático poderá
ser um elemento de grande valia nessa luta, pois faculta aos agentes policiais
os instrumentos de que necessitam, previne tentações autoritárias e reforça no
cidadão a crença nos princípios e superioridade das Democracias.
No geral, e relembrando o que dissemos
noutras ocasiões, os desafios impostos, nomeadamente ao direito penal (no
seu todo), na adaptação aos novos tempos e às novas e sofisticadas formas de
criminalidade, exigem o estudo aprofundado e imaginativo de mecanismos de
adequação dos instrumentos da coacção penal à nova fenomenologia criminal,
tanto no plano interno, quanto no plano supra-estatal; o que deverá conduzir a
modelos distintos de investigação, à especialização permanente de seus
responsáveis, à introdução de assessorias técnicas e científicas junto dos
decisores judiciais, à maior consistência institucional e apetrechamento
técnico-científico do Ministério Público e polícias criminais, a novos métodos
de acesso e posterior tratamento da informação e à instauração de estruturas de
colaboração e cooperação nos planos nacional e supra-estatal.
Minhas Senhoras e meus senhores,
Cabo Verde, o nosso país encontra-se
situado numa região que tem apresentado um grau relativamente elevado de
instabilidade política que, não raras vezes, tem conduzido a confrontos
violentos, êxodos populacionais importantes, o que não tem contribuído para seu
desenvolvimento socio-económico no ritmo desejado.
Aproveitando-se de alguma debilidade
institucional o narcotráfico tem feito poderosas investidas na região,
situações que têm facilitado a actividade de grupos terroristas em algumas
áreas.
Felizmente, a estabilidade é um dos
traços fundamentais de Cabo Verde e não obstante limitações de ordem económica,
especialmente neste período de crise mundial, Cabo Verde continua a dar provas
inequívocas de que é e continuará a ser um parceiro altamente confiável no
combate ao terrorismo e a todos os tráficos ilícitos, como seguramente os
senhores palestrantes e participantes terão explicitado.
Essa determinação pode ser avaliada
através dos diferentes instrumentos jurídicos internacionais, sobre a matéria,
ratificados por Cabo Verde, como também do esforço permanente no sentido de
dotar as instâncias competentes, como a Policia Judiciária, dos recursos
necessários, ainda que não sejam, por enquanto, os desejáveis.
Contra uma forte ameaça global dessa índole a
resposta tem de ser global e com uma intensidade de meios e equipamentos com
grau de eficácia suficiente para combater o mal. E para os países menos
desenvolvidos essa resposta só pode ser encontrada no quadro da cooperação
regional e internacional, pois aqui são maximizados os recursos de combate,
melhorando significativamente a eficácia da resposta. É um desafio que se
impõe aos Estados mais desenvolvidos, o de partilharem conhecimentos,
informações, técnicas e meios mais sofisticados para uma defesa global contra
um poderoso inimigo comum. Esta cooperação revela-se também decisiva para os
países mais desenvolvidos, pois hoje a defesa da paz interna é feita muitas
vezes a milhares de quilómetros das nossas fronteiras, em estreita comunhão de
esforços com os parceiros que comungam das mesmas preocupações e vivenciam os
mesmos valores, sempre na observância das regras do direito internacional.
Mas também o combate ao terrorismo passa por um
esforço de desenvolvimento e capacitação técnica das diversas instâncias
envolvidas neste processo, pela participação na resolução de conflitos
regionais e sobretudo pelo reforço, alargamento e aprofundamento do Estado de
Direito Democrático.
Estas são as trilhas que devem ser percorridas com
perseverança para que a nossa colaboração na luta contra o terrorismo e demais
ameaças seja cada vez mais efectiva.
Estamos seguros, Excelências, de que as
reflexões levadas a cabo por tão ilustres especialistas que abordaram temas de
grande actualidade durante estes dias serão uma contribuição muito valiosa para
o nosso esforço de continuar a dar uma contribuição positiva para a
Estabilidade e para a Paz.
Declaro encerrada a Conferência
Internacional sobre a “Luta contra o terrorismo, problemas e oportunidades, na
África e Médio Oriente”.
Muito obrigado.
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